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‘Exportações’ de lixo tóxico dos países industriais são direcionadas sobretudo para a Ásia e a África

Estados Unidos são mau exemplo na reciclagem de lixo eletrônico – No dia 26 de julho, uma surpreendente cerimônia ocorreu no quarto andar de um pequeno prédio de escritórios situado no centro de Seattle, no Estado de Washington, noroeste dos Estados Unidos. Altos dirigentes do grupo sul-coreano de produtos eletrônicos LG estavam ali para assinar um acordo com a Basel Action Network (BAN), uma ONG americana que luta contra o comércio de lixo tóxico, sobretudo de resíduos de equipamentos elétricos e eletrônicos. “Isso é histórico”, comentou discretamente Jim Puckett, fundador e diretor executivo da BAN, em cuja sede ocorreu o evento. Reportagem de Gilles Van Kote, Le Monde

Com esse acordo, a LG se compromete a recorrer a recicladores certificados pelo programa “e-Stewards”, lançado em 2010 pela BAN, para tratar seu lixo eletrônico. Assim, o grupo sul-coreano entra para o pequeno grupo de cerca de vinte empresas rotuladas “e-Stewards” que assumiram o mesmo compromisso, que incluem o Bank of America e a filial americana da Samsung.

“Sempre me perguntam por que colaboramos com empresas como essas, que não têm a reputação de defenderem particularmente o meio ambiente”, justifica Puckett. “Eu respondo que assim que elas se envolvem, são forçadas a refletirem sobre toda sua cadeia de produção e sobre seu impacto ambiental”. Ele diz ainda: “Elas não são perfeitas, mas nos últimos anos, avançamos mais trabalhando junto com elas do que fazendo pressão sobre o governo americano, inclusive desde que Barack Obama assumiu a presidência”.

Cem contêineres por dia

O grande desafio de Jim Puckett e de sua organização é denunciar as exportações de lixo tóxico dos países industriais para a Ásia e a África, onde esses resíduos são tratados – ou muitas vezes incinerados – desprezando o meio ambiente e a saúde da população. Nesse sentido, os Estados Unidos são incontestavelmente o mau aluno da classe mundial: primeiros produtores e exportadores mundiais de lixo, eles nunca ratificaram a Convenção da Basileia regulamentando o comércio de lixo tóxico, que data de 1989 e da qual a BAN tira seu nome.

Enquanto a União Europeia se encontra bem além do texto, proibindo desde 1997 a exportação de lixo perigoso com destino a países não-membros da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), entre 50 e 100 contêineres de resíduos de equipamentos elétricos e eletrônicos partem – em total legalidade – todos os dias dos Estados Unidos com destino a Hong Kong, principal centro de atividades asiático, segundo estimativas da BAN.

Nada dizia que Jim Puckett, 56, estaria destinado a se tornar o militante emblemático dessa causa. Até o dia em que ele, quando era um jovem cineasta, se debruçou sobre as águas não muito límpidas do Puget Sound, o estreito que banha Seattle e o norte da costa oeste americana, levando-o a se interessar pela questão da poluição industrial.

“No final dos anos 1980, começava-se a ouvir falar de tráfico de lixo tóxico, em especial sobre a odisseia de um navio carregado de milhares de toneladas de cinzas vindas dos incineradores da Filadélfia”, ele conta. Jim Puckett juntou-se então ao Greenpeace, e conduziu uma campanha pelo endurecimento da Convenção da Basileia e pela proibição das exportações de resíduos perigosos.

Essa medida (chamada de “Ban Amendment”) foi votada em 1995, mas nunca entrou em vigor, por não ter sido ratificada por um número suficiente de países.

“Criei a BAN em 1997 porque era preciso fazer com que a lei fosse aplicada, porque os países industrializados e suas empresas não podiam continuar utilizando daquela forma o livre-comércio e a globalização como pretexto para terceirizar seus custos em detrimento dos mais pobres”, ele explica. “Comecei no subsolo de minha casa em Seattle. A BAN ficou conhecida de verdade quando nos interessamos pelo lixo eletrônico, que dizem respeito a todo mundo, empresas e pessoas físicas, em maior ou menor grau”.

A questão do tratamento do lixo eletrônico se tornou então o cavalo de batalha de Jim Puckett e de sua equipe de oito membros permanentes, paralelamente a outro tema, menos midiático: o desmantelamento de navios.

Saúde e meio ambiente

O método desse incansável ativista é simples: ir até o local, trazer depoimentos de lá (usando uma câmera escondida, se necessário), fazer pressão. Ele pode contar sobre as terríveis condições nas quais os computadores, televisores e outros aparelhos vindos do Ocidente são desmembrados na China, no Vietnã, na Nigéria e em Gana por trabalhadores que não recebem nenhuma proteção, assim como sobre os moradores dessas lixeiras a céu aberto que inalam fumaças tóxicas e chapinham em águas carregadas de metais pesados.

Os recicladores certificados pelo programa “e-Stewards” se comprometem a não exportar para países em desenvolvimento os resíduos que lhe são confiados, e a garantir eles mesmos seu tratamento, respeitando o meio ambiente e a saúde humana. Atualmente são cerca de cinquenta deles na América do Norte. Pouco mais da metade do orçamento da BAN – US$ 1 milhão ao ano (cerca de R$ 1,59 milhão) – é financiada por essas empresas, sobretudo graças aos direitos pagos por estas para poderem se gabar do rótulo “e-Stewards”. O programa pode assumir uma dimensão internacional e a BAN pretende abrir um escritório em Bruxelas.

Isso porque a Europa não é uma aluna tão virtuosa assim: a proibição de exportar lixo tóxico é amplamente contornada por tráficos ilegais ou por sistemas de declarações falsas. “Três quartos dos equipamentos eletrônicos usados declarados e enviados para os países em desenvolvimento não são reutilizáveis”, garante Jim Puckett. “Na verdade, são lixos eletrônicos dos quais os países querem se livrar”.

Um projeto de controle sistemático das exportações de material elétrico e eletrônico está em discussão em Bruxelas.

Tradução: Lana Lim

Reportagem de Le Monde, no UOL Notícias.

EcoDebate, 17/08/2011

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