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O Brasil/Nordeste NÃO precisa da eletricidade nuclear, por Heitor Scalambrini Costa

Pronunciamento do Prof. Dr. Heitor Scalambrini Costa - Universidade Federal de Pernambuco na Audiência Pública convocada pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - Câmara dos Deputados para debater a instalação de usinas nucleares no Nordeste.

Sr. Presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Deputado Jorge Khoury meus agradecimentos pelo convite e pela oportunidade de discutir tema tão relevante ao futuro de nosso país. Parabenizo o Deputado Edson Duarte pela iniciativa de propor a realização desta reunião de audiência publica. A todos os membros da mesa e aos demais presentes meu cordial bom dia.

Como professor universitário e pesquisador, considero que, talvez o maior avanço que a filosofia ou a teoria da ciência tenha alcançado em sua caminhada pela história da humanidade seja a descoberta de que não existem “verdades definitivas” quando se está produzindo um discurso científico. Dogmas e verdades absolutas são atributos importantes de outros setores da atividade humana como a religião, por exemplo.

Quando analisamos a ciência e a política, que é o caso em questão, elas se entrecruzam o tempo todo. Os governos – o mundo da política –, não raro, se valem das conclusões provisórias da ciência para produzir políticas públicas. Nesse sentido, as políticas públicas são construídas levando-se em conta, um certo nível de incerteza. Em outras palavras, os governos assumem riscos quando se decidem por este caminho, mesmo quando estão baseados no que tantas vezes se chama de “sólidas evidências científicas”.

Amanhã – como muitas vezes já ocorreu –, a ciência, de posse de novas evidências e melhores instrumentos de pesquisa, por exemplo, pode se contrapor as teorias que até então eram tidas como as que melhor explicavam a realidade. Neste caso, os governos necessitam corrigir rumos nas políticas públicas adotadas previamente.

Mesmo assim, a Ética da Responsabilidade necessariamente reinante na atividade política, para nos valermos da expressão cunhada pelo sociólogo alemão Max Weber, exige que os tomadores de decisão adotem, tendo em conta um espaço de tempo curto, este ou aquele curso de ação em face das evidências mais ou menos pujantes que se apresentam.

No caso da instalação de usinas nucleares para produzir eletricidade, não existem hoje “nem sólidas e nem pujantes evidências cientificas” que apontam na direção de usar esta tecnologia, nem no Brasil, e muito menos na região Nordeste.

Todavia, as diferentes opiniões sobre o tema, devem ser confrontadas. Nesse sentido, é nossa tarefa, discutir a exaustão as diferenças de concepção, estimular o levantamento de questionamentos pertinentes sobre a questão, e apresentar à sociedade. Se há certezas quanto a alguns pontos, excelente, vamos apresentá-los. Porém, se há dúvidas, é necessário discuti-las. E não ficar restrito a uma dezena de senhores e senhoras que tomam decisões que venham comprometer as gerações futuras.

Creio que é um consenso entre nós de que não há fonte de energia sem repercussões sociais e sem impactos ambientais, sem questões a serem resolvidas. Também é fato que o modelo econômico e de desenvolvimento adotado por um país implica em mais ou menos consumo de energia.

Portanto, senhores e senhoras, discutir quanta energia precisamos para transformar este país, e quais as opções energéticas que iremos adotar é discutir o modelo de desenvolvimento econômico-social, a concepção básica da sociedade que queremos, é discutir a democracia, a participação popular, o controle social, enfim discutir o processo decisório que leva a tomada de decisões em nosso país.

Gostaria de iniciar esta minha exposição em discutir com vocês O que é desenvolvimento sustentável?

A definição mais aceita para desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento capaz de suprir as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações. É o desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro. Essa definição surgiu em 1987 na Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pelas Nações Unidas para discutir e propor meios de harmonizar dois objetivos: o desenvolvimento econômico e a conservação ambiental. Ou seja, o desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento econômico, social, científico e cultural das sociedades garantindo mais saúde, conforto e conhecimento, sem exaurir os recursos naturais do planeta.

Para isso, todas as formas de relação do homem com a natureza devem ocorrer com o menor dano possível ao ambiente. As políticas, os sistemas de produção e consumo, a transformação, o comércio, os serviços – agricultura, indústria, turismo, mineração – têm de existir preservando a biodiversidade.

Portanto pergunto O que é preciso fazer para alcançar o desenvolvimento sustentável?

Para ser alcançado, o desenvolvimento sustentável depende de planejamento e do reconhecimento de que os recursos naturais são finitos. Esse conceito representa uma nova forma de desenvolvimento econômico, que leva em conta o meio ambiente.

Muitas vezes, desenvolvimento é confundido com crescimento econômico, que depende do consumo crescente de energia e dos recursos naturais. Esse tipo de desenvolvimento tende a ser insustentável, pois leva ao esgotamento dos recursos naturais dos quais a humanidade depende. É uma visão do desenvolvimentismo, do ‘crescimentismo’ a qualquer preço.

O desenvolvimento sustentável sugere, de fato, qualidade em vez de quantidade, com a redução do uso de matérias-primas e produtos e o aumento da reutilização e da reciclagem.

Crescimento que não se transformar em melhoria da vida das pessoas em todos os aspectos, inclusive em cuidado com a base natural do nosso desenvolvimento, não é desenvolvimento.

Ouvimos aqui e ali, setores governamentais e da sociedade argumentarem que se não forem feitas as hidrelétricas da Amazônia, as usinas nucleares no Nordeste, restará ao Brasil à energia fóssil vinda do carvão ou dos derivados do petróleo.

Será mesmo?

Há inúmeras alternativas num país como o Brasil, como a conservação e eficientização no uso da energia; a produção de energia a partir da biomassa, da energia dos ventos, da energia solar, das pequenas hidroelétricas, das marés, entre outras.

Se você concorda, com aqueles que dizem que nenhuma dessas fontes pode ser levada a sério, em grande escala, veja os números, por exemplo, da Europa. A Alemanha no final de 2009 tinha instalado 25.800 MW de energia eólica; a Espanha, 19.150 MW. Em toda União Européia, 75 mil MW. Na Dinamarca, a energia eólica já representa 20% da energia produzida; em Portugal, 15%. Os Estados Unidos têm 35 mil MW instalados de energia eólica, e somente nos últimos 5 anos instalou 25.000 MW. Para não falar de uma fonte energética somente, vejam também o aumento exponencial do uso da energia solar em várias partes do mundo, quer para o aquecimento de água, quer para a produção da eletricidade fotovoltaica.

Quanto às previsões e opções governamentais para a expansão de energia, essas contas feitas e as propostas apresentadas, são sempre bastante controversas. Existe um planejamento que avalia sempre uma demanda futura e, portanto, tenta suprir essa necessidade com a construção imediata de grandes usinas de energia.

São questionáveis as informações técnicas relacionadas à construção dos cenários utilizados para alimentar a modelagem sobre as projeções de consumo energético. Historicamente, o Setor Elétrico tem feito projeções com base na premissa do crescimento da economia baseado em taxas que geram “previsões” irreais do consumo energético. Por exemplo, em 1987, a projeção para 2005 foi 54% acima do consumo verificado. As projeções com horizontes mais curtos também sempre foram superestimadas. Por exemplo, em 1999, o consumo projetado para 2005 foi 14% maior que o ocorrido.

A correlação do aumento de consumo de eletricidade com o PIB não se comprova e, portanto não pode ser usada como norteadora do planejamento. Dificilmente o consumo de eletricidade vai crescer 5%, 10% ao ano e até mais, como foi durante os anos 1940 a 1990, quando o país estava ainda se eletrificando. Hoje, o país está praticamente eletrificado, de um modo ou de outro, embora a eletrificação por meio da rede rural ainda prossiga, e o Luz para Todos seja um investimento necessário e considerável na ampliação dos mercados para geração e distribuição.

O fato de o consumo de energia no Brasil ter sido sempre superestimado criou e cria expectativas de projetos de obras de grande porte que nunca precisariam ser construídas, e distorções que impossibilitaram, ao longo do tempo, o planejamento racional sustentável do futuro energético do país.

As projeções feitas pela Empresa de Planejamento Energético (EPE) da demanda de energia elétrica para os próximos anos indicam um forte crescimento do consumo a partir de 2010, justificadas na análise otimista das boas perspectivas para a economia brasileira no mesmo período. Em função dessa visão da economia brasileira, as projeções de demanda de energia elétrica para o período 2009-2018 partiram de uma trajetória esperada de crescimento do PIB de 0,5% em 2009, 6% em 2010 e, daí em diante, 5% ao ano, em média, entre 2011 e 2018. Estas análises estão contidas no último Plano Decenal de Expansão de Energia (PDEE), produzido pela EPE para orientar as ações e decisões relacionadas à expansão da produção de energia nos próximos dez anos.

As propostas contidas no último PDEE desnudam que a política energética do Brasil não está baseada nos interesses reais e maiores de um desenvolvimento sustentável, a curto, médio e longo prazo.

O PDEE prevê uma grande expansão nas usinas termelétricas, com a instalação 82 usinas nos próximos dez anos, 74 delas de fontes fósseis. Hoje, existem no Brasil 77 usinas térmicas instaladas, e se todas as forem concretizadas, as emissões de gases de efeito estufa provenientes de termelétricas no país subirão consideravelmente. Uma completa contradição, com o Plano de Mudanças Climáticas lançado recentemente pelo Governo Federal, se comprometendo em reduzir a emissão de gases de efeito estufa.

Quadro preocupante é o que mostra o Plano Decenal. Enquanto as usinas eólicas passarão de 0,3 para 0,9% da potência instalada no país, a biomassa (bioeletricidade) passará a responder por 2,7% (hoje, 1%), as usinas térmicas aumentarão sua participação de 0,95 para 5,7% (mais de 500%). A expansão pífia prevista para a energia eólica contrasta com as informações do INPE-Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que afirma que os ventos poderiam atender a pelo menos 60% de todo o consumo nacional de energia, já que em mais de 71 mil km2 do território nacional a velocidade dos ventos é adequada para este fim.

Logo o que se constata é que os atuais Planos de Energia Elétrica não refletem uma visão de sustentabilidade. O Governo Federal tem priorizado obras de grande porte e alto impacto negativo para a sociedade e o ambiente, além de privilegiar tecnologias caras e ultrapassadas. Desta forma, reproduz um modelo energético arcaico, não traz avanços para o setor e agrava os problemas já existentes. O Brasil pode e deve promover um modelo energético sustentável nacional e regional e assumir uma posição de destaque internacional ao desenvolver seu enorme potencial em eficiência energética e usar as energias renováveis.

Os custos econômicos, ambientais e sociais de usinas nucleares no Nordeste, assim como de hidroelétricas na Amazônia, são altíssimos, e nada pode explicar tamanha insistência com projetos tão desnecessários para o país e tão ineficazes em termos de geração de energia elétrica.

Para nortear esse debate, deixemos claro que quando falamos do uso da energia nuclear nos referimos às inúmeras aplicações pacíficas desta fonte de energia que somos favoráveis, como por exemplo:

No campo médico é usada na radiologia convencional, na mamografia, na tomografia computadorizada, na radiografia dental panorâmica, na angiografia digital, etc. O uso de radiofármacos, podem ser usados tanto no diagnóstico como na terapia.

Na indústria também tem uma infinidade de aplicações, como o RX de soldas. Na indústria farmacêutica para a esterilização com a irradiação de materiais plásticos (seringas, luvas,etc.). A irradiação de plásticos para o aumento de sua dureza na indústria automobilística (parachoques).

Na arqueologia e a na história é usado para a datação de suas peças.

Na agricultura o principal uso é na irradiação de alimentos, em especial frutas e legumes, como forma de conservá-las.

Mas é sobre a produção de energia elétrica nas usinas nucleares que falarei aqui, e tentarei responder a pergunta se a energia nuclear para produção de eletricidade é uma boa solução para o Brasil, e particularmente para o Nordeste?

Atualmente, a energia nuclear corresponde a menos de 2 % da produção energética brasileira, gerada pelas usinas Angra 1 com 657 megawatts, e Angra 2 com 1.350 megawatts. Mundialmente a energia nuclear é responsável por aproximadamente 16% da demanda total de eletricidade.

A intenção declarada pelo governo com a reativação do Programa Nuclear é de aumentar a capacidade nuclear com a instalação de Angra 3, e com a construção de quatro novas usinas até 2030, sendo duas na região Nordeste e outras duas no Sudeste, conforme propõe o Plano Nacional de Energia 2030 – Estratégia para a Expansão da Oferta, apresentado pela EPE.

A elaboração destes planos de expansão de oferta energética, senhoras e senhores, sofre de um erro de origem: a ausência da sociedade no debate da questão energética, e sua efetiva participação no processo decisório. A ampliação do espaço de debate é fundamental para tornar politicamente sustentável o processo de decisão. O debate energético não pode permanecer confinado nas mesas e gabinetes de “experts”, hábeis na manipulação de números e de conceitos, buscando na epistemologia das ciências a legitimação das decisões que afetam toda a sociedade.

Devemos levar em conta que tanto no Brasil, como em outros países do mundo historicamente, a relação entre o uso da energia nuclear para fins energéticos e para fins militares é muito estreita. O Programa Nuclear Brasileiro surgiu durante a ditadura militar e até hoje atende demandas de alguns setores das forças armadas, fascinados pelo poder que a energia nuclear lhes traz. Outros grupos de interesse que fazem “lobby” são os setores industriais “preocupados” com o risco de um apagão (a instalação de usinas nucleares não vai afastar o risco do apagão nos próximos quatro anos ou cinco anos), grupos de cientistas pelo prestígio e oportunidades de novas pesquisas e pelo comando do processo, os fornecedores de equipamentos e as empreiteiras, por motivos óbvios.

Senhoras e senhores, não existe uma fonte de energia que só tenha vantagens. Não há energia sem controvérsia, mas a nuclear, pelo poder destruidor que tem qualquer vazamento, merece e deve ser discutida mais amplamente pela sociedade, do que feita apenas pelo Conselho Nacional de Política Energética – CNPE.

Para responder a questão se “a energia nuclear é uma boa solução para o Brasil e para o Nordeste?”, caberia discutir se essa alternativa de geração de energia elétrica é econômica, segura e ambientalmente limpa. Esse debate é que temos que fazer com a sociedade.

Minha resposta é fácil: NÃO, pelas seguintes razões:

Sobre a economicidade dessas usinas núcleo-elétricas, segundo os estudos da EPE, o custo da eletricidade nuclear de Angra 3 ficará em torno de R$ 138/MWh (são mencionados valores de até R$144/MWh), abaixo dos custos de termoelétricas a gás e carvão importado, e abaixo dos custos da eletricidade eólica (R$ 240) e solar (R$ 1.798).

A título de comparação de custos, a energia da hidrelétrica de Santo Antônio, foi negociada a uma tarifa de R$ 79/MWh, a hidrelétrica de Jirau, o preço foi de R$ 91/MWh (ambas no Rio Madeira), a hidrelétrica de Belo Monte (Rio Xingu), o preço foi de R$ 78,00/MWh, e o resultado do primeiro leilão de energia eólica no Brasil deixaram o MWh em torno de R$ 148. Bem mais reduzido que o apontado pela EPE para justificar a suposta viabilidade econômica da opção nuclear.

Ainda sobre Angra 3 a Eletronuclear informa que o empreendimento custará R$ 7,3 bilhões, sendo que 70% do financiamento virão de recursos do BNDES e fontes estatais, e os outros 30% de investidores internacionais. Quem chegou a estes custos foi a empresa suíça AF-Colenco, especializada na área de tecnologia para empreendimentos energéticos e de infra-estrutura que trazem grande impacto ambiental, contratada em 2007 pelo governo brasileiro para fazer os cálculos dos custos de construção da usina nuclear Angra 3.

De acordo com a análise realizada pela empresa suíça, o custo total do empreendimento ficaria em torno de R$ 7,3 bilhões. Este valor é contestado por organizações do movimento sócio-ambientalista, respaldado por estudos realizados por membros da Academia. O Greenpeace Brasil apresentou um estudo – intitulado “Elefante Branco, Os Verdadeiros Custos da Energia Nuclear” – no qual contesta o empreendimento como um todo e os custos estipulados pela AF-Colenco, em particular. De acordo com estes estudos, o custo real da construção de Angra 3 será pelo menos R$ 2,3 bilhões mais elevado do que o estimado pela empresa suíça. Portanto, o total de capital necessário para finalizar Angra 3 no prazo previsto é de R$ 9,57 bilhões, incluídos os juros e financiamento do período de construção, sem contar R$ 1,5 bilhão gastos até agora.

Também nesse estudo é contestado o prazo de 66 meses estipulado pelo Ministério das Minas e Energia (MME) para a entrada em operação da usina. O governo fez uma estimativa de 30% de progresso já existente na construção de Angra 3. Ainda assim, os 70% restantes consumiriam pelo menos mais 96 meses, conforme o documento do Greenpeace.

As condições de financiamento são controversas, já que a Eletronuclear assumiu uma taxa de retorno para o investimento entre 8% e 10% – muito abaixo das praticadas pelo mercado, que variam de 12% a 18%. Somente uma taxa de retorno tão baixa pode viabilizar a tarifa de R$ 138/MWh anunciada pelo governo federal para essa usina. A operação a baixas taxas de juros revela o subsídio estatal à construção de Angra 3. Os subsídios governamentais ocultos no projeto dessa usina nuclear são perversos, porque serão disfarçados nas contas de luz. Se isso se verificar quem vai pagar a conta seremos nós os usuários, que já pagamos uma das mais altas tarifas de energia elétrica do mundo.

Para aqueles que afirmam que o Brasil deve manter-se aberto para todas as possibilidades de aproveitamento na geração e oferta de energia elétrica, digo que a médio e longo prazo, o desvio de recursos públicos para a opção nuclear será um verdadeiro obstáculo ao estabelecimento de políticas de incentivo e promoção de energias renováveis no país.

Quanto à questão da segurança, apesar dos renovados esforços da indústria nuclear em apresentar-se como segura, acidentes em instalações nucleares em diversos países continuam a demonstrar que esta tecnologia é perigosa, oferecendo riscos que podem trazer conseqüências catastróficas ao meio ambiente e à humanidade. O exemplo mais recente foi o acidente pós-terremoto em julho de 2007 (6,8 na escala Richter) na maior usina atômica do mundo, localizada em Kashiwazaki-Kariwa, no Japão, que provocou, além do vazamento para o mar, a emissão de gás radioativo para a atmosfera.

Não podemos nos esquecer dos incidentes graves com reatores: na cidade de Chernobyl na Ucrânia e Three Mile Island, nos EUA. O primeiro ocorreu com a explosão de um dos reatores possibilitando que uma nuvem radioativa cobrisse todo o centro-sul europeu. Ficou marcado na história pelo acidente mais grave já ocorrido em uma usina nuclear, e que segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a explosão ocasionou a morte de aproximadamente 9.300 pessoas devido aos efeitos da radiação.

E o grave acidente ocorrido na unidade 2 da central nuclear da Ilha de Three Mile na Pensilvânia, que provocou grande extensão de danos, mas sem vítima nem vazamento de radiação para o ambiente.

Acidentes em uma usina nuclear tem baixa probabilidade de ocorrência, mas quando ocorrem são de extrema gravidade em termos tanto dos impactos sobre a saúde humana quanto ao meio ambiente. A energia nuclear envolve riscos exagerados, porque a pior poluição atmosférica pode ser controlada e diminuída, mas a radiação nuclear não. Quando acontecer uma falha será um desastre irremediável.

Não nos esquecendo deste enorme potencial destrutivo da energia nuclear, lembremos do que foi e as conseqüências do desastre de Goiânia.

Do ponto de vista ambiental, afirmar que as centrais nucleares são “limpas” quanto à emissão de gases estufa é uma desinformação imensa, sobre a tecnologia dessas centrais e sobre as condições em que funcionam as etapas da cadeia de obtenção e de processamento do combustível que alimenta as usinas. Em operação rotineira, as centrais nucleares pouco agridem o meio ambiente, porém expõem a sociedade ao risco de acidentes que liberam na biosfera produtos de fissão de alta atividade, que podem trazer conseqüências catastróficas. Embora pequeno tal risco, existe, e não pode ser negligenciado. Ademais, essas usinas não resolveram o problema dos rejeitos de alta atividade, cuja deposição final demanda pesados investimentos. Estima-se que estes rejeitos tenham que ficar isolados durante 10 mil anos.

Os defensores desta tecnologia não incorporam em seus cálculos de emissões de gases estufa, o processo completo da produção da eletricidade. Os reatores não emitem gás carbônico diretamente, mas, no cálculo de toda a cadeia de produção – da construção da usina, extração do minério ao descarte do lixo radioativo – as emissões são importantes.

Segundo dados da Agência Internacional de Energia Atômica se consideramos a mineração do urânio, o transporte, o enriquecimento, a posterior desmontagem da central e o processamento e confinamento dos rejeitos radioativos, esta opção produz entre 30 e 60 gramas de CO2 por kWh gerado.

Já de acordo com a metodologia de Storm e Smith para o cálculo de emissões, o ciclo de geração por fontes nucleares emite de 150 a 400 g CO2/kWh, enquanto o ciclo para geradores eólicos emite de 10 a 50 gCO2/kWh. O cálculo que faz o Oxford Research Group chega a 113 gramas de CO2 por kWh. Isso é aproximadamente o que produz uma central a gás.

Portanto, aqui também tem um mito, um afã de descartar, cortar e mostrar uma parcialidade da realidade desta energia.

Também, o uso de água na tecnologia nuclear é alto. Então, a análise deve considerar a quantidade de energia que colocamos de antemão para produzir a eletricidade nuclear. É importante não omitir esses dados no debate sobre as soluções ao desafio energético do país.

O panorama mundial também não é claro. Enquanto alguns países, particularmente a China planeja a construção de novas usinas núcleo-elétricas, a Alemanha já decidiu fechar todas as suas usinas nucleares, que respondem por um terço da energia naquele país. Esta renúncia é porque não tem o que fazer com o perigoso lixo nuclear e porque entende que essa energia é cara.

Além das questões econômicas, de segurança e ambientais, existe ainda um problema ético. De que não se deve deixar para as futuras gerações a resolução de problemas da época presente. E isso está ocorrendo com os depósitos (ainda relativamente pequenos) de rejeitos de alta radioatividade (lixo atômico) que permanecem em piscinas nas proximidades dos reatores. Senhoras e senhores não devemos aceitar que a nossa geração deixe como herança para as gerações futuras por até dois mil, três mil, dez mil anos, um conjunto de rejeitos radioativos, para que elas tomem conta, enquanto nós nos beneficiemos da energia hoje, com seus riscos, havendo outras alternativas com menores impactos ambientais, com menores riscos, com menores custos e com mais aceitação pela sociedade.

Outro ponto delicado é o chamado descomissionamento, que representa o custo de desmontagem definitiva e descontaminação das instalações das usinas nucleares após o encerramento das suas operações. É preciso que se tenham garantias absolutas de que esse trabalho será levado a cabo com seriedade, e que as instalações e resíduos das usinas não serão simplesmente abandonados contaminados após o seu fechamento.

Creio ser importante também de introduzir nesse debate, os atuais problemas geopolíticos que gera o ciclo de combustível nuclear, a tal ponto que depois das tensões com a Coréia do Norte, atualmente o Irã está em sério perigo de ter seu território invadido militarmente por estar enriquecendo urânio para geração nuclear.

Além disso, a construção de novas usinas nucleares é sempre uma porta aberta para a possibilidade de produção de artefatos nucleares para fins militares, e para o uso não pacífico dessa tecnologia.

O que a sociedade brasileira condena e não aceita mais é a falta de transparência sobre as escolha das opções energéticas, impedindo o acesso a informações sobre como e onde seu, meu dinheiro está sendo investido.

Para um desenvolvimento sustentável, voltado para o bem de todos, da pessoa humana e da natureza, em um país como o Brasil com tantas opções de produção de energias renováveis, nós não precisamos da eletricidade nuclear.

O Brasil tem um potencial gigantesco de geração de energia eólica e solar, só que precisamos começar a olhar para frente, ver que podemos nos beneficiar de investimentos feitos agora nessa área, em pesquisa, desenvolvimento e implantação. Precisamos ganhar com isso no futuro, nos tornando um exportador de tecnologia. Precisamos e podemos ser o país que terá a matriz mais limpa do mundo no futuro. Nenhuma fonte sozinha será capaz de atender às necessidades futuras de geração de eletricidade, a ordem do novo milênio para o mercado energético não é competir, mas sim diversificar com fontes renováveis de energia.

É tecnicamente possível satisfazer à crescente demanda energética usando fontes e tecnologias de energia limpa e sustentável capazes de proteger o clima. Nosso país apresenta um potencial significativo: 143.000 MW para a energia eólica; 10.000 MW para PCHs; e em termoelétricas a biomassa, além de 4.000 MW para o bagaço da cana de açúcar, 1.300 MW para o arroz e papel/celulose. Além do aquecimento solar de água que poderia substituir o chuveiro elétrico, e assim economizar em torno de 10% da energia elétrica consumida no país. Falar detalhadamente das opções energéticas que o país dispõe seria um outro tema de debate.

Logo, senhores e senhores, a atual política energética em curso é míope, pois contempla apenas o aumento da oferta, sem investir na diversificação e na conservação. Temos um sistema com elevadas perdas por desvio, manutenção precária, que pouco incentiva o uso de técnicas construtivas de maior eficiência energética, e pequena utilização de fontes renováveis, como a energia solar e a energia eólica.

Sem duvida precisamos expandir a oferta de energia, mas não necessitamos, para isso, manter a cultura do desperdício e comprometer o patrimônio ambiental e os recursos do país, quando temos alternativas de geração. Nem tão pouco utilizar recursos públicos em projetos com isenção de impostos sobre os lucros, comprometer o capital de empresas estatais e de fundos de pensão e, o absurdo de passar por cima do licenciamento ambiental.

Se há um país no mundo que goza das melhores oportunidades ecológicas e geopolíticas para ajudar a formular outro mundo necessário para toda a humanidade, este país é o nosso. Ele é a potência das águas, possui a maior biodiversidade do planeta, as maiores florestas tropicais, a possibilidade de uma matriz energética menos agressiva ao meio ambiente – à base da água, do vento, do Sol, das marés, das ondas do mar e da biomassa.

Entretanto o Brasil, ainda não acordou para isso. Não despertou para as suas possibilidades e para a sua responsabilidade face à preservação da Terra e da vida.

É evidente que a energia nuclear está longe de ser uma boa alternativa para diversificar a matriz energética brasileira. Não é segura, não é ambientalmente viável e não traz benefícios econômicos. Portanto senhoras e senhores, não se conformem com a ameaça que representa a instalação de usinas nucleares em nosso país. Vamos agir enquanto é tempo, pois estamos do lado da grande maioria das pessoas que são contrárias à alternativa nuclear. Segundo pesquisas de opinião, realizada pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER), com 2.300 entrevistados, nas sete maiores cidades brasileiras, 82,3% se manifestaram contra a conclusão de Angra 3, por entenderem que o País dispõe de “fontes mais seguras e limpas”, enquanto que 84,8% não aceitariam a instalação de uma usina nuclear perto de suas residências.

Para finalizar cito a revista britânica New Scientist que alinhou os seguintes argumentos que desfavorecem a energia nuclear:

• Não sobrevive sem subsídios;

• Os custos para pesquisa e desenvolvimento são altíssimos;

• Também são insuportáveis os custos da disposição do lixo nuclear e do “descomissionamento” dos reatores, assim como da segurança nas usinas.

Com esta reflexão, encerro aqui esta minha intervenção e fico a disposição para o debate agradecendo mais uma vez o convite. Meu muito obrigado.

Brasília, 6 de maio de 2010.

* Colaboração de Heitor Scalambrini Costa para o EcoDebate, 11/05/2010

Nota do EcoDebate: sobre a Audiência Pública convocada pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – Câmara dos Deputados sugerimos que leiam, ainda, as matérias:

Audiência pública na Câmara dos Deputados: Governo e ambientalistas divergem sobre usinas nucleares no Nordeste

Audiência pública na Câmara dos Deputados: Debatedores alertam para riscos de usinas nucleares no Nordeste

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3 thoughts on “O Brasil/Nordeste NÃO precisa da eletricidade nuclear, por Heitor Scalambrini Costa

  • Prezado Sr. Heitor Scalambrini Costa

    Tendo lido os seus comentários sobre a eventual utilização da energia nuclear no Brasil e possivelmente no Nordeste, e considerando a sua visão negativa sobre esta opção e os aspectos em que ela se fundamenta, gostaria de comentá-los.

    Decisões freqüentemente são tomadas após um levantamento de fatos e seu processamento através de uma análise lógica. Seu artigo transmite uma análise lógica porém, a partir de afirmativas que não constituem fatos ou evidências, porém assertivas não fundamentadas pela verdade. Reconhecemos que o assunto é complexo por natureza, dificulta o acesso a fatos verdadeiros e, portanto afetam os raciocínios, tornando-os inválidos, pois infundados.

    Senão, vejamos:-

    1. O senhor afirma que a tarifa de equilíbrio de R$ 138/MWh da geração nuclear, se baseia numa taxa de desconto abaixo do mercado, que estaria entre 12 e 18%, que a energia da hidrelétrica de Santo Antônio apresenta uma tarifa de equilíbrio de R$ 79,00/MWh, de Jirau R$ 91/MWh, portanto abaixo da nuclear, e que a energia eólica está em torno de R$ 148/MWh.
    Em primeiro lugar, taxas de desconto de 12 a 18% são coisas do passado no Brasil, e nossas taxas empregadas em empreendimentos estruturantes de infra-estrutura caíram nos anos recentes. Portanto os valores praticados para o desenvolvimento do fluxo de caixa descontado de Angra 3 são atuais e em níveis de mercado. Adicionalmente, as tarifas das hidrelétricas, sensivelmente mais baixas, escondem o fato de que o grande ônus destes empreendimentos, as transmissões de grandes blocos de energia à distâncias continentais, são em grande parte socializadas, ou seja, pagas por todos os pagadores de tarifas. Caso todo o ônus de construir e operar a infra-estrutura de transmissão fosse alocado no custo da tarifa da hidrelétrica sendo construída longe dos centros de cargas, os valores praticados certamente seriam bem mais elevados. O mesmo ocorre com os leilões de energia fóssil, quando grande parte do custo variável (combustível) não compõe o valor da tarifa, pois, caso demandada com elevado fator de capacidade, o custo do combustível também será socializado através de todos os pagadores de tarifa, e não incidirá sobre o custo total (O&M fixo e variável) das usinas térmicas convencionais. Ou seja, os custos das fontes geradoras no Brasil não são nivelados em condições de igualdade, e, portanto, uma comparação apenas pela tarifa declarada não é justa, e induz a conclusões infundadas como a apresentada pelo senhor.
    Quanto à geração eólica, com tarifa de R$ 148/MWh, o senhor não explicita o fato de que esta energia é descontínua, requerendo complementação de outras fontes na maior parte do tempo, uma vez que seu fator de capacidade varia entre 20 e 40%, aproximadamente. Portanto, numa visão econômica mais equilibrada, ao valor de R$ 148/MWh, deveria ser adicionado o valor da geração alternativa complementar, possivelmente nuclear, durante os restantes 60 a 80% do tempo em que a fonte eólica não opera por falta de vento.

    Neste ponto vale à pena alertar que a solução do problema de segurança energética não aponta para uma única fonte salvadora, porém para uma composição de fontes. Recente estudo do EPRI buscou avaliar o perfil composto de fontes de geração de energia, observando o menor custo, que resultaria na redução de 62% da emissão de CO2 da economia americana, até 2030. O resultado indica um conjunto de oito iniciativas, contemplando as fontes renováveis, com uma parcela de redução de 13% do total das emissões, de 11% para a energia nuclear, construindo 30 usinas e preservando as atuais 104, captura e seqüestro de CO2 com 11%, transporte elétrico com 100 milhões de carros híbridos em 2030 com redução de 9,3%, eletrificação em substituição à energia fóssil com 6,5%, aumento da eficiência energética dos usuários finais com 6,5%, aumento da eficiência térmica fóssil com 3,7% e, finalmente, redução das perdas de transmissão e distribuição, com 0,9%. Constatamos que a solução vem de um portfólio extenso, e eliminar quaisquer das parcelas, por razões passionais e de má informação, causará impacto na capacidade de resolver o problema.

    2. O Senhor também afirma que Angra 3 sairá por R$ 9,6 bilhões, e que subsídios estão ocultos no projeto, e questiona a viabilidade de conclusão da obra em 66 meses. A tarifa de equilíbrio de R$ 138/MWh foi avaliada por várias entidades revisoras de notória idoneidade, todas convergindo para este valor. Questionar tal fato, sem a contrapartida de um estudo detalhado constitui deplorável especulação. Afirmativa semelhante se aplica ao questionamento do cronograma de 66 meses, sugerindo que seriam necessários 96 meses adicionais. Vemos aqui um exemplo da transformação da desinformação em contra-informação. Esperemos que isto seja aleatório, e não como estratégia de opositores nacionais ou internacionais.
    3. Mais adiante o Senhor alega que os recursos alocados para construir Angra 3, com 1350MWe, poderiam ser transferidos para um parque eólico de potência superior ao dobro desta potência. Nada impede que o país invista em energia eólica, no contexto de aumento do portfólio com privilégio das energias renováveis. Porém cabe lembrar que 2700 MWe de energia eólica gerariam cerca de 800MWh médios, tendo em vista ao caráter descontínuo do vento, enquanto que Angra 3, cuja potência instalada será de 1.410 MWe e um fator de capacidade de 87%, desenvolverá 1226Wh médios. Se quisermos comparar energias provenientes de parque eólico com nuclear, para cada MWe de potência nuclear, são necessários 3 MWe de potência eólica, com custos de instalação também multiplicados por 3.
    4. Com relação à eficiência energética, obviamente é necessária, porém os números usados são irrealistas. Em primeiro lugar devemos alertar que a geração de eletricidade per capta do Brasil é muito baixa, o que limita o alcance da eficiência energética. É mais fácil e efetivo economizar diante da abundância. Muito mais difícil é economizar na miséria. Para um americano consumindo 12000 KWh/ano é muito mais fácil economizar do que para um Brasileiro, consumindo 2400 MWh/ano.
    5. Seus comentários sobre a economia de 7400 MWe de potência instalada para cada R$ 1 bilhão investido em eficiência energética, nos lembra Malbataan. Sob esta ótica, considerando o nosso parque gerador de aproximadamente 100 mil MWe, se investirmos R$ 13,5 bilhões em eficiência, economizaremos a energia proveniente de todo o parque gerador e simplesmente não mais precisaremos de fontes geradoras. Obviamente a eficiência tem um papel importante a cumprir, porém está associada ao nível de consumo individual do país, e tem limitações.
    6. Quanto ao comentário de que a energia nuclear competirá por recursos com a energia renovável, trata-se de inverdade. Temos quase 200 milhões de habitantes, com um consumo per capta extremamente reprimido, o que nos transforma num excelente mercado para a indústria de eletricidade. Modelos de financiamentos associando o capital do estado ao capital privado podem alavancar somas suficientemente robustas para nos alinhar com o consumo de países desenvolvidos, e, mediante um adequado perfil tecnológico, simultaneamente preservando o ambiente.
    7. Quando o Senhor altera o assunto da questão econômica para a questão da segurança, novamente não o faz observando fatos e um processo lógico de raciocínio. O episódio sísmico no Japão não causou acidente na usina de Kashiwazaki-Karina, muito menos vazamento ou emissão de gás radioativo. Com o devido respeito, classificar como inverdade seria um eufemismo. Uma usina nuclear é projetada para suportar sem danos ou riscos à segurança episódios sísmicos. O que vimos neste caso foi um exemplo de que as premissas de projeto funcionaram. As usinas foram desligadas e, por precaução, minuciosamente inspecionadas, sem que se constatasse quaisquer danos aos componentes, sistemas e estruturas. Em se tratando do Japão, que já sofreu dois ataques nucleares, os reguladores são extremamente cautelosos e rigorosos, o que contribui para que os resultados encontrados (ausência de danos) atestem a segurança daquelas usinas.
    8. Mais adiante o Senhor aborda o jargão anti-nuclear. Chernobyl. Apenas não esclarece ao leitor que Chernobyl é um modelo de usina, RBMK russo, cujos padrões de segurança são absolutamente inferiores aos das usinas ocidentais. A mais notável diferença é a ausência de envoltório de contenção, o que, se existisse, conteria a emissão radioativa. Além disso, o acidente ocorreu num período de colapso da antiga União Soviética, o que contribui para a degradação do desempenho pessoal, da liderança e da organização da usina. Entre os especialistas, diz-se que Chernobyl foi mais um acidente da antiga União Soviética do que propriamente um acidente nuclear. Surpreendentemente, quanto a Three Mile Island, a verdade prevaleceu. Houve fusão do núcleo, porém a contenção cumpriu o seu papel, não tendo havido quaisquer liberações, tão pouco vítimas. Quando se trata de segurança, talvez ajude à vossa compreensão alguns números provenientes de análises probabilísticas de segurança. O valor mínimo aceitável pelos órgãos reguladores de freqüência de fusão do núcleo de um reator é de 10 elevado a menos quatro, ou uma fusão a cada 10 mil anos de operação do reator. As usinas têm este valor calculado em 10 elevado a menos 5, ou seja, uma fusão a cada 100 mil anos. Como vimos em Three Mile Island, a fusão do núcleo não acarreta imediata liberação, pois existe o envoltório de contenção. Este por sua vez, tem sua integridade calculada em dez elevado a menos dois, ou seja, espera-se que ele falhe uma vez a cada 100 anos. Para que haja uma grande liberação, como em Chernobyl, ambos os eventos devem coincidir, ou seja, uma fusão e a falha da contenção. Se somarmos as probabilidades destes eventos, constatamos que a freqüência é de dez elevado a menos 7, ou seja, um episódio a cada 10 milhões de anos, valor absolutamente dentro do campo da tolerabilidade e da mesma ordem de grandeza de catástrofes cósmicas. As probabilidades de ocorrer uma grande liberação numa usina nuclear e de um cometa atingir o planeta são da mesma ordem de magnitude.
    9. Com relação aos impactos ambientais, os estudos e relatórios das melhores fontes internacionais, incluindo governos de países desenvolvidos, consideram que a emissão do ciclo de combustível, incluindo mineração, enriquecimento, fabricação de combustível, construção e operação das usinas nucleares, gestão do combustível irradiado, rejeitos de baixa e média atividade e descomissionamento, são da mesma ordem de grandeza do ciclo de geração eólica, incluindo fabricação e geração. Existem casos isolados de entidades, como a Universidade de Sydney, que preconizam impactos maiores do ciclo nuclear. Freqüentemente, autores anti-nucleares lançam mão destes poucos relatórios que preconizam elevados impactos ao ciclo nuclear, em detrimento da imensa maiores daqueles que situam este impacto na mesma ordem da geração eólica. Certamente este é o caso do Senhor.
    10. Quanto à relação entre energia utilizada na fabricação do combustível nuclear e a energia obtida a partir dele, a leve menção a uma relação desfavorável é lamentável, principalmente por parte de um físico com graus de mestre e doutor. O custo do milhão de BTU com fonte nuclear é da ordem de US$ 0,67, o custo de carvão é da ordem de US$ 2,7/mmBTU e o custo do gás natural é da ordemde US$ 7/mmBTU. Obviamente tais custos estão associados aos custos de produção do combustível, que incorporam uma parcela de energia utilizada no processo de produção. A disparidade entre os custos das fontes, em favor da energia nuclear, atinge irrestritamente a alegação do Senhor.
    11. Finalmente, uma usina nuclear é essencialmente uma usina de água, quer em estado de vapor ou líquido. Em se tratando de ciclos abertos, o fluxo de água de refrigeração do secundário é da ordem de 70 m3/seg (em ciclos fechados, com torres de refrigeração, o consumo cai a 5% deste valor), entretanto este fluxo não se mistura com qualquer outro fluído, e sai da instalação com a mesma vazão que entrou, porém cerca de 5 graus Celsius mais quente. O consumo industrial de água da usinas nos ciclos primário e secundário é da ordem de 1 metro cúbico por segundo, bastante restrito sob uma ótica industrial. Novamente a assertiva de que o consumo de água é muito elevado numa instalação nuclear de potência é irreal, sem fundamentos na verdade.

    Prezado Senhor, além destes comentários, gostaria de apresentar os seguintes argumentos:

    1. Uma grande central nuclear no Nordeste pode representar um volume de investimento sem paralelo na história da região. Como uma grande central pode ser construída numa área minúscula, tal como 5 Km2, existe a chance de que o investimento seja planejado e executado de modo controlado, com impactos econômicos e sociais positivos sem precedentes. Ou seja, a usina pode exceder a sua função de geração de eletricidade e se transformar num catalisador de desenvolvimento de grande parte da região, possivelmente até no interior.
    2. Além do impacto econômico e na geração de eletricidade, a extensa cadeia de produção dos componentes, sistemas e estruturas da usina poderá alavancar desenvolvimento em outros estados, quer sob a forma de serviços como insumos.
    3. Por se tratar de uma atividade científica, tecnológica e industrial de vanguarda, também seria grande alavancadora das atividades acadêmicas e de formação de mão de obra, podendo ajudar os centros de conhecimento da região Nordeste e se projetarem no cenário nacional e até internacional.

    Prezado Senhor, entendemos que seja tempo de um debate amplo sobre a questão nuclear, para que os seus aspectos positivos e negativos sejam informados e compreendidos pela população. Entretanto, devemos esperar que este debate se faça a partir de fatos e não verdades econômicas ou mesmo inverdades. Destruir é muito mais fácil do que construir. O que estamos tentando fazer é construir uma parte importante de nossa infra-estrutura, geração elétrica com segurança no abastecimento, preços accessíveis e provenientes do interior de nossas fronteiras. Estamos abertos para todos que quiserem ajudar, respeitamos os que não concordam, porém lamentamos os que buscam destruir a partir de inverdades.

    Drausio Atalla – supervisor da Presidência da Eletronuclear para Novas Usinas

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