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Conflito pela água no Rio Salitre, artigo de Ruben Siqueira

Foto do Rio Salitre 'morto' após um dos 35 barramentos. Foto de Almacks Luiz Silva
Foto do Rio Salitre ‘morto’ após um dos 35 barramentos. Foto de Almacks Luiz Silva

O Salitre é um rio histórico e único.

[A Tarde] Em suas margens se deu a primeira grande criação de gado no Brasil, que fornecia carne à sede da Colônia. O nome vem das jazidas de salitre, importante mineral no século XVII. Nascido na Chapada Diamantina era um raro exemplo de rio perene do semiárido brasileiro.

Afluente do São Francisco, hoje tira água dele e “corre ao contrário”, desde que águas da foz passaram a ser bombeadas rio acima em 35 barragens, para sustentar a irrigação empresarial no Médio e Alto Salitre. Até os anos 1970, o vale fértil, principalmente na região do Baixo, fornecia legumes, frutas e hortaliças a Juazeiro e outras cidades. E “salitreiro” era sinônimo de gente forte e próspera.

Nos anos 1980 explodiu ali um novo tipo de conflito: pela água. Empresários e pequenos irrigantes passaram a disputar as parcas águas. Em 7 de fevereiro de 1984, deu-se um confronto armado na comunidade de Campo dos Cavalos. Salitreiros reunidos, já em desespero, desligaram a fiação elétrica para bloquear as grandes motobombas e permitir que a água descesse até suas pequenas roças. Dois empresários acompanhados de capangas foram ao local para religar a energia. No confronto ambos acabaram mortos.

[Leia na íntegra]Só então as autoridades esforçaram-se para disciplinar o uso da água no rio. Mais recentemente foi criado o Comitê da Bacia do Salitre.

Em março deste ano, foi inaugurado o Projeto Salitre, obra pública de irrigação.

Lula discursou lembrando lutas e personagens históricas do Salitre, como o bispo D. José Rodrigues, que apoiava os salitreiros e foi acusado por políticos de mandante das mortes dos empresários. Mas o projeto é voltado para o agronegócio, com investimentos orçados em R$ 900 milhões, numa área de 34 mil hectares, e só de fachada contempla agricultores locais. Deve aumentar o potencial de conflitos.

Até agora nenhuma medida foi suficiente para evitar o clima de tensão e disputa pelas águas e sinalizar uma solução duradora. O sobreuso das águas volta a conflagrar a região. Outra vez as comunidades do Baixo Salitre têm que tomar atitude, desta vez, em 21 de agosto passado, derrubaram 16 postes de energia, causando transtornos não só a empresários, mas também a quase 30 comunidades rurais da região.

Dentro dos novos marcos legais, o órgão responsável do governo estadual, o Ingá (Instituto de Gestão das Águas e Clima), está propondo o cadastramento dos usuários e a revisão das outorgas de águas. Setores do partido do governo sugeriram o uso do Exército para a segurança da rede elétrica.

Não é a primeira vez: as obras iniciais de transposição do São Francisco foram feitas pelo Exército, sob fuzis e até canhões…

Na Velha República, a questão social era “caso de polícia”. Quando pensávamos que tínhamos avançado politicamente, no Brasil de Lula, a questão da água vai virar “caso de Exército”? O relatório parcial da violência no campo em 2010, lançado pela CPT (Comissão Pastoral da Terra), em agosto, trouxe como surpresa exatamente o crescimento em 32% dos conflitos pela água no território nacional.

A tendência é se agravar na medida em que avançar o negócio da água. Na Bacia do São Francisco está tudo pronto para começar a cobrança pelo uso da água, o que já alvoroça os ribeirinhos. Celeuma maior é o custo da água da transposição, que o governo federal quer por todos os meios que seja mais barato que na própria bacia.

Com candidatos do governo da Bahia quis controlar a diretoria do Comitê da Bacia, mas perdeu as eleições recentes. Agora anuncia uma empresa estatal para a gestão das águas transpostas.

O problema fundamental está em toda a lógica de utilização das cobiçadas águas brasileiras.

Em síntese, a política mercantilista de águas eleva seu uso ao extremo, ao limite – muitas vezes para além do limite – o que acirra a conflitividade. O que está longe da água como direito humano essencial, declarada pela ONU em julho deste ano.

O caso do Salitre é emblemático. Até onde irá a irresponsabilidade no uso de nossas águas?.

Ruben Siqueira, sociólogo, membro da Comissão Pastoral da Terra da Bahia e coordenador do Projeto Articulação Popular para a Revitalização do São Francisco.

Artigo originalmente publicado no jornal A Tarde, socializado por João Suassuna e pelo Autor.

EcoDebate, 30/09/2010

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