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Energias renováveis: empresas, governos e negócios da China, artigo de Antonio Silvio Hendges

[EcoDebate] 1- CARVÃO, PETRÓLEO, CHUVA ÁCIDA E LIXO ATÔMICO

A Revolução Industrial se baseou em fontes energéticas que não eram renováveis: no século XVIII até meados do XIX a principal fonte de energia foi o carvão. A partir daí e principalmente no século XX, o petróleo sustentou o desenvolvimento industrial e dos mercados de consumo, inclusive nos países do “socialismo real” do leste europeu e da ex URSS, que eram (e continuam) tão dependentes do petróleo e das fontes não renováveis como os países capitalistas ocidentais.

Durante a Revolução Industrial e a internacionalização dos capitais, as experiências relacionadas com as fontes alternativas e a conservação energética foram localizadas, experimentais, sem projetos integrados e viáveis. As energias renováveis e auto sustentáveis não passavam de boas idéias, experimentos interessantes que pertenciam a um futuro exótico e de difícil visualização, utopias do mundo da física, passatempos de curiosos geniais. A natureza, assim como a disponibilidade de energia pareciam inesgotáveis, estando o desenvolvimento e o progresso contínuos garantidos, bem como o crescimento econômico dos agentes capitalistas ocidentais de livre mercados e seus rivais de economias planificadas do leste.


As alternativas para a geração de energia elétrica, indispensável ao desenvolvimento industrial e tecnológico, tinham (e tem) como principais fontes as hidrelétricas, que requerem grandes áreas inundadas, a destruição de riquezas naturais e de culturas locais; usinas nucleares, em que os riscos de acidentes graves são constantes e o lixo atômico um efeito colateral de difícil solução; e as termoelétricas, que utilizam carvão vegetal e são poluidoras do ar, causando chuvas ácidas em amplos territórios.

Nos anos 60 do século XX iniciou-se um processo de revisão dos valores, métodos, padrões, leis e costumes que geriam a sociedade, inclusive as relações de produção e consumo. Eram atitudes e movimentos mais idealistas que pragmáticos, contestatórios, populares, que se identificavam com o consumo alternativo, defesa do meio ambiente, combate aos preconceitos, solidariedade internacional, multiculturalismo, liberdades pessoais e direitos humanos. “Um movimento de massas surgiu demandando que políticas destrutivas de todos os tipos fossem modificadas” (SILVERSTEIN, 1993, p. 18). Um dos principais alvos das críticas e do ativismo destes movimentos eram as corporações industriais e financeiras e seus métodos de produção, armazenamento, transporte, comercialização e financiamento, que estimulavam o desperdício, inclusive de energia, mascarando o valor dos produtos e tornando-os altamente poluentes.

2 – SOL, VENTOS, ONDAS E… PETRÓLEO

Com o novo contexto, começa a tornar-se viável um mercado alternativo para produtos e empresas que evitam o desperdício, estando o valor agregado na possibilidade de se produzir mais com as mesmas matérias primas e o aumento da eficiência energética, adequando a produção para mercados mais exigentes quanto às origens e destinos finais dos produtos. Nos anos 70 e 80 do século XX muitos empreendedores, principalmente no Japão e na Alemanha, foram bastante eficientes em aumentar a produção de bens e serviços sem desperdiçar recursos energéticos e insumos. Investimentos em pesquisas, tecnologias e programas educativos de conservação permitiram melhorar a eficiência na utilização da energia, desenvolver fontes energéticas alternativas e racionalizar o consumo. Isto contribuiu para tornar estes países competitivos no mercado global, enquanto seus trabalhadores possuíam boa qualidade de vida, com salários altos e direitos sociais assegurados.

As sucessivas crises causadas pela oscilação dos preços do petróleo, a instabilidade de muitos países produtores e a possibilidade concreta de esgotamento deste recurso natural não renovável, obrigou empresas e governos a investir em pesquisas de fontes alternativas, principalmente renováveis como eólica, solar, biomassa, maremotriz, conversão de energia térmica oceânica (OTEC) e células combustíveis. O metano de aterros sanitários também pode ser utilizado para produção de energia elétrica, gerando inclusive recursos para os empreendedores através dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpos (MDL).

O fortalecimento de mercados que valorizam a eficiência pode consolidar muitos investimentos voltados para a conservação e geração alternativa de energias, estimulando a ampliação da demanda de tecnologias, produtos e serviços que utilizam estas fontes. É quase unânime que as energias renováveis são uma alternativa segura para a racionalização da produção, armazenamento e distribuição de mercadorias e serviços, sendo suas possibilidades extensíveis para muitas atividades, inclusive o transporte público, iluminação e geração complementar da demanda tradicional.

O desenvolvimento das energias renováveis estará cada vez mais na pauta de governos e empresas, desde pequenos investimentos locais, até grandes projetos que serão essenciais para a competitividade e o bom funcionamento de atividades indispensáveis como iluminação, transporte, aquecimento e conservação. No entanto, neste início de século XXI o modelo energético ainda está dependente das fontes não renováveis (petróleo, carvão, gás natural).

3 – EMPRESAS, GOVERNOS & NEGÓCIOS DA CHINA

Mas grandes investimentos estão programados por empresas e governos para nos próximos anos ampliar consideravelmente o consumo de energias renováveis. Nos EUA, a proposta de governo de Barack Obama prevê investir 150 bilhões de dólares em projetos de desenvolvimento econômico que respeitem o meio ambiente, sendo grande parte destes investimentos em geração e pesquisa de energias renováveis. Grandes investimentos em geração de energia termossolar nos EUA estão principalmente na Califórnia e Arizona. O custo para adotar até 2030 uma matriz energética renovável nos EUA é de aproximadamente 3,86 trilhões de dólares e para o planeta inteiro, 20 trilhões de dólares (ALVES, 2010. Disponível em: http://www.ecodebate.com.br/2010/05/2010/05/14/a-corrida-do-ouro-da-energia-renovavel-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/). Grandes investimentos na geração de energia termossolar na Espanha, principalmente na Andaluzia, onde está a PS20, maior torre solar em funcionamento, com capacidade para abastecer 10 mil residências, e em Sevilha onde está a usina Solúcar do grupo espanhol Abengoa, a mais atualizada estrutura da indústria solar, servem de protótipos para projetos e sistemas ousados de geração e distribuição de energia neste século XXI.

O mais ousado destes projetos é o Desertec, que propõe fornecer para a Europa energia termossolar a partir de usinas instaladas no norte da África. O Desertec não é exatamente um projeto ou empresa, é mais um mecanismo articulador das possibilidades. Como expressou seu presidente executivo Paul Van Son: “Nós não somos investidores e não somos desenvolvedores de projetos. Nós somos uma ideia, um movimento”. (Disponível em: http://www.ecodebate.com.br/2010/06/2010/06/04/energia-termossolar-projeto-desertec-de-extrair-energia-solar-do-deserto-ganha-forma/). Quem movimenta esta ideia, investe e desenvolve projetos é um consórcio de 12 empresas que em 2009 inauguraram a Iniciativa Industrial Desertec. Os principais participantes desta iniciativa são a Munich Re, Siemens, E.on, RWE, Deutsche Bank, e outras especializadas em equipamentos, serviços e projetos como Erlangen, Flagsol, Solar Millenniun e Schott Solar. A iniciativa do projeto Desertec é principalmente das empresas alemãs, que controlam um terço do mercado mundial de energia termossolar, com apoio da Agencia Alemã para a Cooperação Técnica (GTZ), que está tratando de amenizar as questões entre os cristãos ocidentais e o islã norte africano. Como complementou Paul Van Son: “Então nós entregaremos tudo ao mercado”. Outros projetos inovadores que utilizam o diferencial das temperaturas da superfície e do fundo do oceano para gerar energia elétrica (Ocean Thermal Energy Conversion – OTEC) estão sendo implantados em ilhas do Pacífico (Nova Caledônia, Vanuatu, Polinésia Francesa). Também existem estudos para o aproveitamento da energia mecânica das marés, sendo o Parque de Ondas de Aguçadouro em Povoa do Varzim, Portugal, o empreendimento mais avançado.

O governo da China é atualmente o maior investidor em energias renováveis e suas tecnologias com um investimento provável de 34 bilhões de dólares em 2009. Uma das metas chinesas é ter 100 mil megawatts de capacidade instalada de energia eólica até 2020. Os investimentos e pesquisas dos chineses também são direcionados para a criação de uma indústria de equipamentos e serviços em energias renováveis e alternativas, possibilitando avançar na substituição de sua matriz energética (uma das mais poluentes, movida principalmente a carvão) e tornar-se uma liderança internacional neste setor.

O Brasil é um dos principais participantes deste clube de investidores em alternativas energéticas sustentáveis e investiu 13,2 bilhões de reais em 2009, ficando em quinto lugar entre os países do G-20. Estes investimentos foram principalmente em biocombustíveis, setor em que o país é liderança mundial: metade da demanda de combustíveis em veículos leves do país é de etanol e os veículos flex-fuel, que utilizam combinação de gasolina e etanol são 34% da frota. Está prevista a instalação de 43 novas usinas de biodiesel e 78 usinas de etanol nos próximos anos. A expansão da energia eólica deve ter um investimento de 9,4 bilhões em 71 empreendimentos, possibilitando acrescentar ao Sistema Interligado Nacional 1.805,7 megawatts, porém, existem poucos empreendimentos, pesquisas, tecnologias e projetos em energia solar. Novas usinas hidrelétricas também estão para serem construídas, apesar dos inconvenientes ambientais e sociais que causam. O Brasil está bem situado na utilização de energias sustentáveis, com 47% de sua matriz energética originada em fontes renováveis. “Os produtos da cana de açúcar, o etanol e o bagaço da cana, passaram a ocupar o primeiro lugar na matriz brasileira em 2007 e deslocaram a energia hidráulica para a segunda posição” (Brasil 2009, publicação informativa da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, p. 28).

Mas fontes renováveis não significam que sejam ecologicamente equilibradas e/ou economicamente justas, podendo originar passivos ambientais e sociais que em algumas situações podem comprometer a sustentabilidade geral de regiões e municípios. Apesar do zoneamento agroecológico da cana de açúcar que impede investimentos e cultivos em biomas como a Amazônia, Pantanal, e Mata Atlântica, da redução das queimadas nas áreas de cultivo, dos progressos trabalhistas através do Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana de Açúcar, da Política Nacional sobre Mudança Climática que prevê redução entre 36% e 39% dos gases de efeito estufa até 2020, o Brasil enfrenta diversos problemas ambientais e agrários relacionados com o seu programa de biocombustíveis. A construção de algumas hidrelétricas também está sob contestação da sociedade e do Ministério Público, que consideram os benefícios de longo prazo menores que os prejuízos ambientais e sociais imediatos (de longo prazo também).

4 – USUÁRIOS, CLIENTES, CONSUMIDORES E CIDADÃOS

Com a diminuição das reservas de petróleo, carvão e gás, certamente a utilização de energias de fontes renováveis será o caminho para garantir o abastecimento necessário ao desenvolvimento tecnológico, produção, armazenagem, transporte, comercialização e serviços indispensáveis às sociedades do século XXI. As grandes empresas e governos estão com seus negócios, investimentos e sonhos apontados na direção do sol, do mar, dos ventos e dos trópicos, onde tudo que se planta dá. Grandes investimentos que certamente visam lucratividade para os investidores, mas que podem possibilitar um futuro mais limpo e saudável para os consumidores e usuários dos serviços de geração e distribuição de energia.

Os cidadãos podem pressionar os poderes públicos para que ações concretas de apoio ao uso de energias sustentáveis sejam implementadas: Legislação adequada ao aproveitamento de energias alternativas nas novas construções, incentivos fiscais para empresas e cidadãos que realizarem investimentos em suas instalações e residências, financiamentos à adequação de instalações consumidoras, programas de racionalização e conservação de recursos energéticos, incentivos a pesquisadores e indústrias de equipamentos, capacitação profissional para os setores de geração, armazenamento e distribuição de energias renováveis, formação de conselhos de usuários e consumidores de energia, e vontade política para enfrentar desafios essenciais ao século XXI (e aos próximos) é um caminho que necessariamente terá de ser construído por processos democráticos e participativos, ou seja, por mim e por você(s).

Indispensável destacar que experiências autônomas e autosuficientes em residências, empresas e pequenas comunidades também são essenciais para a racionalização do consumo, custos e produção, contribuindo para novas tecnologias, o desenvolvimento sustentável e o bem estar coletivo.

5 – REFERÊNCIAS

ALVES, José Eustáquio Diniz. A corrida do ouro da energia renovável. Disponível em: www.ecodebate.com.br. Acesso em 14 mai. 2010.

Conversão de Energia Térmica Oceânica: Empresas começam a explorar a energia dos oceanos. Reportagem do International Herald Tribune. Tradução de Eloise De Vylder. Disponível em: www.ecodebate.com.br. Acesso em 25 mai. 2010.

Energia termossolar: Projeto Desertec de extrair energia solar do deserto ganha forma. Reportagem do Der Spiegel no UOL Notícias. Tradução de George El Khouri Andolfato. Disponível em: www.ecodebate.com.br. Acesso em 04 jun. 2010.

FRUTUOSO, Suzane; MAMBRINI, Verônica. A Energia da Natureza. ISTO É. São Paulo, n. 2041. p. 81-87, 17 dez. 2008.

SILVERSTEIN, Michael. A Revolução Ambiental. 1. ed. Rio de Janeiro: Nórdica, 1993.

* Colaboração de Antonio Silvio Hendges [E-mail: as.hendges{at}gmail.com], Professor de Biologia e Agente Educacional no RS, para o EcoDebate, 23/06/2010

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