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Parar de desmatar por quê? A pedagogia tabajara e a impunidade, artigo de Renata Camargo

Parar de desmatar por quê?

“Apelar para a consciência moral daqueles que agem de má-fé como forma de pedagogia para reduzir o desmatamento está mais para piada de mau gosto, do que para uma proposta séria”

[Congresso em Foco] As coisas na política brasileira funcionam, muitas vezes, sob uma lógica tabajara – ou seja, uma lógica que, além de esdrúxula, parece piada. Na contramão do interesse nacional, que demanda maior rigor em relação aos que cometem graves crimes ambientais, o Congresso estuda passar a borracha sobre bilhões em multas aplicados contra grandes crimes de desmatamento cometidos até 22 de julho de 2008.

A lógica anacrônica segue a linha da impunidade. É fato que existe hoje um problema real no campo. Muitas multas ambientais foram aplicadas a partir de um legado de normas complexo e confuso, em um contexto de uma real falta de conhecimento das leis por parte dos infratores e de incentivo à cultura do “limpar o terreno”, que seria retirar a vegetação, desmatar. Por isso, e por outros motivos, há necessidade de se reverem as sanções aplicadas. Mas não é o caso de um perdão generalizado que iguala quem agiu de boa-fé com aqueles que agiram de má-fé.


Foi justamente no dia 22 de julho de 2008 que o presidente Lula, ao assinar o decreto de crimes ambientais, disse que não havia “bordoada melhor” contra desmatadores “picaretas” do que uma multa pesada. Lula se referia à importância pedagógica de se aplicar uma sanção que atinge diretamente onde dói mais, o bolso, para coibir grandes criminosos ambientais, que sabem que estão infringindo as leis.

Dois anos após essa declaração do presidente, a lógica do maior rigor contra crimes ambientais foi invertida. Com apoio de parlamentares da base e da oposição, uma proposta distorcida de moratória a multas por desmatamento ilegal está contida no relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), apresentado na comissão especial para debater mudanças no Código Florestal. No parecer, Aldo suspende as sanções por cinco anos e estabelece esse prazo para que os proprietários rurais regularizem ambientalmente suas terras.

Há dois problemas graves aí. O primeiro é igualar o desmatamento de um hectare de terra com o desmatamento de 7 mil hectares. Ambos são infração, mas a dimensão ambiental das duas ações é incomparável. O segundo é propor uma suspensão, por um determinado período, da cobrança de multa, que, na prática, se configurará em anistia declarada a multas milionárias. Ou seja, os “picaretas” que deveriam temer como a “bordoada” serão perdoados das multas pesadas e ganharão uma carta de alforria para, até mesmo, ter acesso a incentivos concedidos pelo Estado.
Em nota distribuída à imprensa, Aldo Rebelo afirma que não se trata de anistia, pois sua proposta é suspender as multas até que o dono da terra regularize ambientalmente sua propriedade. O proprietário deve fazer isso por meio de um programa de regularização que será criado por órgãos nos estados. Esse programa, no entanto, poderá estabelecer outros limites e obrigações ambientais e, em consequência, não haverá mais base legal para cobrar multas cometidas no passado.

Ainda assim, os proponentes dessa moratória distorcida dizem que não se trata de anistia a multas nem de perdão de dívida e atribuem a essa proposta um “caráter pedagógico”. Afirmam que, durante o período de moratória – que será de cinco anos –, os que desmataram ilegalmente ficarão na incerteza quanto ao pagamento da multa. Essa incerteza manterá uma força de coação em relação a novos desmatamentos e uma pressão pela regularização mais rápida. Mas será que quem tirou vantagens em desmatar e não ser punido irá se inibir de cometer novos delitos?

Em 2007, no auge do desmatamento no país, quando foram aplicados R$ 2,57 bilhões em multa, o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) divulgou a tese de que a cobrança de multas pode zerar o desmatamento. Segundo o instituto, aumentar em 28 vezes a eficiência de arrecadação de multas emitidas pelo Ibama (que, na época, era de 2,5%) seria suficiente para reduzir a zero o desmatamento ilegal. O Imazon atentava, inclusive, que não seria necessária uma eficiência de cobrança de 100%.

No ano passado, essa mesma ONG divulgou que apenas 14% dos processos sobre crimes ambientais na Amazônia resultam em algum tipo de responsabilização de quem cometeu a infração. De acordo com o instituto, de 51 casos de crimes ambientais cometidos no Pará acompanhados pela pesquisa em 2009, pelo menos 15% dos processos prescreveram.

Tendo em vista que desmatar sai mais barato do que usar tecnologia para aumentar a produtividade, que os processos por crimes ambientais têm alto índice de prescrição e pouco de punibilidade e que, de tempos em tempos, poderá ser proposta uma renegociação de dívidas ou uma anistia a multas, por que deixar de desmatar? Apelar para a consciência moral daqueles que agem de má-fé como forma de pedagogia para reduzir o desmatamento está mais para piada de mau gosto, do que para uma proposta séria.

*Formada em Jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB), Renata Camargo é especialista em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pelo CDS/UnB. Já atuou como repórter nos jornais Correio Braziliense, CorreioWeb e Jornal do Brasil e como assessora de imprensa na Universidade de Brasília e Embaixada da Venezuela. Trabalha no Congresso em Foco desde 2008.

Artigo originalmente publicado no sítio Correio em Foco.

EcoDebate, 18/06/2010

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4 thoughts on “Parar de desmatar por quê? A pedagogia tabajara e a impunidade, artigo de Renata Camargo

  • Francisco Mauro Rodrigues Pinto

    Aconteceu. Acontece e continuará a acontecer tais disparartes enquanto não houver a promoção de uma “limpeza no terreno” não só do Congresso mas, principalmente no da cultura da preservação ambiental. Se é que ele existe… É por essas e outras que o meio ambiente encontra-se agonizante.
    A bola da vez, o “x” da questão… meio ambiente, embora caiba na palma da mão. Entre tantos não cabe dentro do coração? De vez em quando, quando paira no ar a ameaça, qualquer que seja, de se quebrar uma rotina, surge, não se identifica facilmente de onde, um tema novo que normalmente, provoca o esvaziamento da referida ameaça redirecionando de forma prodigiosa, como parte de uma bela estratégia o foco da sociedade, ou daqueles, se em número suficientemente grande para preocupar o “planejamento de manutenção controlada” daquela rotina. Enfim, há sempre um assunto mais alvissareiro que o atual, pronto para desviar a atenção da verdade, nem sempre consistente dos fatos. Por isso temos de agir rápido e este artigo veio a calhar, pois chama a atenção antes que o momento passe.
    Assim o é quando se perde uma copa do mundo de futebol; quando se tem uma queda brusca na economia; quando da ocorrência de grandes desastres ambientais; quando do cometimento de grandes crimes contra a mãe natureza, não muito mais reconhecida como tal por seus filhos; quando se precipitam as “descobertas” dos escândalos financeiros, políticos, morais, religiosos, éticos, ambientais, etc.
    Mas, de vez em quando, o martelar constante do apelo para que tenhamos uma sobrevivência menos impactante, do ponto de vista globalizado e cujos reflexos geram fatores exógenos negativos, punitivos e dominadores diretamente na vertente do eu, surge, ou ressurge, assuntos ou melhor catástrofes que dominam, em parte, a discussão por aqueles que podem e devem propor e tomar decisões a respeito da minimização de seus efeitos, os governistas de todo o mundo.
    E assim o meio ambiente segue capengando…
    Não nos esqueçamos de que por trás da forma política e/ou politiqueira de se planejar tais medidas, permeia o risco de que os resultados esperados, na maioria das vezes, traduzam-se, na prática, em nichos de armadilhas que permitam e até favoreçam o emperramento dos fins propostos ou das decisões objetivas e de caráter definitivo. Decisões políticas e de caráter definitivo aliás, normalmente, não é de praxe na classe política.
    E assim, paulatinamente, corre-se o risco de que os resultados do desenvolvimento de estratégias interessantes, até mesmo do ponto de vista tecnológico, propiciem, cada vez mais a sustentabilidade do interesse individual ou do capital, ao serem utilizadas, na prática, como partículas sitiantes do meio ambiente. Fato corriqueiro em mutios municípios bradileiros e que nem sempre são divulgados e\ou provados facilmente, restando apenas a ferida ambiental.
    Embora o equilíbrio ambiental tenha o seu fiel na relação interdependente entre o ser humano e o meio ambiente, assertiva esta de conhecimento de todos, dia não há, em que não seja estampado na mídia, sob todas os formatos possíveis, noticias, nas quais predominam crimes praticados contra a natureza e, de maneira alguma podemos afirmar que tais atos são portadores da promissoriedade do futuro. Muito pelo contrário…
    A Terra, inocente ou ingênua, talvez imatura ou excessivamente confiante, tal qual uma Mãe, entregou-se despudoradamente aos prazeres dos embalos tecnológicos… Sem zelos maiores, adoeceu.
    Moribunda, contraiu um vírus cuja capacidade de se manter instalado e, cada vez mais pernicioso, perpassa pela sensibilidade da consciência ambiental da sociedade tornando-se assim dependente, em muito, da ação do homem, tais como: desmatamentos, erros crítico no uso indiscriminado da água potável, “descuidos” nas emissões atmosféricas, cultura do desperdício, geração descontrolada de lixo, combate deficiente às infrações ambientais, ineficiência dos processos, etc…
    Ações isoladas, como remédio caseiro, aliviam momentaneamente os efeitos deste mal. Mas é preciso muito mais… Se o planeta experimenta dolorosamente uma metamorfose, deliberadamente provocada pelo homem, cujo resultado desastroso, as mudanças climáticas, não mais assustam, pós-impacto inicial da noticia, resta-nos então insistirmos nessas pequenas ações na tentativa de minimizarmos a ocorrência de bruscas mudanças em nosso cenário territorialesco e, para tanto, já não é satisfatório somente o pensar em como fazer para que tal aconteça, mas sim o agir de imediato em todas as escalas possíveis oportunizando assim a verticalização da cooperação como uma das formas eficientes de enfrentamento da cultura do consumismo.
    Acredito sempre que, embora a distância entre o tempo esteja cada vez menor, ainda temos tempo para refletir, e, principalmente, concluir que podemos e devemos estagnar com os excessos e reiniciarmos sem exageros, a fim de pouparmos o tempo e recuperarmos o equilíbrio vital, que se traduz em comprometimento com a vida, nossa e de todos os demais seres, ou será necessário tragédias maiores para entendermos a importância das pequeninas ações que não praticamos?

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