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Artigo

E o ‘queco’? artigo de Montserrat Martins

[EcoDebate] A Coréia do Norte bombardeou uma ilha da Coréia do Sul, a pretexto de que os do sul haviam “invadido seu território”. “E o queco ?”, como diz muita gente, “o que é que eu tenho que ver com isso” ? E o “queco” com o conflito crônico entre Israel e Palestina? Bom, mesmo se você não tiver parentes lá, mas se você for gaúcho e colorado e quiser assistir o mundial em Abu Dhabi, não pode ter passagem por Israel no seu passaporte, ou não receberá visto de entrada para os Emirados Árabes. Quer dizer, como se fosse uma pessoa perigosa por ter passado por lá, já pensou ?

Se você achar longe o problema do Iraque, o Rio de Janeiro é logo ali, isso pelo menos parece que todos se deram conta, haja visto o sucesso de público de “Tropa de Elite 2” – uma aula de realismo dos conflitos de interesses que fazem parte da violência urbana. Mas se você não morar no Rio ou São Paulo e sim em Porto Alegre, ou Florianópolis, ou em Maringá, ou em cidades menores, mesmo que você more em Taquari, no interior do Rio Grande do Sul, olhe para um morador do Rio de Janeiro e saiba que “eu sou você, amanhã”.

“Ainda vai piorar muito, antes de começar a melhorar”, já disse o cineasta Fernando Meirelles quando filmou “Cidade de Deus”. Pode parecer pessimismo, mas é na verdade um “otimismo realista” – porque ele está dizendo que ainda “vai começar a melhorar”, um dia. (Ao contrário por exemplo do pessimismo incurável do Millôr Fernandes que chegou a dizer que “sim, existe outra vida depois dessa, mas é muito pior”). Aliás, Tropa de Elite 2 também é um filme otimista, se você observar bem, porque mostra que ainda há quem se importa e se envolve, ainda luta por uma sociedade mais “civilizada”, contra a “barbárie” de certas regiões.

Vamos combinar que ninguém gosta de problemas, ainda mais depois de um dia cansativo de trabalho, ver aquele noticiário cheio de horrores. Aí vem alguém falar de mais problemas, foi daí que surgiu o “e o queco?”, de quem já está cansado de ouvir tragédias. Ironia que “pegou” e se espalhou por gerações – eu sou da antiga, mas sei que até hoje ainda tem crianças que falam isso.

Confesso que eu digo também, pra aliviar, às vezes, quando alguém fica detalhando as desgraças do mundo e me cobrando atitudes o tempo todo, tipo “patrulha ideológica”, como se pudéssemos viver todos como um “Capitão Nascimento” do filme. Que aliás na sequência não tem mais nem namorada, vive só lutando para “salvar o mundo”, do jeito dele. Isso fica para os “heróis” de filme, como o personagem Diogo Fraga. A luta pessoal de cada um de nós, que não somos heróis, é a de distinguir o autocuidado necessário da indiferença do “e o queco?”.

Montserrat Martins, colunista do EcoDebate, é Psiquiatra.

EcoDebate, 30/11/2010


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