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Artigo

Cidades na China: grandes, limpas e eficientes? artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Prof. José Eustáquio Diniz Alves, quando de sua visita a Hong Kong
Prof. José Eustáquio Diniz Alves, quando de sua visita a Hong Kong

[EcoDebate] O título deste artigo tem como base uma reportagem da Revista Newsweek (26/05/2008): “Where Big is Best”. Evidentemente, a matéria só poderia estar tratando das cidades da China, país onde tudo tem dimensões colossais e onde está se gestando uma nova forma de planejamento urbano: “O surgimento de megacidades tem criado favelas e caos em outros lugares, mas, na China as megacidades são mais limpas e eficientes”.

Não por coincidência, a China inaugurou, na cidade de Xangai, em 1º de maio de 2010, uma grande feira dedicada a busca de soluções urbanas, a Expo Xangai. Com o tema “Cidade melhor, vida melhor” (Better City, Better Life), a Expo Xangai 2010 vai tratar de visões das cidades no futuro e preparar o país (e o mundo) para o inevitável e crescente processo de urbanização.


Há dois anos, estive na China e visitei as cidades de Hong Kong, Xangai, Xian e Pequim. O tempo foi muito curto para conhecer em detalhes toda a realidade urbana destas megacidades, mas foi suficiente para deixar claro que algo diferente está acontecendo do outro lado do mundo. Não sou nenhum Marco Polo, nem mesmo um urbanista, mas gostaria de tecer algumas considerações sobre o que vi e tenho lido sobre o assunto e sobre o título (“Big is Best”) que vai na contramão do “Small is beautiful”.

A primeira coisa que me chamou a atenção nas quatro cidades chineses foram os aeroportos super modernos e eficientes, especialmente o terminal 3 do aeroporto de Pequim (o maior e mais moderno do mundo). Em segundo lugar, foram as ligações intermodais (aeroportos, portos e rodoviárias) com a rede urbana das cidades que possuem auto-pistas largas, limpas e arborizadas. Terceiro foi o sistema de transporte coletivo (que está pronto ou em construção) com metrôs e trêns, com destaque para o Maglev (trem magnético que levita sobre os trilhos)i de Xangai que percorre uma distância de 30 km do centro da cidade ao aeroporto entre 7 e 8 minutos, com velocidade máxima de 430 km/hora. Além disto Xangai construiu, sobre uma ilha terraplanada à 30 km da costa, o maior porto do mundo; e também uma ponte, ligando o porto à cidade, duas vezes maior do que a ponte Rio-Niterói.

Outro fato que atrai a atenção do visitante é a quantidade de edifícios e obras por toda a cidade e a quase ausência de favelas ou de pobreza e miséria aparentes. Dá para ver que a desigualdade está aumentando rapidamente na China urbana, mas não totalmente às custas do aumento da exclusão social. No ritmo de crescimento acelerado do país parece que grande parte dos chineses estão ganhando, só que uns mais do que os outros. Assim como a Muralha da China, o “milagre” do crescimento atual depende muito dos “migrantes ilegais” que vem do campo para as cidades e trabalham em dormitórios precários e possuem inserção precária no mercado de trabalho e na sociedade, embora estejam em melhor situação do que seus país que continuam no campo e até se beneficiam das remessas enviadas com muito sacrifício.

Tradicionalmente a violência urbana na China é pequena e as cidades são bastante seguras, não existindo, nem de longe, os níveis de violência encontrados, por exemplo, nos melhores bairros do Rio de Janeiro. O Estado chinês, seguindo os preceitos de Thomas Hobbes, adota como fundamento da ordem social o monopólio da violência pelo Estado.

A cidade mais poluída que vi foi Xangai, que naquela época estava se preparando para a grande Expo 2010, e tinha construções por todos os lados, inclusive nas vias públicas. Assim, foi em Xangai também que vi os maiores congestinonamentos (mas nada comparado com São Paulo). As cidades de Hong Kong e Xian estavam com um tempo muito nublado e um pouco de poluição e não é comum ver o céu limpo e azul que vemos na maior parte do Brasil. Para minha surpresa, Pequim estava com tempo limpo e sem poluição, nos 3 dias que estive na cidade. Com exceção de Hong Kong, as outras cidades ainda possuem muitas bicicletas pelas ruas (onde há inúmeras ciclovias), embora os carros estejam rapidamente tomando os espaços.

Todas estas impressões visuais de um visitante servem para reforçar a matéria da Newsweek quando mostra que a China tem se beneficiado do padrão de urbanização concentrada e que o melhor, considerando suas especifi-cidades, são mesmo as megacidades e suas redes de inter-urbanas ligadas por forte dinamismo econômico. Segundo a revista, a urbanização concentrada tem vantagens sobre a dispersão urbana:

“O gasto público, em geral, é um pouco menor em termos de percentagem do PIB na urbanização concentrada do que em crescimento disperso. O uso de energia é 20 por cento mais eficiente. A perda de terras aráveis pode ser limitada a cerca de 7 a 8 por cento, em comparação com mais de 20 por cento em urbanização dispersa, onde as cidades tendem a se expandir de forma ‘horizontal’. As emissões de carbono são substancialmente menores na medida em que as cidades mais densas conseguem mitigar as emissões de carbono – e, enquanto a poluição nas cidades pode ser maior, lidar com ele é mais prático em larga escala do que se o problema estivesse disperso por todo o país” (p. 46).

Esta idéia de que a urbanização pode e deve ser uma força para a melhoria do bem-estar da população e que a concentração urbana traz mais ganhos do que a disperção horizontal das cidades (Urban sprawl), tem estado no centro das preocupações e dos estudos do demógrafo George Martine, que em Relatório, de 2007, para o Fundo de População da ONU (UNFPA) chama a atenção para a inevitabilidade do crescimento urbano e a potencialidade da contribuição das cidades para o combate à pobreza.

Para Martine, as cidades, mesmo quando concentram a pobreza, representam a melhor oportunidade para se escapar dela. Geram problemas ambientais, mas também criam soluções. Em 2008, a população mundial das cidades ultrapassou o contingente rural, reflexo do fato de que a atual onda de crescimento urbano no mundo, em termos absolutos, não tem precedentes. O relatório do UNFPA estimula a realização de estudos mais aprofundados sobre as questões urbanas, medidas proativas e a “boa governança”.

Pelo pouco que pude presenciar, as cidades chinesas estão colocando em prática muita destas recomendações e afastando as previsões escatológicas de crescimento exponencial das favelas. O importante é reconhecer o direito à cidade, como parte dos direitos humanos essenciais.
Não sabemos como será o futuro e como a China vai tratar seus graves problemas ambientais, mas sem dúvida a realidade urbana de suas cidades apresenta um quadro muito melhor e mais esperançoso do que o da maioria das cidades latino-americanas. Não seria exagero afirmar que, enquanto muitos dirigentes do Terceiro Mundo pensam suas cidades com enfoque pequeno, os chineses, como sugere a reportagem da revista Newsweek, pensam “grande e melhor”.

José Eustáquio Diniz Alves, colunista do EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE. As opiniões deste artigo são do autor e não refletem necessariamente aquelas da instituição.
E-mail: jed_alves{at}yahoo.com.br

EcoDebate, 30/06/2010

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