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Conferência da ONU sobre Diversidade Biológica (COP-10): As conquistas de Nagoya

Acordos firmados por 193 países na cidade japonesa, em outubro, são “um avanço” na luta pela preservação do planeta, dizem especialistas

Muitos dos compromissos assinados por centenas de países durante a Eco-92, no Rio de Janeiro, têm sido postergados ao longo das duas últimas décadas. Dez anos após a Cúpula da Terra, o aguardado plano de ação global para a conservação do planeta e o desenvolvimento sustentável também fracassou em Johannesburgo. Não tem sido muito diferente nas diversas edições das convenções do Clima, da Desertificação e da Biodiversidade. O Protocolo de kyoto, um exemplo desse tipo de negociação que deu certo, apesar das críticas, só começou de fato a ser praticado a partir de 2005, ou sete anos após a assinatura das partes.

Portanto, apenas pela morosidade histórica e pela falta de consenso e de vontade política na aprovação dos compromissos firmados em 1992 é que se explica tanta festividade em torno da Convenção de Nagoya – como é conhecida a 10ª Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, que entre 18 e 29 de outubro passado reuniu representantes de 193 países na cidade japonesa de Nagoya.
Afinal, definir metas claras, mesmo que não tão satisfatórias do ponto de vista da conservação biológica, já pode ser considerado um avanço. Essa é a conclusão dos especialistas entrevistados pelo Jornal da USP sobre os acordos assumidos em Nagoya. O documento não tem força jurídica, mas cria nos governos a obrigação política de estabelecer diretrizes para políticas públicas tendo em vista as metas assumidas.
O ponto fulcral da Convenção de Nagoya foi a definição de um protocolo, chamado Access and Benefits Sharing (ABS). O protocolo reconhece a soberania dos países no que diz respeito ao direito sobre o uso de seus recursos genéticos e cria mecanismos de como deve ser estabelecido o acesso e a divisão dos benefícios advindos da biodiversidade.
“Há uma mistura de posicionamentos e há países contrários ao ABS. A meu ver, o protocolo não é uma monetarização dos recursos da natureza, e sim uma forma de usá-los sustentavelmente e transformá-los em riqueza. Não significa ficar extraindo recursos ou cortando florestas, porque as substâncias de interesse são sintetizadas em laboratório”, afirma o professor da Unicamp Carlos Alfredo Joly, coordenador-geral do Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Recuperação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo (Biota-Fapesp).
Não há regra nem porcentual fixo sobre a forma como serão divididos os benefícios dos recursos genéticos, sendo que cada contrato levará em conta inúmeras variáveis, incluindo as parcerias entre instituições, pesquisadores, tipo de recurso e financiamentos, por exemplo. As comunidades tradicionais detentoras de conhecimentos sobre o uso dos recursos naturais também receberão royalties.

Pirataria – O protocolo é um avanço no sentido de proteger os países megadiversos contra a biopirataria, de forma que eles passarão a lucrar com os produtos e medicamentos fabricados a partir de seus recursos genéticos. Mas o protocolo só entra em vigor a partir de 2020. O Brasil defendeu que a data fosse antecipada para 2015, ao que o ministro do Meio Ambiente do Japão, Ryu Matsumoto, anfitrião em Nagoya, respondeu: “A proposta será levada em conta”, conforme apurou a agência EFE.
A repartição dos benefícios não será retroativa, como queria o Brasil. As substâncias sintetizadas até agora e outras patenteadas e comercializadas no mercado internacional, como o cupuaçu, a copaíba, o açaí e tantos outros, continuarão sem o pagamento de royalties. Os negociadores de outros países argumentaram que, se fosse retroativa, o Brasil e outros países teriam que partilhar os benefícios de uma lista interminável de produtos utilizados há séculos, como café, trigo, cana-de-açúcar, arroz, coco e muitos outros.
“Inicialmente, os países megadiversos tinham assumido uma postura muito conservadora na proteção dos recursos genéticos, claro, prevendo a conservação das espécies. Mas, por outro lado, essa postura infelizmente restringe muito a disponibilidade de materiais genéticos para a pesquisa feita fora desses países. Isso não é bom para ninguém, especialmente para a ciência, pois restringe a colaboração internacional e as possibilidades de descobertas. Felizmente chegou-se a um consenso”, afirma o professor Craig Moritz, pequisador de processos evolutivos e filogeografia da Universidade de Berkeley-Califórnia, nos Estados Unidos.
O professor Moritz esteve no Brasil durante o Simpósio Internacional sobre Filogeografia, organizado pelo Programa Biota-Fapesp, que reuniu alguns dos mais conceituados pesquisadores em biodiversidade e filogeografia. O simpósio aconteceu nos dias 8 e 9 de novembro no auditório do Edifício FEA-5, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP.
“Na realidade, Nagoya conseguiu resultados surpreendentes, porque afinal os países resolveram impasses grandes e, melhor, assumiram compromissos. A repartição dos benefícios dos recursos genéticos é um avanço, assim como o compromisso assumido quanto à conservação de áreas marinhas e terrestres”, afirma o professor Joly, do Biota-Fapesp.

Impactos – José Antônio Marengo, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), acredita que as metas de conservação estabelecidas em Nagoya certamente trarão impactos positivos sobre o clima. “Só a redução das perdas de recursos naturais já produzirá um efeito positivo no clima do planeta, sem dúvida alguma. As metas foram estabelecidas sob pressões políticas e representam o resultado de negociações. Do ponto de vista biológico, pode ser pouco. Mas pelo menos as questões importantes foram consideradas pelos negociadores”, afirma Marengo.
A Convenção de Nagoya prevê um plano estratégico organizado em cinco metas globais de conservação para o período 2011-2020, que visam não só a combater as perdas dos recursos naturais, mas também a melhorar os benefícios e salvaguardar a biodiversidade em todos os níveis. Assim, os países deverão incluir nas suas contas públicas o valor da biodiversidade, bem como reduzir os subsídios voltados a atividades que a prejudiquem.
Para a consecução das metas globais, os delegados concordaram em ampliar, até 2020, as áreas de conservação terrestre de 10% para 17%, embora nem mesmo a meta anterior, de 10% até 2012, tenha sido cumprida pelos signatários das edições anteriores da convenção. A conservação de áreas marinhas e costeiras ficou em 10%, em vez dos 20% pretendidos por organizações de defesa do ambiente.
Marengo diz ter uma visão otimista sobre os resultados da 10ª edição da Convenção da Biodiversidade. “Estou mais diretamente ligado à Convenção do Clima, mas posso dizer que Nagoya foi um progresso muito grande sobre as convenções anteriores, no que diz respeito à condução dos temas, metas e resoluções. Com as negociações do clima, por exemplo, isso não tem acontecido.”
Na opinião da professora Mariana Cabral de Oliveira, do Instituto de Biociências da USP, reservar 10% de área marinha para conservação “é muito pouco”, já que os oceanos compõem a maior parte do território terrestre. “Mas já é alguma coisa”, afirma.
O plano de metas globais prevê ainda que os governos restaurem pelo menos 15% das áreas degradadas e despendam um “esforço especial” para reduzir as pressões sofridas por recifes de corais.

Financiamento – Os delegados presentes em Nagoya concordaram em aumentar substancialmente os suportes financeiros para a implementação das metas assumidas na convenção. “O que preocupa é que o documento não define os mecanismos financeiros para a implementação do protocolo nem das metas de conservação e de restauração. Uma coisa é estabelecer, a outra é viabilizar. Manter unidades de conservação significa custos. Reduzir a sobrepesca precisa de uma compensação para os que vivem disso”, afirma o professor Carlos Alfredo Joly. Até o momento, o que existe é a intenção dos signatários firmarem, em 2011, na Índia, um acordo sobre mecanismos financeiros, a fim de tornar atingíveis as metas estabelecidas.

A influência do Brasil

Segundo o professor Carlos Alfredo Joly, coordenador-geral do Programa Biota-Fapesp, o Brasil não só desempenhou papel fundamental nas negociações como é um ator de peso para o sucesso das metas. Por isso, o País entrou para o calendário oficial da 10ª edição da Convenção da Biodiversidade, com a realização de um evento programado para dezembro, em Bragança Paulista, interior do Estado de São Paulo. Trata-se da conferência internacional Getting Post 2010 – Biodiversity Targets Right, marcada para os dias 11 a 15 de dezembro. Inscrições e informações:  www.biota2010-targets.com.br.
Coordenador do seminário internacional de Bragança Paulista, Joly faz um chamado à comunidade científica para que desempenhe o papel de liderança conquistado pelo Brasil na questão da biodiversidade. “Temos pesquisadores de alto nível que, no entanto, precisam participar mais das discussões, pois são altamente capacitados a dar sua contribuição para o desenvolvimento de mecanismos de conservação da biodiversidade”, afirma Joly.
Segundo o coordenador, será em Bragança Paulista que os especialistas deverão se debruçar sobre a construção de parâmetros científicos e técnicos que indiquem se e como será possível cumprir as metas de Nagoya. A cerimônia de abertura ficará a cargo do secretário executivo da Convenção da Biodiversidade Biológica, Ahmed Djoghlaf. “Os mais importantes cientistas do mundo nessa área estarão presentes”, garante Joly.
“Do ponto de vista biológico, as metas são tímidas. No entanto, os resultados da Convenção de Nagoya transcendem o aspecto biológico, pois representam todos os aspectos que compõem a complexidade humana, sejam econômicos, políticos, culturais, históricos, geográficos e muitos outros”, diz o professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, Luciano Verdade, integrante do comitê científico do evento em Bragança Paulista.

Reportagem de Sylvia Miguel, no Jornal da USP, publicada pelo EcoDebate, 25/11/2010

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