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Artigo

Necessidade e Consumo – Vida e Morte, artigo de Maurício Gomide Martins

[EcoDebate] Meu amigo Agenor era muito inteligente e aficionado por aviação. Conheci-o desde quando freqüentávamos a mesma escola secundária. Naquele tempo ele já demonstrava o rumo de sua vida, pois só falava sobre avião. Colecionava figurinhas, miniaturas, folhetos, livros e tudo o mais que dissesse respeito a essa atividade. Era um verdadeiro maníaco no assunto. Teoricamente, já sabia pilotar.

No prosseguimento dos estudos, naturalmente que ingressou na faculdade de engenharia, com especialização na construção de aeronaves. Formado, empregou-se numa indústria aeronáutica. Com as primeiras economias, construiu ele mesmo um modesto aeroplano com o qual estava sempre viajando. Aliava seu entusiasmo pela aviação ao destemor com que enfrentava as diversas excursões que fazia por todo o Brasil.

Certa ocasião e sem maiores cautelas, planejou encetar uma viagem de Goiânia a Manaus, pilotando aquele seu amado condor inanimado, tratado com todo o carinho, mas que não dispunha de avançados recursos tecnológicos para a aventura.

O vôo começou bem e estava seguindo seu rumo normal quando, em meio da viagem, começaram a surgir problemas mecânicos não previstos. Lançou um SOS pelo rádio e procurou contornar a situação, procurando uma clareira onde pudesse pousar. Não obteve sucesso. Mas como estava em região de selva amazônica densa (ainda era densa), conseguiu fazer o pequeno aparelho ir roçando aquele manto macio, composto pela formação contínua da copa das árvores e assim terminou por parar seu precioso veículo, embaraçado nos galhos de uma imensa árvore.

Conseguiu descer incólume para o chão. A primeira coisa que lhe ocorreu foi analisar a situação e equacionar suas atitudes. Trouxe, retirado do aparelho, um caderno e caneta, onde pretendia registrar sua desventura; uma espécie de diário.

Depois de alguns dias, nos quais andou com dificuldade por entre aquela mata fechada (ainda era fechada), em meio a ambiente adverso e, sem orientação, sozinho, cansado e faminto, já se sentia exausto e fraco.

Certo dia, meio tonto pela desnutrição de vários dias, dentre a penumbra da floresta, vislumbrou ao longe uma névoa clara, denotando que devia existir uma fonte de luz naquele rumo. Afastando ramos e cipós, com cuidado e atenção redobrada, foi se aproximando daquele clarão quando começou a ouvir sons que não lhe eram desconhecidos. Com ânsia, foi apressando os passos rumo ao objetivo quando, ao arredar um tufo de vegetal, viu-se frente a um colossal prédio moderno, frenético de luz e sons e grandes portas abertas. No frontispício estava gravado, com letras grandes e luminosas, “Life’s Shopping, Seu Center de Consumo”.

A alegria do meu amigo foi imensa, conforme está registrado no seu caderno. O ambiente estava pleno de consumidores com suas sacolas cheias. Ninguém dava atenção ao meu amigo, nem respondiam às suas perguntas.

O primeiro pensamento do frágil segregado da civilização foi satisfazer à sua fome. Com as poucas forças que ainda lhe sobravam, entrou e começou a procurar qualquer coisa que servisse de alimento. O prédio tinha três andares, servidos por escadas rolantes, e o herói faminto o percorreu todo. Só encontrou lojas com luxuosas vitrines, expondo bolsas femininas, roupas de última moda, enfeites caseiros, jóias diversas, telefones de última geração, tapetes, perfumes, oferta para compra de automóveis em suaves prestações. Nem sorvete encontrou. Nem restos de lanches no lixo. Os frequentadores pareciam saudáveis e se satisfaziam apenas com as ações de comprar. Notou que ninguém se alimentava; nem com pipoca ou cafezinho. Nada!

Desesperado e exausto, Agenor saiu correndo daquele “Inferno da Ilusão”, embrenhou-se novamente na selva (ainda era selva), e deixou-se cair no chão, chorando amarguradamente até que, prostrado pela fraqueza, a noite eterna lhe cobriu o corpo com seu fúnebre manto.

Alguns anos depois, quando o progresso lá chegou, acharam o caderno com suas anotações.

(crônica inspirada em caso verídico)

Maurício Gomide Martins, 82 anos, ambientalista e articulista do EcoDebate, residente em Belo Horizonte(MG), depois de aposentado como auditor do Banco do Brasil, já escreveu três livros. Um de crônicas chamado “Crônicas Ezkizitaz”, onde perfila questões diversas sob uma óptica filosófica. O outro, intitulado “Nas Pegadas da Vida”, é um ensaio que constrói uma conjectura sobre a identidade da Vida. E o último, chamado “Agora ou Nunca Mais”, sob o gênero “romance de tese”, onde aborda a questão ambiental sob uma visão extremamente real e indica o único caminho a seguir para a salvação da humanidade.

EcoDebate, 11/01/2011

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