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Caminhos para vencer a miséria, artigo de Washington Novaes

[O Estado de S.Paulo] Continua a provocar discussões sob vários ângulos a declaração da presidente Dilma Rousseff há poucos dias, em Belo Horizonte, de que será difícil erradicar totalmente a pobreza do País em quatro anos de seu mandato – um dos objetivos que apresentara enquanto candidata. Segundo o noticiário, dizia o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) naquele momento que o número de pobres (renda per capita mensal de até R$ 140) caíra, entre 2003 e 2009, de 30,4 milhões de pessoas para 17 milhões. O economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas, comentava, a propósito (Estado, 29/3), que “a erradicação é inatingível” e seria “mais realista” pensar em reduzir à metade o contingente atual de pobres. Desde o início do Plano Real, a queda já fora de 67%; em oito anos do governo Lula, de 50,6%; e mesmo se até 2014 se reduzir o índice de pobres de 15,3% para 8,6%, ainda teremos 16,1 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza (R$ 142 mensais).

O custo para erradicar totalmente a miséria, estimou Marcelo Neri, ficaria em R$ 22 bilhões anuais – o que trouxe de volta críticas já ouvidas em outros momentos, de que para ter esses recursos bastaria reduzir a “bolsa-banco”, os mais de R$ 150 bilhões que o governo federal paga anualmente de juros da dívida, a investidores de outros países ou mesmo daqui, que tomam empréstimos fora para aplicar internamente, beneficiando-se da taxa anual de juros próxima de 12% (quando nos países industrializados está pouco acima de zero). Hoje o custo do Bolsa-Família está em R$ 1,22 bilhão por mês, ou menos de R$ 15 bilhões/ano, cerca de dez vezes menos que a despesa com aqueles juros.

Discussão difícil. Para conceder agora 19,6% de aumento aos 12,9 milhões de famílias beneficiárias do Bolsa-Família (que reúnem cerca de 40 milhões de pessoas) e “tirar da miséria mais 500 mil famílias cadastradas” – conforme relatou neste jornal Marta Salomon (3/3) – o governo federal fará cortes de R$ 340 milhões em vários outros programas sociais, segundo crítica da senadora Lúcia Vânia (O Popular, 19/3). O ProJovem, por exemplo, que só atende 3,5 milhões dos 55 milhões de jovens possíveis beneficiários, perderá R$ 34,3 milhões; ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil só restarão R$ 250 milhões; R$ 6,21 milhões foram cortados do programa de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças; o sistema que protege o adolescente em conflito com a lei perde R$ 2,5 milhões; o Fundo Nacional de Assistência Social terá um corte de 10% nos gastos opcionais; além da redução de R$ 1,5 bilhão no orçamento do Ministério da Justiça para o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania e para combate a drogas. Sem falar em menos verbas para o Minha Casa, Minha Vida.

E tudo isso sem entrar num terreno ainda mais complicado, que é o da discussão sobre o que seria “nível abaixo da pobreza”. Ainda na semana passada (29/3), o caderno Estadão.edu publicou entrevista da reitora da Universidade Harvard, Drew Faust, dizendo que naquela instituição os alunos de famílias com renda anual abaixo de US$ 60 mil (cerca de R$ 100 mil) não pagam anuidade. Aqui, R$ 100 mil/ano é um nível de renda que já situaria as famílias nos estratos mais altos da sociedade, pois a renda média dos que trabalham não chega a R$ 2 mil mensais.

A discussão pode, porém, observar outros parâmetros. Para os relatórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o nível da miséria está nas famílias com renda abaixo de US$ 2 por dia, ou cerca de R$ 3,40, em torno de R$ 100 mensais. Nesse nível inferior, diz o Programa de Metas para o Milênio, ainda vivem cerca de 850 milhões de pessoas no mundo; 2,5 bilhões não dispõem de saneamento básico e 23% das pessoas “defecam ao ar livre”. E vai piorar, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO): até 2025 cerca de 1,8 bilhão de pessoas enfrentarão problemas muito graves de abastecimento de água (teremos mais 80 milhões de consumidores por ano).

Nosso panorama, nessa área, não consola. Segundo o IBGE, 56% dos domicílios brasileiros, com mais de 100 milhões de pessoas, não são ligados a redes de coleta de esgotos (e só 29% dos esgotos coletados recebem algum tratamento); quase 10% dos domicílios não recebem água tratada. Já o Atlas Brasil, editado pela Agência Nacional de Águas (ANA), informa (Estado, 21/3) que perto de 55% dos municípios brasileiros enfrentarão problemas de escassez de água até 2025. E o País precisa investir R$ 22,2 bilhões para evitar o risco de colapsos. Já o investimento total em água e esgotos é calculado em R$ 70 bilhões, para suprir as atuais deficiências e atender a mais 45 milhões de pessoas até aquela data. Os Ministérios do Planejamento e das Cidades contestaram as informações do Atlas. Mas a discussão não prosseguiu. Poderia ter entrado também pelo terreno do desperdício de água nas redes de abastecimento das cidades brasileiras, calculado na média em 40% do que sai das estações de tratamento – o que implica perdas de R$ 7,4 bilhões anuais para as empresas distribuidoras, segundo este jornal (8/3).

Sem negar nenhum avanço da última década, ainda assim, sejam quais forem os critérios da discussão do tema da pobreza interna, temos enormes avanços por fazer, para reduzir as taxas de desemprego, o emprego informal, o baixo nível de rendimento da maioria da população, os baixos níveis educacionais, o altíssimo desemprego entre jovens e a alta participação deles nos índices de violência.

É salutar que a presidente da República não se embale em fantasias e admita que ainda são e serão muitas as pedras no caminho da erradicação da pobreza. Mas também é vital que, na concepção das macropolíticas, os avanços na área social não se façam à custa de outros programas sociais decisivos. É possível cortar em áreas mais privilegiadas.

Washington Novaes é jornalista.

Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 11/04/2011

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