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Artigo

Porto Sul, degradação ambiental e mistificação, artigo de Fabricio Ramos

[EcoDebate] Antes de eleger um porto como salvador da pátria, é preciso que assumamos a nossa responsabilidade em relação ao passado e, principalmente, frente ao futuro.

Sobre o debate

Todos nós estamos de acordo sobre os fins, mas discordamos quanto aos meios.

Todos nós buscamos uma solução, mas não uma solução qualquer. Afinal, nosso país é uma potência rica mas cheia de pobreza, e nós somos pobres com ele. Num país com uma História como a nossa sempre haverá – em debates como esse – aproveitadores de todos os lados, cujas atitudes, por si só, poderiam explicar a atual conjuntura de nossa sociedade tão doente (incluindo aí tanto os falsos ambientalistas quanto os políticos e empresários irresponsáveis e corruptos). Dirijo-me, contudo, àqueles que querem debater com sinceridade – e estou convencido de que não somos poucos.

Particularmente, não sou favorável à construção do Porto Sul, considerando a forma como está proposto o projeto. Contudo, o meu intuito – antes de defender a minha posição que não pode estar isenta do risco de equívocos – é colaborar para a ampliação do debate.

Uma sociedade e uma região como a nossa – que quer e precisa renascer – não pode prescindir de uma preocupação elementar com a clareza e o discernimento. Aliás, as injustiças sociais (e, logo, ambientais) contra as quais nos levantamos, têm sua origem, muitas vezes, na falta de conhecimento, de ideias claras e de aprofundamento das discussões e reflexões que resultam em ações sustentáveis ou não e, não raro, irreversíveis.

Visões de mundo

O Porto Sul é um projeto que envolve grandes investimentos públicos e privados, favorece estritamente a logística de exportação do setor de mineração (a mineradora BAMIN, empresa estrangeira, é a principal investidora privada), tem caráter intrinsecamente monopolizador e causará sérios impactos ambientais numa das áreas de maior biodiversidade no planeta. O retorno socioeconômico para a região, segundo defensores do projeto, seria baseado na geração e fortalecimento de uma economia horizontal que orbitaria o lastro de operações mineradoras, baseada na geração de empregos e serviços resultantes do capital manobrado pela indústria.

A função última do paradigma econômico e do discurso político superficial hoje, no mundo inteiro em que reina o trabalho como mercadoria, é a produção dos empregos. O grave problema da degradação ambiental – e não falo só de árvores, mas de nossas cidades e tudo o que “ambiente” pode significar para nós – deixou de ser objeto de preocupação por conta de discursos desenvolvimentistas que já se provaram errôneos e mistificadores.

Para utilizar o trabalho humano assalariado com o fim maior de assegurar o poder dos patrões, Governos e empresas se unem para controlar investimentos públicos propalando o lema da produção de empregos, política tanto mais rentável para os investidores (e é também uma moeda política) quanto maior a concentração e monopolização do capital investido – como será o caso do Porto Sul. As pessoas precisam de trabalho, nisso todos concordamos. Mas o objetivo do trabalho deve ser aumento da qualidade de vida em todos os aspectos e não a mera exploração.

Aí reside a crucial diferença entre mero crescimento econômico e real desenvolvimento econômico. O Brasil já experimentou crescimento econômico sem sustentabilidade baseado na construção de grandes obras de infraestrutura baseadas em modelos do século 20 – os resultados são por nós bastante conhecidos. Durante o século passado, governar era “abrir estradas”, portos e aeroportos.

Hoje, o vetor mais forte de desenvolvimento é a sustentabilidade, o crescimento sustentável – não como jargão tecnocrático de governos, mas sim como novo modelo de desenvolvimento social a favor do futuro, e não do passado, a favor da sociedade como um todo e não somente dos mercados.

Por isso os países economicamente mais desenvolvidos “compram” a preço baixo a poluição e destruição ambiental das potências pobres, como o Brasil, para suprirem suas próprias demandas estruturais de energia e desenvolvimento do sistema pós-industrial, baseado no poder estratégico de megaempresas transnacionais. A construção do Porto Sul (e cabe também acrescentar nesse contexto a Usina de Belo Monte) serve, sobretudo, à sustentação de uma economia baseada na exportação de matéria-prima beneficiando restritos oligopólios de capital estrangeiro, mantendo a posição privilegiada de grupos – que financiam campanhas políticas e partidos – no que se refere a controle de mercado. Por isso, desde a era FHC até o Governo Lula e agora os PACs de Dilma pregam uma ideologia única, autoritária, que diz: ‘não há alternativas’. Mas há.

Alternativas

O tema da degradação ambiental é hoje obrigatório: ou para combatê-la ou para dissimulá-la, já que a simples verdade dos danos e dos riscos (talvez a degradação ambiental seja uma das poucas certezas científicas que se mantêm de pé hoje) basta para constituir um imenso fator de revolta, e os setores mais modernos da indústria não promovem mudanças reais, mas apenas diferentes paliativos, travestidos de ações ecologicamente corretas, apenas para abocanhar mais um novo nicho de mercado (ecoambiental sustentável). Portanto, o nosso atual modelo econômico – baseado na exploração humana ou de recursos naturais e na desigualdade social – revela efeitos cada vez mais alarmantes para a vida.

Não devemos permitir o fortalecimento de um modelo exportador/industrial monopolista que se nega a evoluir com os tempos, objetivando unicamente a manutenção dos privilégios de poucos, disposto a destruir o planeta e a matar o futuro se este não lhe for favorável.

As demandas energéticas e de desenvolvimento existem, mas não se sustentam sem uma importante reestruturação de nossa capacidade produtiva. Tudo o que é necessário para a vida, como alimentos ou manufaturas, precisam ser transportados – mas é fundamental reavaliar os custos econômicos, sociais e ecológicos, que muitas vezes não estamos em condições de suportar (atualmente, tais custos são impostos aos países com maior índice de pobreza onde há crescimento populacional urbano e alta demanda de subempregos).

Cabe lembrar que as dificuldades regionais e de Ilhéus não decorrem da falta de um megaporto ou de qualquer obra faraônica voltada para um monopólio estrangeiro, extrativista e destrutivo, mas sim do descaso sucessivo e ainda notório e presente por parte de representantes políticos eleitos que são eleitos por nós. Nunca foram implantadas, nem sequer discutidas com seriedade, políticas públicas voltadas para o desenvolvimento real e efetivo do grande potencial turístico de Ilhéus e região, nem foram criados estímulos que colaborassem para o desenvolvimento de potenciais econômicos autossustentáveis.

Antes de eleger um porto como salvador da pátria, é preciso que assumamos a nossa responsabilidade em relação ao passado e, principalmente, com o futuro.

Alternativas há – e devem ser discutidas. As ações devem ser planejadas e amplamente avaliadas pela sociedade, e não impostas de cima em detrimento da análise mais profunda. Que o desenvolvimento venha sim, visto que é imprescindível – mas que não se converta em mais um dano irreparável – danos que sempre são evitáveis – de nossas destrutivas técnicas. Sendo o desenvolvimento de Ilhéus e região imprescindível, melhor que seja sustentável, ou estaremos mal.

Se é possível tal mudança de paradigma? Estou convencido de que sim! Há os que sacrificam o futuro em nome do passado, do dinheiro e do poder e em nome de velhos modelos de negócios e indústria que pertencem à outra época, que passou.

Nós, que pensamos diferente, que percebemos as mudanças e tendências, temos a responsabilidade agora de sacrificar algo em nós em nome da Vida e do futuro. É hora de prestar atenção ao mundo, ao país, à Ilhéus, a si mesmo. É hora de rejeitar o moralismo e dar lugar a uma moral racional de responsabilidade e que atendam as exigências do sentido comum, e não do sentido meramente privado.

Está em curso uma grande mutação contemporânea. No fim, a Vida – e o que ela significa para nós – terá a última palavra.

Por Fabricio Ramos, Agente cultural independente, Salvador/Ba.

EcoDebate, 18/02/2011


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