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Artigo

Os rebeldes, artigo de Montserrat Martins

[EcoDebate] “Enquanto te exploram, tu grita gol”, está pichado no túnel da Conceição, em Porto Alegre, atualmente em obras. Já na avenida Ipiranga há outra ironia contra o futebol, “Copa do Mundo para os ricos, U.P.P. para os pobres”, se referindo às Unidades de Pacificação que são a polícia nas áreas de periferia. Frases contestadoras como estas são quase nostálgicas, do tempo em que as esquerdas questionavam o futebol como um “ópio do povo”, entre outros.

Hoje todos parecem haver aderido a seu direito de se divertir, com muita paixão e pouca crítica.

Fui levado a essas reflexões quando vi outra frase também na Ipiranga, mas com certeza de um outro autor, pregando “Violência contra todos os A$$is Moreira”. Fiquei imaginando se quem pichou esta se sente um “rebelde”, um contestador, como com certeza é o autor das outras. A mim, me pareceu alguém “bem mandado”, que acredita estar protestando contra valores morais atingidos naquela negociação, segundo a versão dominante na mídia gaúcha. Episódio que me lembrou muito a frase de Nelson Rodrigues, “toda unanimidade é burra”: quando ouvir todos repetindo a mesma coisa, desconfie.

O que ninguém disse em público, no episódio Ronaldinho, é que o futebol hoje é antes de tudo um grande negócio. Que não envolve só enormes somas de dinheiro, como também oportunidades de negociatas com empresários e ainda, por que não dizer, interesses políticos. Afinal, é bem melhor ser lembrado como presidente de um clube popular do que como líder de um governo contestado. Sílvio Berlusconi que o diga, pois para ter respaldo popular como primeiro-ministro da Itália, também já havia providenciado ser presidente do Milan. Aliás, tudo o que falamos sobre para o que o futebol se presta, foi amplamente demonstrado pelo próprio Milan, condenado pela justiça italiana há alguns anos atrás, a ponto de ser rebaixado, punido por seu envolvimento em corrupção. (E nós, brasileiros, discutindo se a justiça italiana é confiável, se deveríamos cumprir um acordo de extradição).

Se há algum rebelde pichando as ruas de Porto Alegre, não é o que atribui aos Moreira a invenção do capitalismo e a culpa por seus males. “Rebelde” seria alguém que contestasse o “sistema”, não alguém que faz eco ao que a mídia dominante vende. O que me surpreendeu, na verdade, foi perceber como se tornam “unanimidades” essas contradições simbólicas populares, tão importantes quanto o fato de os bancos terem lucrado como nunca antes na história desse país, durante um governo que se diz de esquerda. Sim, a economia e a sociedade são muito complexas e, afinal, nosso país vem atravessando bem um período tumultuado da economia internacional, então devemos estar no caminho certo.

As questões culturais e as paixões clubísticas, por outro lado, também são mais complexas do que as ideologias tradicionais. Tudo estaria como tem de estar, a não ser na visão do verdadeiro rebelde, o do túnel da Conceição. Para o meu gosto, um pouco menos de hipocrisia cairia bem.

Montserrat Martins, colunista do Ecodebate, é Psiquiatra.

EcoDebate, 25/01/2011


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