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Cadastro de doadores de medula óssea cresce, mas ainda precisa ser muito maior

doadores de medula óssea
Infográfico do Correio Braziliense. Para acessar o infográfico no tamanho original clique aqui.

Quem opta pelo procedimento, que é seguro e simples, pode salvar alguém da morte. Só os novos casos de leucemia, em 2010, devem chegar a 9.580

No intervalo de menos de 90 dias, Rita de Lourdes Bueno Garcia, 44 anos, passou da condição de uma mulher sadia para a de uma pessoa condenada à morte. Quando, em dezembro de 2003, ela entrou no consultório médico, ouviu a frase: “Você está para morrer”. Portadora de mielodisplasia, doença caracterizada pela falência progressiva da medula óssea, ela tinha apenas um mês para ser salva.

Na batalha contra o tempo, Rita venceu, graças à irmã, Ângela Aparecida, 48 anos, que doou sua medula para o transplante. Nem todas as vítimas de doenças sanguíneas, porém, têm a mesma sorte. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), até julho de 2008, 5,6 mil brasileiros morreram, à espera de um doador. O número de pessoas que precisam de um transplante é estimado em 5 mil, mas, a cada ano, pode aumentar. Somente em 2010, por exemplo, os novos casos de leucemia, uma das diversas patologias relacionadas ao sangue, devem chegar a 9.580. Reportagem de Paloma Oliveto, no Correio Braziliense.

Para os pacientes, o transplante pode ser a única esperança de sobrevivência. Porém, a expectativa esbarra na falta de compatibilidade. Para a medula não ser rejeitada pelo organismo, o material genético do doador e o do receptor têm de ser o mais semelhante possível — é por isso que, geralmente, a doação costuma ocorrer entre irmãos. Segundo o Inca, a chance de se encontrar uma medula compatível é de uma em 100 mil.

Essa proporção desfavorável, porém, pode mudar. Quanto maior a oferta de medulas ósseas para doação, maior a probabilidade de um paciente conseguir achar, mesmo que do outro lado do mundo, alguém compatível. Atualmente, há 1,4 milhão de pessoas cadastradas no Registro Brasileiro de Doadores de Medula Óssea (Redome), instalado no Inca. O número de gente disposta a ajudar vem aumentando. Se, em 2003, o Redome oferecia apenas 11% do material utilizado para os transplantes, hoje, o percentual já é de 60%. No ano passado, as chances aumentaram para os brasileiros, pois o país passou a integrar o National Marrow Donor Program, maior rede de registros de doadores de medula óssea do mundo, que permite a permuta do material entre as nações participantes.

Apesar do maior interesse na doação e da adesão do Brasil ao banco de dados internacionais, ainda falta muito para garantir a sobrevivência dos pacientes que precisam de um transplante. “O número de pessoas dispostas a doar ainda não supriu a necessidade real”, diz a farmacêutica bioquímica Maria Ordália Ferro Barbosa, presidenta do 37º Congresso Brasileiro de Análises Clínicas e do 10º Congresso Brasileiro de Citologia Clínica, que começam hoje em Goiânia. No evento, será lançada uma campanha de doação entre os participantes. “Temos 4 mil inscritos. Se um quarto deles aderir, já será excelente”, diz a presidente.

De acordo com a farmacêutica bioquímica, o maior entrave para o aumento do número de doadores é a desinformação. “Em primeiro lugar, as pessoas confundem medula óssea com medula espinhal. Acham que, para doar, têm de tirar um pedaço da coluna, e acabam se assustando”, diz. “Na verdade, a medula óssea é outra coisa. É um tecido líquido, gelatinoso, que fica dentro do osso”, explica. Nesse líquido, também conhecido como tutano, o organismo fabrica os elementos do sangue, como leucócitos, hemácias e plaquetas.

Riscos mínimos
A doação é um procedimento simples, realizado com segurança. O doador recebe anestesia em um centro cirúrgico. Depois, o cirurgião faz punções com agulhas nos ossos posteriores da bacia e aspira a medula. O volume máximo retirado é de 15%, quantidade que se recompõe naturalmente em poucos dias. “Na doação, o que se faz é tirar um pouco das células do sangue, que logo depois volta ao normal. A pessoa pode doar a medula óssea quantas vezes quiser”, esclarece Ana Lúcia Cornacchioni, oncohematologista do Instituto de Tratamento do Câncer Infantil, de São Paulo, e membro do comitê científico da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia. Também não há comprometimentos à saúde do doador — os riscos são os de qualquer procedimento que exige anestesia, como, por exemplo, a extração de um dente. Em média, são necessários apenas sete dias para voltar às atividades normais.

Outra informação praticamente desconhecida é que o fato de uma pessoa se cadastrar no Redome não significa que ela terá, necessariamente, de doar a medula óssea. Quando decide entrar para o banco de dados, o indivíduo deve ir ao hemocentro, onde são coletados entre 5ml e 10ml de sangue. A amostra é analisada do ponto de vista genético e as informações vão para o cadastro de doadores. Todas as vezes em que um novo paciente precisa do material, o Redome verifica a compatibilidade genética, a partir dos dados armazenados. Se for identificado um doador em potencial, este é consultado. Caso desista de doar, ele não é obrigado a se submeter ao procedimento.

“Quando você fala que vai doar, na verdade você não vai ao hemocentro fazer a doação. Na verdade, você vai só se inscrever. Ninguém vai tirar a sua medula óssea”, enfatiza Ana Lúcia Cornacchioni. Ela mesma está no registro brasileiro há 10 anos e nunca houve um paciente compatível para que a médica tivesse a oportunidade de doar a medula óssea.

“O Brasil é um país muito miscigenado, o que dificulta o encontro de um doador compatível. Por isso, quanto mais pessoas se cadastrarem, maior a oportunidade de um paciente se beneficiar”, lembra a oncologista. “Além disso, quanto maior o registro, maior a possibilidade de os bancos internacionais fazerem permutas de material com o Brasil. Se você tem um paciente com ascendência inca ou asteca, por exemplo, é mais difícil achar alguém compatível, pois trata-se de etnias muito restritas. Então, é necessário aumentar as opções de doadores nos bancos mundiais”, diz Ana Lúcia Cornacchioni, que torce para um dia conseguir doar a medula óssea. “Para mim, vai ser uma grande alegria. Ajudar a curar alguém é muito recompensador.”

Emoção
Sempre que conversam sobre o transplante ao qual foi submetida há quase 10 anos, Rita de Lourdes e Ângela Aparecida se emocionam. “Ela me deu a vida de volta”, diz Rita, sobre a irmã mais velha. O sofrimento pelo qual a vítima de mielodisplasia passou é uma amostra das dificuldades enfrentadas por pessoas que sofrem com doenças sanguíneas.

Em 22 de setembro de 2003, Rita sentiu uma fraqueza profunda e não conseguia mais andar. Hospitalizada, fez vários exames, mas a médica que a atendeu disse que não era nada grave. “Ela falou que era só uma anemia. Mas eu tinha vários pontos roxos e vermelhos na pele, além de zumbido no ouvido e sangramentos frequentes. Eu sangrava dia e noite, e também suava muito”, relata. “Procurei outro médico e pedi pelo amor de Deus que me ouvisse. Ele me passou uma biópsia de medula.”

Menos de três meses depois do primeiro sintoma, numa quinta-feira de dezembro, Rita chamou os irmãos e avisou que sua vida estava por um fio. Ambos fizeram os exames de compatibilidade, sendo que o material genético de Ângela Aparecida era o mais próximo. “O médico é uma pessoa maravilhosa, um deus de bondade e sabedoria. Mas ele foi muito claro. Disse que eu teria de passar pela quimioterapia para matar o que restava da minha própria medula óssea e, se sobrevivesse, faria o transplante”, recorda Rita. Mãe de duas crianças que, à época, tinham 4 e 12 anos, ela decidiu passar o ano-novo com a família antes de se submeter às intervenções.

O transplante foi feito em 6 de janeiro em 2004. “Eu tinha uma hemorragia contínua e era muito difícil conseguir colocar o cateter. Só consegui em 28 de janeiro. Foi quase um mês de desespero. Enquanto eu esperava, vi muita gente morrendo. De 15 que fizeram o transplante ao mesmo tempo que eu, só dois sobreviveram. Não é fácil”, conta. No hospital, Rita conheceu a história de pessoas cujos próprios familiares se negaram a doar a medula óssea. “As pessoas têm de saber que, para quem doa, não é perigoso nem dolorido. Minha irmã, por exemplo, estava dirigindo normalmente na mesma semana. Para o doador, é muito simples. Para quem precisa, significa a vida”, resume.

O número: 5 mil – Número de brasileiros que estão hoje à espera de um transplante de medula óssea

EcoDebate, 17/05/2010

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