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Recalculando o PIB: precificar e valorizar a natureza, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

[EcoDebate] Durante muito tempo (e ainda hoje) o mundo buscou o crescimento econômico a qualquer custo. A idéia do desenvolvimentismo virou programa eleitoral de políticos que sempre ressaltam os benefícios, mas não contabilizam adequadamente os seus malefícios. Tradicionalmente, o grau de desenvolvimento se mede pela estrutura e o valor do Produto Interno Bruto (PIB). A contabilidade nacional calcula o PIB pela soma do preço de todos os bens e serviços (em termos de valor agregado) produzidos em um determinado território.

Todo o alumínio ou o cimento produzido no país entra no cálculo do PIB, porém a poluição gerada por estas atividades industriais não são contabilizadas. Bens superfluos como os diversos tipos de bebidas alcoólicas, assim como suas propagandas machistas, entram com valor positivo no PIB, embora estas bebidas sejam responsáveis por grande parte das mortes em decorrência da violência interpessoal ou em choques de veículos no país. Em geral, governos em nível local, estadual e nacional comemoram os empregos e impostos gerados por uma fábrica de cerveja ou aguardente, mas não contabilizam nas contas nacionais as vidas subtraídas decorrentes da cirrose, das brigas de bar, da violência sexual e doméstica e dos acidentes de trânsito.

Por exemplo, entra no PIB como investimento os recursos gastos por uma firma ou pessoa física quando desmata (e queima) uma grande área de Cerrado, Mata Atlântica ou Floresta Amazônica para plantar pasto e criar gado. Também entra e faz crescer o PIB os bens produzidos na atividade pecuária como o leite, a carne, o couro, etc. Contudo, a perda da cobertura vegetal e da capacidade de retenção de CO2, a redução da biodiversidade e a poluição gerada pela emissão de diversos gases de efeito estufa, como o metano, não são contabilizados no PIB. A contabilidade macroeconômica permite a indesejada equação: mais economia = menos natureza.

Todos os exemplos acima servem para mostrar que o PIB – tal como ele é contabilizado oficialmente no mundo todo – não é uma boa medida de desenvolvimento, especialmente quando se considera o desenvolvimento humano e sustentável. Por isto, cresce o movimento para se criar um sistema de preços para defender a natureza e eliminar a poluição, o acumulo de gases de efeito estufa e a degradação ambiental. É possível se criar um sistema de preços que aponte para a redução do consumo surpefluo e do uso insustentável dos recursos naturais.

Transformações culturais são sempre necessárias. Mas as mudanças acontecem de forma mais rápida quando se mexe no bolso das pessoas. Taxar a carne bovina pelo desmatamento provocado pela pecuária, pelo gas metano liberado pelo gado e seus efeitos sobre o aquecimento global, em geral, tem resultados mais efetivos do que uma campanha em favor do vegetarianismo. Taxar a gasolina e os derivados do petróleo, direcionando os recursos para energias alternativas, apresenta resultados mais diretos do que campanhas educacionais, embora estas sejam inquestionavelmente necessárias.

O atual sistema de preços que serve de base para o cálculo do PIB não registra adequadamente o impacto ambiental das ações econômicas. O custo de quilowatt/hora de uma usina termoelétrica que queima carvão ou petróleo é menor que o custo do quilowatt/hora da energia eólica, quando não se contabiliza a poluição. Assim, pela lógica do mercado, o aproveitamento da força dos ventos – que é uma alternativa renovável e limpa – será deixado de lado e os investimentos serão feitos na energia fóssil que é não-renovável, suja e poluidora.

Mas se o custo da tonelada de gás carbônico emitido for precificado e incorporado no valor final dos bens e serviços as decisões de investimento serão reconsideradas. Se o custo da poluição dos gases de fonte fóssil queimada pelos automóveis forem precificados haverá estimulo para o uso de fontes alternativas e limpas de energia e desincentivo para comprar carros, especialmente aqueles caros, pesados e de alto consumo. Quando se compra um produto se paga um valor monetário pelos fatores de produção embutidos, mas não se paga o custo não monetário das emissões de CO2 equivalente geradas pelo mesmo.

Precificar e valorizar a natureza, taxando a poluição e a degradação ambiental, pode até ter algum efeito negativo no PIB, mas, sem dúvida, teria um efeito muito positivo para o meio ambiente. Neste sentido, não faria mal se registrar nas Contas Nacionais que uma floresta nativa (isto é, com toda a sua biodiversidade) tem mais valor que uma mesma área de pastagem ou uma floresta replandada uniformemente. No curto prazo, precificar a natureza significa reduzir o ritmo de crescimento econômico das atividades poluidoras e estimular as atividades verdes e limpas para evitar um desastre ambiental incontrolável que pode acontecer em um futuro próximo se nada for feito.

José Eustáquio Diniz Alves, colaborador e articulista do EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE. E-mail: jed_alves{at}yahoo.com.br

EcoDebate, 23/03/2010

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