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Artigo

Quem tem medo do ‘ecobobo’? artigo de Fábio R. Jorge

[EcoDebate] INTRODUÇÃO

Não é de hoje que diversos segmentos são descreditados por exageros cometidos por quem defende seus ideais. Aquela faixa de pessoas que se faz presente em praticamente todo macrosegmento intelectual, societário, onipresentes e representativos muitas vezes de suas “classes”, mas nem sempre condizentes com aquilo que a maioria concorda e apóia. Aos olhos alheios – e mais atentos por assim dizer – são considerados os culpados pela banalização dos movimentos em que estão calcados, resultando na fácil criação de preconceitos, estereótipos estúpidos, falsas referências, generalização de idéias e superficialidade de causas. Resultam de uma tendência humana à padronização em que vozes poucas são tratadas e ouvidas como coro pela coletividade, padronização essa muitas das vezes apoiada pelos veículos de comunicação em massa.

Com a virada do século e o supetão do “movimento verde” no mundo inteiro, pudemos observar nitidamente os holofotes não só da comunicação social bastante voltados ao tema “meio ambiente” como do nicho empresarial com o advento das certificações e diretrizes ambientais. No mesmo contexto, se solidificava o arrasador e desigual fenômeno da globalização – na segunda metade do século XX – tido como responsável pela concentração de renda e até mesmo de conhecimento no planeta. Números do relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) afirmam que “os países já industrializados, onde se encontram 19% da população mundial, respondem por 86% do produto mundial e do consumo, 82% das exportações de bens e serviços, 71% do comércio mundial, 68% dos investimentos estrangeiros diretos, 74% das linhas telefônicas, 58% de toda energia produzida, 93,3 % dos usuários da internet. Enquanto isso, os 20% das populações mais pobres do planetas têm 1% do produto mundial, 1% das exportações, 1% do investimento direto, 1,5% das linhas telefônicas.” i

Como nada, ou pouco, em nosso modo de vida capitalista surge somente pela defesa do ideal sem vir acompanhado da motivação monetária, com o ambiente não poderia ser diferente: mudanças climáticas, CO² em excesso na atmosfera, reciclagem, reutilização, ecologicamente correto, selos verdes, certificações empresariais, periódicos especializados, livros, cursos, seriados, documentários, bandeiras, camisas… Tudo isso gera dinheiro, mas está ligado sim à defesa de um meio ambiente equilibrado, porém diretamente atrelado ao aspecto mais importante e impulsionador de todos (capital) na visão do meio de vida suicida no qual estamos verdadeiramente nos afundando.

É exatamente nesse meio que surge a figura do Ecochato, também chamado carinhosamente de Ecobobo: o ápice do estereótipo ambientalista. Mas afinal de contas o que fazer daqui para frente que mude o modo padrão que o mundo observa a classe?

ASPECTOS
A caracterização do estereótipo ocorre com a observação de agentes externos do indivíduo incluídos aí os culturais, sexuais, comportamentais, a aparência, entre outros. Ivan Paganotti citando Maisonneuve declara que “os estereótipos são criados para agregar, simplificar e categorizar o mundo. Seu mecanismo é inerente à própria compreensão humana, que procura diferenciar, generalizar e esquematizar para conseguir absorver informações.” (MAISONNEUVE, op. cit: 118). Complementa ainda que “podemos definir como ‘pacote cognitivo’ a somatória de conceitos, visões, impressões, pressupostos e estereótipos que membros de um mesmo público compartilham e são capazes de, em menor ou maior grau, identificar ou reproduzir, o que é essencial para a existência da comunicação.” É justamente essa idéia de pacote cognitivo, dos quais são dotados os membros de certo segmento societário, que definirá a formação da imagem preconcebida, do padrão geral que permeará a mente populacional ao lembrar-se do grupo. Principais características dizem respeito às ideologias ambientais, respeito ao coletivo, a concepção de bem difuso natural, natureza a frente de diversos outros valores, união e respeito aos movimentos sociais, modo “natureba” e despreocupado de se vestir, alimentação vegetariana ou rica em fibras e grãos integrais – esse aspecto nem tão geral, mas bastante presente com a disseminação da alimentação Vegan – discursos inflamados na defesa de seus pontos de vista (tidos como radicais para a maioria), se dedicam à criação de alternativas cotidianas referentes ao desperdício e ao consumo exagerado de bens renováveis e não-renováveis, preocupação com o respeito aos direitos humanos e assim por diante.

Na leitura dessas características vários se identificaram, mas o que dizer ao nos depararmos com preconcepções generalizantes e pensadas com o objetivo de depreciar e chacotear? Em primeira observação, se pode depreender que deriva exatamente nessa vontade de rir do outro e diminuí-lo a figura constante do Ecobobo: um personagem de aparência “bicho grilo”. Concebido como aquele cidadão fanático, levado pura e simplesmente pelo momento da “onda verde”, superficial em suas colocações repetitivas em uma suposta “defesa do planeta”, onde passa deixa sua mensagem catequizadora de uma humanidade mais limpa e menos depreciadora da vida gerando por conta dessas ações apáticas, de pouco impacto positivo nas pessoas que o cercam, uma constante antipatia resultando no efeito contrário: ao invés de angariar membros à causa, os expulsa para ainda mais longe do discurso ecológico, fazendo com que o seu meio seja cada vez menos ambientalmente responsável e cada vez mais contrário a idéias sustentáveis e alternativas de modelos de vida e consumo. É o contrasenso do uso correto do termo “ambientalista”, uma contramão na metodologia de aproximação das pessoas com o ideal sustentável e alternativo que permeia a ação conjunta da sociedade e seus vários setores, cada um com sua devida responsabilidade. Observando mais atentamente, já nos deparamos com diversos tipos que se encaixam nesses comportamentos, dotando essa concepção infame de certa veracidade.

Outra caracterização para o estereótipo parte da observação de muita militância e pouca prática. O indivíduo milita, discursa, usa de todo seu potencial bélico ideológico para defender o que acredita, esquecendo de calar-se e pôr mãos a obra. Aprendeu bastante e consegue dialogar fluentemente sobre o assunto, por vezes possuindo títulos na área, porém sem nenhuma ação sólida que possa fazer alguma diferença. Não precisamos gastar mais papel e tinta para fazer acontecer e guinar o pensamento ambientalista à frente, mas carecemos com toda a certeza de boa vontade, muita luta e pedagogias eficientes na transmissão do conteúdo. O Ecobobo está diretamente ligado a essa idéia limitante, em vez de militante.

MOVIMENTO ECOBOBO
De acordo com nossa observação, se encontra no topo da frustração o movimento de caráter mundial que ocorre desde 2007 sem resultado algum intitulado Earth Hour ou A Hora do Planeta. Consiste em um apagão voluntário coletivo que iniciou em Sidney na Austrália pulando para a participação, logo no ano seguinte, de mais de 400 cidades em 35 países abarcando 50 milhões de pessoas (comparado aos números da primeira ocorrência do “movimento” se considera um enorme passo, ao lembrarmos os 2,2 milhões de cidadãos australianos residentes em Sidney).ii A organização não governamental encarregada do Earth Hour é a WWF (World Wildlife Fund) com escritório no Brasil, o que facilitou a aderência de 17 capitais nacionais no movimento deste ano de 2011 totalizando 96 cidades do território brasileiro a apagarem suas luzes excedentes durante uma hora (incluindo aí domicílios e até mesmo cartões-postais como o Cristo Redentor no Rio de Janeiro e o Teatro Amazonas em Manaus).

Tudo muito bonito realmente, demonstra a união das pessoas em torno de um chamado feito, precipuamente, para atentar a população mundial às causas do meio ambiente e ao desperdício de energia elétrica ocorrente no globo cada vez mais sem precedentes. Porém, essa “Hora Mágica” pouco ou nada tem resultado efetivamente na educação ambiental da população que apaga suas luzes, adere com força ao movimento e, passados os 60 minutos, volta a ligar suas dezenas de lâmpadas incandescentes em cada domicílio, utiliza aquecedor e aparelhos de ar-condicionado em exagero, esquece televisão de cristal liquido e leds (superiores em consumo de energia) ligados por várias horas, deixa o computador ligado a noite inteira sem ninguém utilizá-lo, toma banho demorado com chuveiro elétrico despreocupadamente, aciona todos os elevadores que puder ao mesmo tempo, esquece que o fogão também é forno e, por 10 minutos a mais, aquece sua comida sem utilizar altíssima carga elétrica como o forno microondas… Retorna ao seu modo de vida focado no egoísmo e no poder monetário que possibilita o consumo desenfreado e irresponsável. Cadê a educação resultante da campanha tão maciça e bonita? Ao religarmos a iluminação dos cartões-postais e das residências é como se disséssemos “ok, me dediquei à ‘hora do planeta’, fiz minha parte, agora só encham o saco com preocupação ambiental ano que vem” e assim a vida segue até o próximo exercício, com mais participação a nível global, mais cidades unidas desligando prédios históricos que, ao longo de 364 dias e 23 horas podem gastar a energia que for e desperdiçar a iluminação que o Poder Público bem entender, mas, naquela hora (a do planeta, pasmem) passado um ano inteiro de desperdício, desligarão suas luzes. Nossa! Realmente o meio ambiente deve ser muito importante.

Em nossa opinião, o movimento A Hora do Planeta pouco tem de efetivo, mas como em tudo existe um aspecto positivo por menor que seja, temos de encará-lo como uma maneira popularesca de chamar a atenção das pessoas. Por incrível que pareça a campanha possui um largo espaço na mídia, consegue ser tema de diversos artigos jornalísticos nos mais diversos âmbitos de noticiários (local, regional, nacional e internacional) levando, porém, uma mensagem muito aberta e subjetiva, de resultado fragilizado pela interpretação pessoal do cidadão. Não há impacto algum no coletivo comum, que deveria ser o principal alvo. O aproveitamento desse evento se dá pela educação já firmada no popular (privilégio de poucos em países como o Brasil) e conta com a sorte da sensibilização de quem recebe a mensagem, ou seja, A Hora do Planeta somente se torna A Atitude do Planeta se o cidadão já tiver inclinação às causas ambientais e aptidão para perceber a real importância do tema para a conservação imediata da vida humana. Caso contrário, ocorrerá como a maioria atualmente, que participa do movimento, levanta sua bandeira, apaga suas luzes, convida amigos a participarem juntamente, porém não acrescenta absolutamente nada ao seu cotidiano dessa experiência nem a absorve plenamente se tornando o maior exemplo de ineficácia e bobagem no meio ambiental.

Os defensores do Earth Hour concordam que não há objetivo prático nesse tipo de movimentoiii em que o sujeito não colabora na prática com ações alternativas, bom senso consumista e ações cotidianas eficientes, mas um “simbolismo” do correto procedimento ambiental é que seria evidenciado no evento. Não há mais tempo para utilizarmos símbolos em um mundo que avança com relação ao detrimento natural a passos de gigante, como se cada dia fosse o último de nossas vidas e do mundo devêssemos explorar o que pudermos sem medidas, limites ou censura. Falar de simbolismo a essa altura do campeonato é, a nosso ver, infantil demais. Como se brincar de apagar as luzes e proteger a vida fosse divertido.

Sendo assim, é fácil demais ligar a figura do Ecobobo ao movimento Hora do Planeta. Tem-se muito falatório, mas o resultado do discurso fica pendente por conta de ações mal planejadas; no caso do estereótipo pela falta de limites e senso de discussão e no evento tomado como exemplo diagnosticamos uma tremenda falta de sensibilidade no tocante aos objetivos a serem alcançados e a efetivação desses em resultados concretos e educadores. Em ambos não podemos deixar de observar a preocupação com a vida e o meio ambiente, existindo, entretanto um sério problema na maneira como se trata a causa. Uma pequena caminhada pelas praias do Brasil a fim de constatar os desrespeitos gritantes que a natureza é submetida diariamente é mais revoltante e instigante que 60 minutos de luzes apagadas ao ano.

Já que “o cérebro (humano) passou de 500 cm³ nos antropóides para 600 a 800 cm³ nos hominídeos e em seguida para 1.100 cm³ com o homo erectus, antes de atingir 1.500 cm³ no homem de Neanderthal (homo sapiens neanderthalensis) e no homo sapiens sapiens” (parênteses nosso) iv; nada melhor e mais lógico que utilizar o nosso raciocínio em busca de soluções eficientes ao invés de aplicar tempo e dinheiro em “ações” baseadas em simbolismos que, no fim das contas, não resultam em conscientização alguma.

CONCLUSÕES
O estereótipo é caricatura sem futuro algum que limita e perdura no imaginário popular enquanto existir o pacote cognitivo que o forme. Resta aos outros elementos do grupo estereotipado o silêncio frente às críticas e descrédito da sociedade ou a ação propriamente dita com foco a exterminar e mudar o panorama de sua classe através de trabalhos e aproximações com a comunidade em geral (não somente acadêmica). O Ecobobo deve sair de sua inutilidade e fazer frente às ações em ONGs e doar-se um pouco ao que for proposto como mão de obra eficiente e dedicada à sua ideologia. No meio acadêmico deve participar ativamente não somente em piquetes estudantis, mas contribuindo intelectualmente na produção do conhecimento relacionado ao ambiente que precisa constantemente de renovação e apoio científico.

Podemos concluir que existe a figura do Ecobobo e ela se faz mais presente do que imaginamos, porém o que não deve ocorrer é a generalização do tipo relacionando toda uma parcela acadêmica, profissional e humana a este conceito. Essa pode ser somente uma fase da qual muitos indivíduos tendem a passar naturalmente sem perceber-se, sendo totalmente curada com a prática do pensamento ambiental, na realização de estudos mais aprofundados, exercitando o autocontrole, convivência com pessoas que compartilham do mesmo ponto de vista, dentre outras realizações que acalmam o nervo militante exacerbado.
Quanto a Hora do Planeta, acreditamos que o mundo deveria repensar essa forma de “chamado”, não somente alargando seu alcance com mais pessoas e cidades participando, mas tratando principalmente de melhorar sua linguagem, de informar e não somente alarmar, de ultrapassar os 60 minutos que o movimento existe de verdade para multiplicar esse tempo e tornar todo o dinheiro gasto e o esforço depreendido na publicidade da campanha em ação efetiva educando o cidadão mundial no correto consumo da energia elétrica, repensando suas matrizes energéticas, travando debates em todos os nichos da sociedade com a participação maciça do povo. Acreditamos ser esse o papel fundamental de uma campanha ambiental feita por uma organização não governamental tão influente, polêmica e até importante como a WWF. Simbolismos jamais foram eficientes.

O contato com o ambiente natural deve ser priorizado a fim de incitar no indivíduo comum o amor pela preservação da vida há tanto tempo adormecido, devendo ser acompanhado não somente do contato aleatório por maior que seja seu cunho pedagógico, mas com metodologia eficiente de educação que garanta a todos o acesso a informações ambientais e fomente o interesse no cidadão comum à luta pela conservação do meio em que vive. Técnicas e metodologias educacionais diversas estão disponíveis para aproximar a idéia ao cidadão ordinário, elemento fundamental e tão importante na correta defesa do planeta. De nada adianta nos preocuparmos exacerbadamente com aparências, campanhas e publicidade se nada disso atinge e estimula o alvo maior (população) a depreender algum tipo de esforço nas causas relacionadas ao ambientalismo.

Longe de nossa alçada “apontar o dedo” na iniciativa verde do mundo, chamar a todos de hipócritas e iniciar a revolução de um só. A união é fator primordial em qualquer luta. Não se condena os que agem e chamam a atenção de qualquer modo a uma causa tão nobre e importante quanto essa, mas já passou da hora de agirmos levianamente e críticas construtivas, positivas e refletivas podem ser levadas em consideração objetivando sempre melhorias para que o fim maior do movimento ambientalista no mundo – do qual todos, sem distinção alguma, fazemos parte – seja alcançado: a possibilidade de haver continuidade de vida na mãe terra.

Por Fábio R. Jorge (Belém/PA)

EcoDebate, 12/07/2011

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3 thoughts on “Quem tem medo do ‘ecobobo’? artigo de Fábio R. Jorge

  • Silvio de Castro Fonseca

    Parabenizo o Sr. Fabio R. Jorge por sua postura quanto aos “ecobobos” pois como profissional da area florestal/ambiental e alguma experiencia de vida, tenho a certeza de que o radicalismo e o discurso vazio tem sido um dos grandes entraves para a cada vez mais urgente e tão necessaria mudança de atitude quanto ao uso mais responsavel dos bens ambientais pela população, porém esta critica também deve ser extendida aos nossos dirigentes, por ainda não terem despertado para a necessidade de, via educação ambiental, iniciarmos desde a mais tenra idade escolar o ensino sobre o meio ambiente, nosso maior patrimonio.

  • Ecochato?… Ecobobo

  • Talita Correia

    Excelente artigo. Parabéns Fábio R. Jorge, precisamos realmente nos fazer ouvir e repensar a forma como estamos passando essa mensagem.

Fechado para comentários.