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Artigo

O desrespeito visual à saúde do cidadão paraense, artigo de Fábio R. Jorge e Dalton Lima Neto

[EcoDebate] INTRODUÇÃO

Ao longo das últimas décadas do século passado, nosso mundo foi marcado por um intenso fenômeno intitulado “globalização”, acelerando a reconfiguração espacial das atividades econômicas, transformando e dinamizando certas regiões do planeta. Uma sensação totalmente nova e sem precedentes para o ser humano traçada por um desenvolvimento calcado na idéia de transpor as fronteiras geográficas e ideológicas antes sempre limitantes, ganhou uma “mão amiga” com a popularização da rede mundial de computadores (internet) no fim dos anos 1990. Juntamente a toda essa novidade, a propaganda e seus meios de vinculação se popularizaram com a crescente e enorme necessidade (vide “demanda”) do empresariado em levar seu produto a conhecimento do grande público, esquecendo um pouco – por conta da única e estreita visão do lucro – do respeito ao cidadão e seu espaço público. Com isso, a população mundial cresceu rapidamente nas últimas décadas, tendo ocorrido uma grande concentração de pessoas nas áreas urbanas.

O aumento da população e a conseqüente ampliação das cidades deveriam ser sempre acompanhados do crescimento de toda infra-estrutura urbana e serviços públicos que condicionassem aos habitantes a devida qualidade de vida.

Infelizmente o que ocorre é um processo de ocupação desordenada e irregular, resultando no desvirtuamento da paisagem, constituindo a poluição visual.

 

O AMBIENTE URBANO E A MODIFICAÇÃO DA PAISAGEM NATURAL

O crescimento das cidades constitui uma questão particularmente interessante para as economias regional e urbana, sobretudo porque a formação de consideráveis centros urbanos significa também a concentração de grandes problemas, como desemprego, marginalização e poluição.

A Lei 6.938 de 31 de Agosto de 1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, em seu Art. 3º, inciso III, afirma que poluição é a “degradação da qualidade ambiental, resultante de atividades que direta ou indiretamente:

  1. Prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

[…]

d) Afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;”

 

Os sistemas ambientais são facilmente associados às suas partes naturais, como os meios biológico e físico, porém, o meio antrópico também deve ser levado em consideração, tendo em vista que o ambiente urbano é basicamente fruto da modificação da paisagem natural pelo homem.

 

Segundo Mota (2003): “A paisagem urbana alterou-se: se, por um lado, teve ganhos (edifícios bonitos, monumentais torres e antenas, alguns espaços públicos bem projetados), por outro lado também teve perdas: edifícios de valor histórico e/ou estético foram demolidos, escondidos atrás de painéis publicitários; o excesso de publicidade para o consumo, ostentando ocasionalmente out-doors belíssimos, acabou gerando confusão na paisagem.”

 

Nas cidades, principalmente as de maior porte, as ações do homem ocorrem de forma intensa e rápida, provocando modificações, muitas vezes, irreversíveis, com prejuízos para o ambiente e para si próprio (MOTA, 2003).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde não apenas como a ausência de doença, mas como a situação de perfeito bem-estar físico, mental e social. Dessa forma, levando em consideração os conceitos de poluição e de saúde supracitados, pode-se afirmar que as alterações estéticas do meio ambiente influem sobre o bem-estar das pessoas, pela forma agressiva como ocorrem, podendo, portanto, serem entendidas como uma modalidade de poluição.

 

POLUIÇÃO VISUAL

Na esteira da ciência do meio ambiente encontramos as poluições em suas diversas formas presentes em praticamente todo e qualquer local que o homem habite. Nas cidades a situação se agrava ainda mais por serem os principais aglomerados humanos concentrando diversas mazelas e descuidos provenientes da vida desequilibrada que levamos. Propaganda é saudável se feita de acordo com o limite imposto não somente pela letra da lei, mas obedecendo a regras estéticas e tendo em mente a qualidade do meio urbano que pertence não somente ao dono da empresa de outdoors ou ao anunciante, mas a todo e qualquer cidadão transeunte do espaço público.

A poluição visual, conceituada por Luiz Paulo Sirvinskas como “a degradação ambiental resultante das publicidades ou propagandas comerciais e sociais que direta ou indiretamente coloquem em risco a segurança, o bem-estar da comunidade ou afetem as condições estéticas do meio ambiente urbano ou rural” é notória. Causada pela propaganda irregular desrespeitosa não traz somente prejuízos estéticos à cidade como bem indica o doutrinador, também diminui consideravelmente a qualidade da vida como um todo quando o indivíduo deixa de enxergar fachadas de prédios (históricos ou não), construções urbanas que identificam e dão personalidade ao aglomerado para ser bombardeado de informações nem sempre úteis e carregadas de apelo visual em constante desarmonia. A saúde mental do morador também entra em xeque de acordo com os psicólogos, ocorrendo um nítido e sério desvio da função social da propaganda publicitária.

 

COMPETÊNCIA LEGISLATIVA

Tendo em vista o Estado Federativo sofrer a devida repartição com relação às suas competências legislativas, a Constituição Federal garante ao município o caráter suplementar em relação às outras esferas. O artigo 30, inciso I da Carta Magna Nacional deixa claro ao prever que “Art. 30. Compete aos municípios: I – legislar sobre assuntos de interesse local; II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.” Existem ainda os tipos de competência concorrente, exclusiva e privativa ligadas ao restante das camadas federativas.

A expressão contida na legislação, a saber, “interesse local”, ainda gera bastante discussão e polêmica no meio jurídico. Como grande parte da legislação relacionada ao meio ambiente está impregnada por ambigüidades e diferentes/conflitantes interpretações, na Constituição Federal não foi diferente. Questiona-se exatamente o que é definido por interesse local, se ele se sobrepõe a um interesse regional que possa existir eventualmente, se cabe a idéia de restrição do dano ambiental em um âmbito geográfico… Diversos são os questionamentos que não trazem tanta importância ao termos em mente a idéia do in dubio pro nature, quer seja, em caso de dúvida e conflito de competências se aplicará o que for (a legislação) mais benéfico ao meio ambiente – lembrando aí a idéia de in dúbio pro réu do Direito Penal brasileiro. Entendemos por interesse local não o dano ou problema ambiental restrito a um âmbito somente, exclusivo daquela coletividade específica, mas aquele que compete e tem relação direta e estreita à Administração Pública local. Quer seja, cabe claramente àquela municipalidade resolvê-lo por ser não somente sua competência devidamente prevista em algum texto legal no ordenamento, mas também por ser a divisão federativa mais próxima do problema, o que traz à solução menos custos, maior eficácia e muito mais inteligência.

 

O MUNICÍPIO DE BELÉM

  1. Legislação e ações

Em 28 de dezembro de 2001, foi promulgada a lei municipal 8.106/2001 (alterada pela lei ordinária 8.495 de 04 de janeiro de 2006, também municipal) com seus 13 anexos que juntamente ao Código de Postura do Município paraense (Lei 7.055 de 30 de dezembro de 1977) formam a legislação aplicável à regulação da propaganda ao ar livre em toda a extensão da capital que conta com 1.247.689,515 Km².

Durante os anos de 2005 e 2010 foram feitas diversas ações do município fiscalizando e coibindo a prática da publicidade irregular. “Belém Mais Linda”i em fevereiro de 2008 – realizada em cooperação entre a Secretaria de Economia (SECON), Secretaria de Urbanismo (SEURB) e Secretaria de Meio Ambiente do Município (SEMMA) – e “Operação Varredura”ii em novembro de 2009 feita pela SECON são exemplos de movimentações da Administração a fim de combater a publicidade irregular na cidade. Nesta última, cerca de 1000 peças publicitárias foram retiradas das ruasiii.

  1. Disposições gerais da publicidade

A regulação da publicidade em Belém possui diversas condicionantes, incluindo proibição total de colocação de faixas em árvores e vias públicas em geral (muito menos as de caráter promocional privado), outdoors devem ser instalados em grupos de cinco e em área privada com espaçamento de 1 metro entre eles, 2,50 metros do chão e 120 metros entre os agrupamentos, front-lights com altura mínima de oito e máxima de 20 metros do solo com peça de 40 metros quadrados no máximo e distantes no mínimo 50 metros de qualquer outro equipamento semelhante, empenas (aquelas peças enormes geralmente instaladas em paredes de edifícios com altíssimo impacto visual) somente podem ser fixadas em paredes lisas sem janelas e áreas de ventilação em um raio de 500 metros entre os equipamentos. Letreiros horizontais devem possuir altura mínima de 2,20 metros da face inferior com 0,50 metros de tamanho no sentido da altura, letreiros perpendiculares a fachada devem ser instalados no térreo, distantes da fachada, com altura livre de 2,80 metros com espessura máxima de 0,2 metros e dimensão não maior que 0,4 metros quadrados com afastamento mínimo de 0,5 metros do meio fio.

  1. Licenciamento

Para tornar a peça publicitária legal e amparada pela legislação, a empresa deve passar pelo processo de licenciamento frente o órgão municipal responsável. No caso a Secretaria de Economia (SECON) é a única no âmbito responsável pela emissão do documento.

 

O CASO SÉRIO DO CENTRO HISTÓRICO

Anos e mais anos foram passando desde a promulgação do Código de Postura do Município sem que praticamente nada fosse feito nem de caráter provisório, muito menos definitivo pelo Poder Público a fim de regularizar a questão publicitária na cidade de Belém. A falta de pulso dos prefeitos incumbidos nos mandatos em efetivar o controle da propaganda no espaçamento público com a fiscalização e a devida repressão dos transgressores fez nascer uma mentalidade de impunidade e total descrença dos tutelados no executivo municipal. O resultado foi crítico quando as autoridades e a população se atentaram para a situação do Centro Histórico da cidade – que engloba os bairros Cidade Velha, Campina e uma parte do Reduto – em que os donos de empresas de outdoors fizeram a farra. Diversos são os prédios, grande parte deles históricos, encobertos quase totalmente por placas imensas e notadamente irregulares.

Caminhando ao longo das ruas estreitas calçadas por paralelepípedos a primeira impressão que se tem é de caos. Hoje uma simples caminhada se tornou um verdadeiro exercício de paciência e cuidado em que pedestres, motoristas de ônibus, automóveis particulares e taxistas se digladiam por entre barracas de venda de alimentos a céu aberto, produtos importados e bugigangas em geral e concorrem ainda ao lado de ciclistas e motociclistas por um pequeno espaço transeunte já quase tomado inteiramente pela falta de organização e cuidado; o mesmo acontece com a propaganda que piora o panorama do desrespeito e descaso com a saúde do próprio povo e seu ordenamento urbano, sua casa.

A Avenida João Alfredo (vide fotos), importante corredor histórico da cidade se encontra totalmente tomada não somente pelos insistentes, abandonados e poluentes camelôs como boa parte das fachadas de seus prédios está em situação irregular de publicidade. Para que seja fornecido o devido licenciamento para instalações publicitárias no Centro Histórico, deve ser emitido o prévio parecer da Fundação Cultural do Município de Belém (Fumbel), órgão responsável pelo fomento e disseminação da arte, da cultura, do esporte e do patrimônio histórico dentro da capital paraense.

Em entrevista recente ao Jornal O Liberal de 03 de março de 2011, o Secretário de Economia João Amaral afirma que “tem um projeto para que dentro dos próximos 90 dias a João Alfredo seja desocupada pelos ambulantes. Feito isso, nós passaremos para outra etapa, a de recuperação das calcadas, para, em seguida, passarmos à adequação e revitalização das fachadas dos prédios”. O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) em 2006 constatou em pesquisa que 65% dos imóveis públicos e privados da capital paraense contam com um ou mais propagandas afixadas em sua fachada. Outro dado preocupante exposto na pesquisa da época relata que, a cada 20 metros percorridos em Belém, quatro placas publicitárias são contadas! Note-se que não se diferenciou propaganda regular de irregular, generalizando o número enorme de peças publicitárias ao ar livre na cidade.

 

CONCLUSÕES

Por conta do verdadeiro e legítimo descaso das autoridades municipais competentes para fiscalizar e legislar sobre poluição visual no âmbito local (cidade de Belém), não somente o Centro Histórico da cidade se encontra em situação grave de poluição causada pelas peças publicitárias expostas irregularmente, mas o panorama é ainda mais crítico quando transitamos no entorno e em bairros periféricos.

As ações que a Prefeitura exerce somente fiscalizam as áreas nobres, históricas e centrais de Belém em que se encontra a maior concentração de renda da capital por serem ali fixadas as residências e escritórios de pessoas bem mais influentes que os residentes no subúrbio da cidade. Uma prefeitura inerte e distante dos problemas do cidadão comum resulta fortemente no abandono de políticas públicas relacionadas a todo e qualquer setor da sociedade, nada diferente em relação ao combate à poluição visual nas cidades.

Ações fiscalizantes e operações de repressão devem ocorrer não somente em épocas eleitoreiras nem esporadicamente com data marcada e em locais poucos e específicos, mas devem abranger uma grande área e ocorrer regularmente. Fica nítida certa falta de planejamento, má vontade do agente municipal em fiscalizar de maneira efetiva um desrespeito tão enraizado, latente e aos olhos de todos. Por conta disso se fez nascer no espaçamento urbano da cidade de Belém diversas formas de desrespeito ao Código de Postura somados à problemática da poluição visual.

A prefeitura da cidade deve correr atrás do prejuízo fazendo respeitar suas leis de maneira inteligente, rápida e eficaz. Deve dar oportunidade à adequação do transgressor e regular toda e qualquer forma de manifestação publicitária no espaço público, garantindo dessa maneira a saúde do aglomerado urbano e consequentemente a saúde do cidadão transeunte que tanto batalha, paga seus impostos, contribui para a manutenção da máquina administrativa e não pede em retorno nada além do que lhe é garantido: uma cidade respeitada visualmente.

 

 

BIBLIOGRAFA CONSULTADA

Constituição da República Federativa do Brasil. 37 ed. – São Paulo: Saraiva, 2005.

MOTA, Suetônio. Urbanização e meio ambiente. 3 ed. – Rio de Janeiro: ABES, 2003. 356p.

RECH, Aldir Ubaldo. Direito urbanístico: fundamentos para construção de um plano diretor sustentável na área urbana rural. Caxias do Sul, RS: Educs, 2010.

SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 8 ed. – São Paulo: Saraiva, 2010.

i

 http://goo.gl/8z8sZ Acesso em 06/06/2011

 

ii

http://goo.gl/rUwzk Acesso em 06/06/2011

 

 

 

 

 

 

 

 

iii

EcoDebate, 10/06/2011

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