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O que falta para a prevenção de enchentes, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

É preciso eliminar a fonte original dos problemas com as chuvas: a total ausência de regulação técnica adequada do nosso crescimento urbano

[Folha de S.Paulo] Mal começaram as chuvas do verão 2010/2011 e as enchentes voltam a atormentar a vida dos moradores da metrópole paulistana. Diante dos anualmente repetidos relatórios oficiais dando conta de variadas realizações de programas de combate às enchentes e da realidade crua, mostrando a todos que não houve nenhuma melhora substancial na extensão e na intensidade das enchentes, há que se perguntar: o que falta realmente para que a metrópole seja aliviada desse absurdo flagelo?

Fundamentalmente, e essa deveria ser a primeira e principal providência de qualquer programa de combate às enchentes, é preciso parar de errar. Às escâncaras dessa desgraça toda, a metrópole continua a crescer cometendo os mesmos crassos erros que estão na origem das enchentes e em sua contínua intensificação.

Entre eles estão a prevalência da cultura da impermeabilização e a expansão da mancha urbana por espalhamento horizontal sobre regiões progressivamente mais montanhosas, desmatando, produzindo áreas planas por terraplenagem, expondo solos a violentos processos erosivos, com geração anual de milhões de metros cúbicos de sedimentos que, por assoreamento, comprometem drasticamente a capacidade de vazão de nossos rios, córregos e drenagens construídas.

Essa é a equação básica das enchentes, volumes crescentemente maiores de água, em tempos sucessivamente menores, sendo escoados para drenagens naturais e construídas progressivamente incapazes de lhes dar vazão.

Essa é a realidade, e não haverá milagre tecnológico que conseguirá algum bom resultado sem que se elimine a fonte original de nosso enorme problema: total ausência de uma regulação técnica adequada do crescimento urbano. Ou seja, antes de mais nada, é preciso que as maiores autoridades públicas estaduais e municipais deem um sonoro tapa na mesa e imponham a elementar decisão: “A partir de hoje, paramos de errar!”.

Com essa essencial decisão tomada, cabe então inteligentemente agir sobre o enorme passivo urbano acumulado, consequência dos erros até então insensatamente cometidos, e isso implica dar continuidade às ações estruturais de ampliação da capacidade de vazão de nossos principais rios, com seu permanente desassoreamento.

Implica também a profusa implementação de ações não estruturais, voltadas a aumentar a capacidade de retenção de águas de chuva em toda a metrópole.
Destacam-se entre essas ações: a desimpermeabilização dos espaços urbanos públicos e privados; a instalação de pequenos e médios reservatórios domésticos e empresariais de acumulação e infiltração; o intenso plantio de médios e pequenos bosques florestados; e o rigoroso e extensivo combate à erosão nas frentes de expansão urbana, assim como o combate ao lançamento irregular de lixo e entulho.

Por fim, precisamos conceber um plano de combate às enchentes que tenha articulação metropolitana, o que possibilita a reunião de todas as iniciativas sob diretrizes técnicas e gerenciais comuns.

ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS, geólogo, é consultor em geologia de engenharia, geotecnia e meio ambiente. Foi diretor de Planejamento e Gestão do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e diretor da divisão de geologia. É autor, entre outras obras, de “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”.

Artigo enviado pelo Autor e originalmente publicado na Folha de S.Paulo.

EcoDebate, 12/01/2011


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One thought on “O que falta para a prevenção de enchentes, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

  • Paulo Afonso da Mata Machado

    Meu caro Álvaro,
    Tenho acompanhado sua luta pela correção dos grandes problemas da cidade de São Paulo que, todos os anos, lhe provocam enchentes, com mortes e grandes prejuízos materiais.
    Gostaria de lembrar um dos problemas que causa o aumento na gravidade dessas enchentes: a retificação e a concretagem dos leitos de rios e córregos da capital paulistana.
    Correndo sobre leitos concretados e com grandes declividades, a velocidade da água é muito maior. É por isso que, com apenas algumas horas de chuva, a cidade de São Paulo fica inundada.
    O Prof. Apolo Heringer Lisboa tem feito inúmeras palestras condenando a retificação e a canalização de cursos de água. Segundo ele, países europeus já se conscientizaram desse grande erro e estou renaturalizando seus rios, para evitar enchentes e trazer o peixe de volta.
    Infelizmente, tenho lido nos jornais que prefeituras de interior estão programando a concretagem de leitos de córregos como se tratasse de uma obra de saneamento, quando, na realidade, é exatamente o contrário.
    Lamentavelmente, até mesmo os canais de transposição de água do Rio São Francisco estão também sendo construídos sobre leito de concreto, podendo-se antever os graves problemas que trarão no futuro.

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