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Quênia: Para enfrentar a seca, os camponeses trocam o milho pela mandioca

Para enfrentar a seca, os camponeses estão redescobrindo as culturas tradicionais, como a mandioca e o sorgo, que consomem pouca água

“Não tem nada! Olhe!” Com um gesto brusco, Norman Ngunda arranca do chão um pé de milho que não passou de algumas dezenas de centímetros. O caule amareleceu e a espiga está mirrada. Ao lado, arbustos de mandioca de folhas verdes longilíneas ultrapassam os dois metros.

Esse não é o primeiro ano em que esse camponês de Kee, vilarejo situado cerca de cem quilômetros ao sudeste de Nairóbi, capital do Quênia, observa esse contraste. Sobre seu hectare de terra situado na encosta e adaptado para reter água, em 2008 ele decidiu voltar a plantar mandioca. “Por causa da falta de chuva, teve dias em que fui obrigado a dizer à minha família para passar um dia sem comer”, conta o franzino homem de 60 anos. Hoje, em Kee, 70% da população recebe regularmente ajuda alimentar, fornecida pelo governo ou por organizações internacionais. Mas, diz Norman Ngunda, “me lembrei então daquilo que meus pais faziam quando havia problemas de fome: eles plantavam mandioca”. Reportagem de Sébastien Hervieu, Le Monde.

De cor esbranquiçada, a polpa da mandioca é comestível. Mas é sobretudo uma planta que adquire valor quando os campos de milho, a principal cultura alimentícia do Quênia, estão sendo dizimados pela seca. “Quando eu vendo três raízes de mandioca, ganho 100 xelins quenianos (R$ 3,57) e posso comprar 2 quilos de milho, o que é suficiente para alimentar minha família por um dia.” Para que os doze membros de sua família possam comer três vezes ao dia, ele pretende, no ano que vem, dedicar dois terços de suas terras ao plantio de mandioca.

No distrito, 400 pequenos agricultores seguiram seu exemplo e farão sua primeira colheita neste ano. “Não é somente nas regiões áridas do nordeste do país que se sentem os efeitos da mudança climática”, lembra Leonard Maweu, secretário do grupo de fazendeiros. “Antes, recebíamos 800 milímetros de água por ano, e hoje são 400 milímetros, e a distribuição é muito mais desigual: às vezes, cai tudo de uma vez em uma semana, e depois mais nada.” A mandioca, que consome menos água que o milho, também necessita de menos pesticidas. Em compensação, o tubérculo pode conter uma substância tóxica, às vezes mortal. “Os caules de mandioca que fornecemos aos fazendeiros são selecionados e não oferecem risco”, garante John Wambua, do Instituto de Pesquisa Agrícola do Quênia (KARI), que apoia o projeto financiado pela União Europeia.

No entanto, para muitos quenianos, a mandioca continua sendo uma “planta para pobres”. “Ao introduzirem o milho nos países no início do século passado, os colonos aos poucos nos fizeram esquecer de nossas culturas tradicionais”, lamenta o pesquisador, “mas a frequência das secas está mudando as mentalidades.”

No vilarejo de Mbuvo, 70 quilômetros mais ao sul, 560 fazendeiros reunidos em uma cooperativa estão fazendo sua primeira colheita de mandioca. Os tubérculos, quando chegam ao pátio de um pequeno prédio pintado de laranja e verde, são pesados, lavados, secados ao Sol sobre grandes placas de madeira protegidos do vento por sacos plásticos brancos com o carimbo “Programa Alimentar Mundial”, que no passado serviram para distribuir milho. “Nada se perde, e fazemos de tudo com a mandioca!”, se empolga Judah Kimev, secretário da cooperativa de Mbuvo. Sobre a mesa, sacos de um quilo de farinha, pacotes de chips, ração para o gado, pratos feitos a partir de folhas de mandioca e a “recarga da bateria” para estimular a felicidade dos casais…

“Todos os anos os fazendeiros receberão um dividendo proporcional à venda dos produtos”, explica Joseph Masyuki, presidente da cooperativa de Mbuvo que, diante do crescente interesse dos agricultores da região, enxerga muito mais longe: “O objetivo é cultivar 300 hectares em 2012 com a compra de um trator, e em seguida exportar para o Sudão do Sul, o Reino Unido e a Alemanha.”

A mandioca não é a única cultura tradicional a voltar a ter um pouco de peso no Quênia. O instituto de pesquisa agrícola do Quênia promove também o desenvolvimento do sorgo, igualmente resistente à seca. Três mil fazendeiros vendem hoje seus produtos a cervejarias locais. “Aqui, nas universidades, os estudantes precisam assistir a aulas sobre a prevenção da Aids”, observa John Wambua, do KARI. “Deveriam fazer o mesmo com a segurança alimentar.”

Tradução: Lana Lim

Reportagem de Le Monde, no UOL Notícias.

EcoDebate, 22/07/2011

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