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Artigo

Personalidade própria, artigo de Montserrat Martins

[EcoDebate] “Imparcialidade” é um termo em descrédito, num mundo que nos obriga a tomar decisões a cada momento. Mas ainda precisamos de opiniões equilibradas, capazes de uma “multiparcialidade”, quer dizer, de perceber as questões pelos diversos ângulos, de cada pessoa ou grupo envolvido em uma situação específica.

É o contrário de ser “maniqueísta”, de generalizar e rotular a quem pensa diferente, dividindo o mundo entre os “bons” e os “maus” de acordo com nosso gosto pessoal. Não diga que você nunca fez isso, que eu também não minto pra você. Confesso que sempre admirei meu pai por ser cruzeirista ao invés da dupla Gre-Nal, se manter longe de fanatismos, por isso quando o Cruzeiro-RS voltou ao Gauchão decidi torcer também por ele. Levei meu filho adolescente a um jogo e quando vi estava xingando juiz e bandeirinha que não marcavam as faltas que faziam no meu time. Meu filho me olhou e disse “que feio, hein pai ?”.

Política é ainda pior que futebol em matéria de maniqueísmo, porque não pode ser encarada como brincadeira ou lazer, sempre é disputa de interesses. Qualquer coisa que você disser, pra começar, tende a ser tachada de “esquerdista” ou “direitista” de acordo com a ideologia de quem estiver querendo lhe ofender. “Consensos” não existem em política. Bom senso talvez possa existir, quando pessoas muito diferentes concordam no mínimo com algumas coisas “básicas”. Inteligência existe, é claro, há pessoas com grande capacidade lógica e persuasiva, seja de que lado estiverem. E há alguns fatos que podem ser reconhecidos por um grande grupo de pessoas, quer gostemos ou não dele

Um fato político atual, acredito, é que temos uma Presidenta com personalidade própria – ao contrário do que dizem muitos “analistas políticos”. Minha credencial é ser psiquiatra de formação – e não estou avaliando as opiniões da Presidenta, o que estou afirmando é que ela não é uma simples “sombra” do ex-presidente como se diz por aí. Se a minha avaliação estiver correta, isso significa tanto vantagens quanto desvantagens, por essa característica pessoal. A título de exemplo, o “ex” é exímio articulador, o efeito colateral disso é abrir mão de alguns dos “ideais” que o levaram ao poder. Agora é o contrário, a Presidente passou a ser criticada por analistas da grande mídia como frágil na articulação, no momento em que ela afirma com ênfase que quer cumprir seus compromissos de campanha.

Augusto Nunes diz em Veja que o “Governo Dilma não tem vida própria”. A colunista Maria Lima escreveu em O Globo que “a constatação geral é que, ao pedir socorro ao seu antecessor e criador na primeira crise, Dilma encerrou a semana muito fragilizada”. Para Rosane de Oliveira, “o caso Palocci, a votação do Código Florestal e o recuo em relação à distribuição do kit anti-homofobia nas escolas, por pressão das bancadas religiosas, reforçaram a impressão de que Dilma não tem habilidade política para manejar a relação com uma base tão ampla como heterogênea”.

Na minha profissão, a Psiquiatria, o que estas analistas vêem como fragilidade pode ser visto como personalidade própria. Pessoas frágeis não pedem ajuda, são orgulhosas, não tem opiniões próprias e não lutam pelo que acreditam. Não concordo que Palocci seja tratado como insubstituível. Gosto da firme posição de não dar anistia a desmatadores. Posso concordar ou não com a Presidenta, mas sou capaz de reconhecer que ela tem posições próprias, nas quais acredita e defende mesmo sob intensa pressão.

Montserrat Martins, colunista do EcoDebate, é Psiquiatra.

EcoDebate, 03/06/2011

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