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A verdadeira integração binacional já existe, artigo de Lígia Apel e Malu Ochoa

Enquanto se discutem em outras instâncias estratégias e planos de desenvolvimento econômico para a fronteira com a integração binacional Brasil-Peru, os povos indígenas realizam esta integração como parte indissociável de suas vidas.

Nos dias 28 e 29 de maio, uma movimentação diferente agitou as águas dos rios Dourado, Vacapisteia, Eden, Dulce Glória, Beu, Breu e Amônea, e todos os afluentes do rio Juruá/Yuruá na região de fronteira do Acre com o Peru, no Alto Juruá. O Distrito de Yuruá, província de Atalaya, região de Ucayali, recebeu 60 lideranças indígenas peruanas de 21 comunidades dos povos Ashéninka, Yaminawa, Amahuaca e Chitonawa, e do povo Ashaninka do Acre, no “II Encuentro Binacional entre Organizaciones Fronteirizas del Peru y Brasil”.

Com o tema “Integrando El Desarrollo Comunitario com Valoracion Cultural y Gestion Ambiental”, o encontro foi promovido pelas organizações indígenas ACONADIYSH – Asociacion de Comunidades Nativas para el Desarollo Integral Yono Sharakoiay – Yurua, e APIWTXA – Associação do Povo Ashaninka do Rio Amônia, para unir os povos indígenas de toda a região num objetivo comum: construir juntos um plano de ação para um projeto de vida baseado no fortalecimento cultural associado ao uso, manejo e conservação dos recursos naturais.

Também, participaram, o presidente da Associação dos Povos Indígenas Kaxinawá do Rio Humaitá, Nilson Sabóia, e representantes da Comissão Pró-Índio do Acre. Todos trouxeram suas experiências e ações para serem compartilhadas. E, com a experiência da comunidade Apiwtxa, que hoje está fortalecida na sua organização e na cultura do povo Ashaninka do Brasil, compartilhada no Yuruá, a idéia é desencadear um processo de construção de uma política socioambiental para a fronteira Brasil/Peru, a partir da visão e demandas dos povos indígenas.

A região do Yuruá é formada por uma população de, praticamente, 100% indígenas e, desde que a empresa madeireira Forestal Venao ali se instalou, vem acontecendo inúmeros impactos socioambientais negativos a essa população. Seis comunidades indígenas estão associadas à empresa, sendo que cinco são do Distrito do Yuruá. Algumas lideranças, sem entender direito o processo e as intencionalidades, assinaram documentos comprometendo seu próprio território. Em menos de uma década pode-se afirmar que, para muitas comunidades, não foi uma boa experiência.

Ao se perceberem ludibriadas, as lideranças querem se recuperar e se fortalecer com a união dos povos. No encontro, elas foram unânimes ao falar que não querem mais a empresa madeireira dentro de suas comunidades. Diante disso, a ACONADYSH buscou a parceria da Apiwtxa, pois ambas têm mantido o posicionamento de que não apóiam empresas madeireiras ou qualquer outra atividade que traga prejuízos aos povos e seus recursos. Só trabalham com comunidades que querem o desenvolvimento socioambiental dos povos indígenas da região do Juruá/Yuruá.

Para o presidente da ACONADIYSH, Gerson Mañaningo Odicio, o II Encontro dos Povos Indígenas da região do Yuruá está trazendo, justamente, essa possibilidade de fortalecer a resistência ao predomínio da integração puramente econômica. “Estamos tomando boas decisões em defesa das causas indígenas porque elas estão sendo planejadas por indígenas para os indígenas. É aí que está a grande diferença”, afirma Mañaningo com orgulho por pertencer ao seu povo Ashéninka. “Ser indígena é a maior riqueza da Amazônia”, conclui.

Aproveitando a força com que Gerson falou sobre a riqueza cultural indígena, o vice-presidente da APIWTXA, Benki Pianco, disse que os povos indígenas não precisam de grandes indústrias. “Vamos trabalhar para atender as nossas vidas, as nossas crianças, as nossas comunidades”, anima Pianco reforçando que qualquer ação deve ser planejada e desenvolvida “com inteligência, para não cair nas mentiras e armadilhas de quem só quer tirar as riquezas das nossas terras”. Para o Ashaninka acreano, o segredo é o conhecimento: “para que a atividade desenvolvida na comunidade tenha bons resultados, é preciso conhecer e saber realizar a técnica, por isso precisamos nos capacitar”, afirma.

O Convênio de Cooperação Interinstitucional Binacional

Este II Encontro Binacional entre Organizações Fronteiriças do Peru e Brasil é a continuação das discussões realizadas no I Encontro Binacional, que aconteceu no Centro Yorenka Atame, na aldeia Apiwtxa, Marechal Thaumaturgo, em dezembro de 2010. Na ocasião, foram traçadas iniciativas de desenvolvimento comunitário aliadas à valorização cultural e gestão ambiental: capacitações; intercâmbios; acordos; projetos produtivos de extrativismo sustentável, criação de pequenos animais, turismo ecológico, produção de artesanatos, reflorestamento e várias outras possibilidades. Também, foi definida a reivindicação às autoridades locais e governos, a sua participação direta nas propostas de integração binacional de desenvolvimento econômico.

Estas iniciativas foram acordadas naquela ocasião e, agora, neste segundo momento, foram firmadas através do Convênio de Cooperação Interinstitucional entre a ACONADIYSH, do Peru, e a Associação Apiwtxa, do Brasil. O Convênio tem por objetivo estabelecer um marco de colaboração estreita para a realização de atividades conjuntas que contribuam para uma permanente atenção aos problemas concretos dos indígenas na bacia do Yuruá, sempre seguindo os objetivos e missões de ambas as instituições.

Um destaque especial no convênio é a posição firme das duas instituições em não apoiar ações madeireiras, petrolíferas ou mineradoras. Isso por considerarem estas atividades, ameaças à integridade de seus territórios, colocando em risco a manutenção de sua cultura e modos de vida.

ACONADIYSH e APIWTXA, com este convênio, elaborarão um plano de trabalho conjunto de acordo com os objetivos propostos e desenvolverão projetos e ações nas temáticas que melhor convier para cada comunidade: aqüicultura de peixes e recursos aquáticos; manejo de frutas nativas, sistemas agroflorestais, plantas medicinais; uso, manejo e conservação de florestas, educação ambiental, ordenamento territorial, redução de emissões por desflorestamento e degradação ambiental; sistemas de informação georreferenciada e atenção especial na proteção aos povos indígenas em isolamento voluntário.

A prefeitura do Distrito de Yuruá tem um papel fundamental na proposta. Desde o ano passado vem acompanhando a interlocução entre a ACONDIYSH e a Apiwtxa, ouvindo e entendendo as demandas dos povos indígenas para poder apoiá-los. Prova desse apoio é a participação de várias lideranças indígenas no planejamento participativo da prefeitura, que aconteceu no dia 2 de junho. Além de ceder o espaço da prefeitura para a reunião, o vice-prefeito Jesus Quinto da Silva se fez presente nas discussões.

Esta participação do poder público é, sem dúvida, um destaque merecido, pois diferencia-se dos diversos encontros entre comitivas governamentais, de parlamentares e empresários do Acre e Ucayali, realizados nos últimos meses. Nestes encontros, a integração binacional é discutida apenas a partir da construção da ferrovia e não das demandas das populações locais e/ou dos impactos que as obras vão ocasionar em suas vidas. Debates que têm a intenção de “garantir melhorias para as famílias que moram na região de fronteira”, precisam, ao menos, ouvir estes moradores.

Uma integração binacional deve ser discutida em diversas escalas, com diferentes óticas, considerando a diversidade de interesses dos vários setores da sociedade. Portanto, é urgente que se amplie o debate e se garanta a participação da sociedade nas tomadas de decisões. E a participação das populações indígenas e tradicionais é indispensável. Afinal, Brasil e Peru são signatários da Convenção 169 que trata dos Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, da OIT – Organização Internacional do Trabalho. Entre outros direitos estão garantidos:

  • A necessidade de adoção do conceito de povos indígenas ao âmbito do direito interno;
  • Consulta sobre medidas legislativas e administrativas que possam afetar os direitos dos povos indígenas;
  • Participação, pelo menos na mesma medida assegurada aos demais cidadãos, nas instituições eletivas e órgãos administrativos responsáveis por políticas e programas que lhes afetem;
  • De decidirem suas próprias prioridades de desenvolvimento, bem como o direito de participarem da formulação, implementação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional que lhes afetem diretamente;
  • A terem facilitadas a comunicação e cooperação entre os povos indígenas através das fronteiras, inclusive por meio de acordo internacionais.

O Acre, além de se reger por estas “leis e princípios gerais”, orienta-se pelo Zoneamento Ecológico–Econômico – ZEE, documento legal e legítimo elaborado pelo Estado com ampla participação da sociedade. Nele, está dito que, em se tratando de grandes projetos de infraestrutura viária binacional, devem ser tratados, antes de qualquer outra discussão, os investimentos relacionados à consolidação dos territórios dos índios isolados e das comunidades nativas, bem como o estabelecimento das Unidades de Conservação ao longo da fronteira. Também vem à frente, a garantia da legitimação e participação da sociedade civil nos acordos relacionados à integração regional e desenvolvimento fronteiriço.

Assim, quando vemos uma ação concreta com participação do poder público, sociedade civil e populações unidas para um planejamento conjunto em busca de um desenvolvimento regional compatível com a realidade das pessoas moradoras da fronteira, como esse convênio assinado pela ACONADIYSH e APIWTXA, temos a certeza de que a verdadeira integração binacional já está acontecendo.

Por Lígia Apel e Malu Ochoa, da Comissão Pró-Índio do Acre

EcoDebate, 06/06/2011

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