EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Notícia

Como Pequim planeja transformar os chineses em consumidores

As exportações alimentaram os estágios iniciais do boom econômico em andamento da China. Agora, entretanto, o governo em Pequim está dando uma maior ênfase ao consumo doméstico. A classe média chinesa, ao que parece, está mais do que feliz em cumprir a ordem.

As multidões se acotovelam enquanto avançam. Homens em uniformes pretos acompanham a cena enquanto montam guarda. Uma convenção do Partido Comunista? Não. Na verdade, é a inauguração oficial da primeira loja da Gap em solo chinês. Reportagem de Wieland Wagner, Der Spiegel.

Às 10h da manhã, o público já lotava a loja em Xangai. Em um prédio descendo a rua, a rede de aparelhos eletrônicos alemã Media Market também abriu sua primeira loja na República Popular. Os planos de expansão de sua empresa controladora, a Metro, incluem mais de 100 lojas adicionais até o final de 2015.

A chegada das lojas de rede ocidentais simboliza o início da próxima revolução da China. A crescente classe média do país embarcou em uma onda coletiva de consumo, pelo menos no cinturão afluente ao longo da costa leste do país, de Pequim a Xangai e até Shenzhen, no sul.

A liderança do partido na China está dando o exemplo –apesar de que em uma escala muito maior. Na semana passada, o vice-premier Li Keqiang, visto como uma estrela ascendente entre a elite de poder de Pequim, fez uma viagem à Europa durante a qual elogiou a diligência e disciplina alemã, assim como a qualidade dos bens “Made in Germany”. Li passou três dias apenas na Alemanha, e o ministro da Economia alemão, Rainer Brüderle, sem dúvida ficou satisfeito com o resultado: encomendas no valor total de 8,7 bilhões de euros junto à Volkswagen, Daimler e outras empresas.

Comprador-chefe

Um comunista do alto escalão em uma farra de consumo. Logo após sua visita à Alemanha, Li prometeu aos espanhóis que Pequim compraria 6 bilhões em títulos da dívida do país em dificuldades. Na sexta-feira, ele foi recebido pela chanceler alemã, Angela Merkel.

Os mais de US$ 2,6 trilhões em reservas de moeda estrangeira mantidos pela China estão apenas aguardando para serem investidos. E Li, atuando na Europa como o comprador-chefe de fato do país, espera transformar a China em uma nação de consumidores.

A China e Hong Kong juntas já possuem mais de 100 bilionários, quatro vezes mais do que o Japão. Frequentar a feira anual de comércio em Xangai, cujos bens de luxo atendem aos novos ricos da China, é mais importante do que assistir às tradicionais paradas militares. De fato, o partido espera que as demonstrações ostentosas de riqueza estimulem o consumo doméstico.

A mudança é um prazer para as grandes marcas ocidentais. “Agora é precisamente o momento certo para nós entrarmos no mercado chinês”, diz Redmond Yeung, o chefe das operações da Gap na China. Yeung planeja abrir outra loja em Xangai e duas em Pequim quase simultaneamente. Concorrentes, como as lojas de roupas H&M e C&A, já possuem filiais na China.

Na China, essas redes de moda cultivam uma imagem mais luxuosa do que em seus mercados domésticos. Na nova Gap, por exemplo, uma calça jeans de edição limitada custa 1.969 yuans (aproximadamente US$ 297), quase o dobro do salário médio mensal de um trabalhador em Xangai. A nova classe média chinesa está preparada para pagar ainda mais por grifes estrangeiras do que os consumidores no Ocidente.

Consumo como patriotismo

Isso também vale para Zhang Lizhong, 29 anos, e sua esposa Xu Bingqin, 26 anos, ambos funcionários de uma empresa de consultoria. É manhã de sábado em Xangai e eles estão sentados no sofá de seu apartamento. Enquanto ele digita algo em seu telefone inteligente, ela corre para pegar seu iPad. Eles estão fazendo planos para um fim de semana de compras e jantar em restaurantes, as duas atividades de lazer mais populares na China. Quatro dos 10 maiores shopping centers do mundo estão em solo chinês.

“Marcas famosas são muito importantes para nós quando compramos”, diz Zhang. “Elas representam qualidade.”

Em vez de imitar a geração de seus pais e trabalhar muito para produzir bens baratos para os consumidores ocidentais, ele e sua esposa querem desfrutar de sua nova prosperidade.

A China está se transformando em um mercado promissor para as empresas ocidentais, particularmente diante da acolhida calorosa que frequentemente recebem dos planejadores econômicos do governo. O consumo se tornou uma forma aceitável de patriotismo. A experiência internacional, diz o vice-premier Li, nos ensina que “o processo de desenvolvimento de qualquer grande potência deve ser liderado pela demanda doméstica”.

Para fortalecer o poder de compra –e após uma série de suicídios entre funcionários da Foxconn, uma fornecedora para a gigante de tecnologia americana Apple– os líderes chineses até mesmo permitiram aos trabalhadores em muitas fábricas que fizessem greve por maiores salários. Em seu próximo plano de cinco anos, Pequim planeja pela primeira vez dar prioridade ao consumo como motor de crescimento.

Se a estratégia funcionará ou não dependerá, em parte, de quão bem o governo coloque a inflação sob controle. Mas de qualquer forma, moradores urbanos ricos como Zhang e sua esposa Wu não são detidos pelos preços mais altos. De fato, Pequim, ao que parece, gostaria que a próxima grande compra deles fosse um carro. Desde o início da crise financeira global, o governo tem estimulado a compra de carros por meio da redução de impostos. O Grupo Volkswagen sozinho vendeu mais de 1,9 milhão de carros na China no ano passado, um aumento de 37% em relação ao ano anterior. Apesar do governo municipal de Pequim ter colocado um teto no número de novos registros de veículos que permite, ele representa apenas um pequeno obstáculo no plano em grande escala para estimular o consumo.

Os templos do consumo

Para muitos chineses, ser dono de um carro é o segundo símbolo de status mais importante após comprar um apartamento. “Eu prefiro chorar em uma BMW do que sorrir em uma bicicleta”, disse recentemente uma candidata de um popular programa de namoro na TV, ao descrever seu marido ideal. O episódio deu origem a um novo termo na Internet, “mulher BMW”, uma referência a este tipo particular de mulher materialista chinesa.

Ainda assim, Zhang sabe seus limites. “Assim que tivermos um filho”, ele diz, “nós teremos que começar um plano rígido de poupança”. Os moradores de Xangai gastam mais dinheiro na educação de seus filhos do que em qualquer outra coisa.

Enquanto isso, os aproximadamente 700 milhões de moradores das áreas rurais da China enfrentam problemas completamente diferentes. Tradicionalmente, eles poupam grande parte de sua renda para tempos de doença e velhice. Mas agora o partido lançou campanhas para transformar agricultores frugais em consumidores, os encorajando a comprar aparelhos de televisão, refrigeradores e computadores.

Autoridades por todo o país estão promovendo a construção de shopping centers gigantes, como parques de diversões, para servirem como templos da nova religião do consumidor. Wuhan, uma cidade de 9 milhões de habitantes, também aspira conquistar fama mundial por seus shoppings. O mais luxuoso desses complexos é o Wuhan International Plaza, e –como uma promessa do que virá– ele se ergue acima da poluição que envolve esta cidade produtora de ferro e aço quase o ano todo.

“Muitos cidadãos de nossa cidade não podem comprar os produtos que estão em exposição, pelo menos ainda não”, diz uma vendedora dali com um sorriso tímido. “Eu também não posso comprá-los. Os clientes são em sua maioria autoridades e executivos. “Quando eles fazem compras”, ela acrescenta, “eles gastam 10 mil yuans ou mais, de uma só vez” –mais do que ela ganha o ano todo.

Tradução: George El Khouri Andolfato

Reportagem [ China Goes Shopping: How Beijing Plans to Turn the Chinese into Consumers ] do Der Spiegel, no UOL Notícias.

EcoDebate, 18/01/2011


Compartilhar

[ O conteúdo do EcoDebate é “Copyleft”, podendo ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, ao Ecodebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta clicar no LINK e preencher o formulário de inscrição. O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.

O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.