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Energia nuclear volta à tona, artigo de Washington Novaes

radiação
Imagem: SXC

[O Estado de S.Paulo] As questões referentes a formatos de energia, já no centro das discussões quando o tema são mudanças climáticas, também por isso alimentam algumas das mais complexas polêmicas de hoje – principalmente a da energia nuclear. E o combustível mais inflamável dessa polêmica é o mais recente livro de James Lovelock, “pai” da “Teoria Gaia”, que entende o universo como um organismo vivo. Lovelock, que já foi adversário acirrado da energia nuclear, agora pensa (Gaia: Alerta Final, Editora Intrínseca, 2010) que não há tempo para esperar outro formato eficaz de redução nas emissões de poluentes, a não ser a energia nuclear. Considera pequenos os riscos de acidentes na operação (no pior desastre, Chernobyl, morreram 70 pessoas, diz). Quanto à falta de destinação para os perigosos resíduos das usinas, afirma que o lixo nuclear de uma geradora de mil MW “cabe num táxi”, e terá sua radioatividade comparável à do urânio natural em 600 anos. Mas ressalva que não considera a energia nuclear a melhor opção para o Brasil, que tem feito “um bom trabalho com hidrelétricas”; só para países populosos com restrições de espaço.

Seja como for, há uma ofensiva no mundo em favor da energia nuclear. Mas também surgem estudos – até estritamente econômicos – para apontar seus problemas e sua inviabilidade. Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica, hoje há 53 usinas nucleares em construção no mundo, para gerar 47.223 MW até 2017. Elas se somarão às 436 em operação, com 370.304 MW, que correspondem a 17% da energia total. A elas se devem juntar mais 135 em fase de planejamento (148 mil MW), que elevarão a potência instalada em 50%. China (16 usinas), Grã-Bretanha (10), Rússia (9), Índia e Coreia do Sul (6 cada), Bulgária, Ucrânia, Eslováquia, Japão e Taiwan (2 cada) são os países com maior número de projetos (O Globo, 25/1). Mas nos EUA, com mais uma usina em construção (já tem 104, ou 19% da energia total), o presidente Barack Obama anunciou em fevereiro medidas que estimularão esse setor. Ao todo, US$ 54,5 bilhões para várias usinas – embora haja muitas controvérsias internas, já que não há destinação final para resíduos, que continuam armazenados em “piscinas” nas próprias geradoras (o depósito “final” em implantação sob a Serra Nevada continua embargado pela Justiça). Os Emirados Árabes Unidos tocam seu projeto, assim como a Argentina, a Finlândia, a França, o Irã, a Indonésia. Na Itália, que renunciou à energia nuclear em 1987, o primeiro-ministro Silvio Berlusconi está oferecendo incentivos financeiros a municípios que aceitem novas usinas. O argumento central é o de que a Itália importa 85% da energia que consome.

Por aqui, o presidente da República e a ministra Dilma Rousseff continuam a defender novas usinas, além de Angra 3, que já teve licença prévia do Ministério do Meio Ambiente. Seu argumento principal é de que sem elas teremos problemas de abastecimento de energia, por causa das “dificuldades ambientais” no licenciamento de hidrelétricas. Só não se sabe ainda onde serão e quantas (fala-se de 4 a 8). Mas isso não elimina polêmicas. Ainda por ocasião dos mais recentes deslizamentos de terra e mortes que levaram à interdição da BR-101 perto de Angra dos Reis, o prefeito dessa cidade pediu o fechamento de Angra 1 e 2, argumentando que não haveria como evacuar a população se um deslizamento ameaçasse uma das usinas. Não foi atendido. E num recente programa Roda Viva, na TV Cultura de São Paulo, o professor Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que será o coordenador da política científica brasileira na área do clima, ao comentar números sobre a elevação do nível do mar no litoral fluminense, respondeu que se deveria ter muito cuidado no licenciamento de Angra 3, tendo em vista essa questão e os depósitos de lixo nuclear nas duas usinas já em funcionamento.

Mas a questão da segurança não é a única polêmica. Na Europa, nova discussão está em curso, após a divulgação (IPS/Envolverde, 27/2) de estudo do Citibank, sobre riscos tecnológicos e financeiros dos projetos nucleares. Diz ele – New Nuclear – the economics say no – que esses riscos são tão altos que “podem derrubar financeiramente as maiores empresas de serviços públicos. Uma usina de mil MW, afirma, pode custar US$ 7,6 bilhões e levar 20 anos para dar lucro – impraticável para empresas.

Entre nós, as notícias sobre investimentos no setor de energia ainda não contabilizam futuros projetos na área – a não ser Angra 3. Segundo o BNDES (Estado, 28/2), os novos projetos de geração, transmissão e distribuição de energia no País absorverão 33,6% dos R$ 274 bilhões que serão investidos na infraestrutura em quatro anos. Aí se incluem R$ 20 bilhões para as usinas do Rio Madeira, R$ 8 bilhões para Belo Monte e R$ 8 bilhões para usinas eólicas. Mas a Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia afirma (Agência Estado, 28/2) que as tarifas no setor no Brasil só perdem para as da Alemanha; as residenciais são mais altas que as da Noruega (US$ 184 por MWh ante US$ 48), enquanto as industriais aqui chegam a US$ 138 por MWh, ante US$ 68 no Canadá.

Outra polêmica entre nós está no licenciamento e na implantação de usinas termoelétricas muito poluentes, também com o argumento de que é preciso tê-las de reserva, para a hipótese de a oferta de energia não ser ampliada. O BNDES em 2009 financiou R$ 2,6 bilhões para projetos nessa área, mais de metade do total destinado ao setor elétrico, contemplando projetos de 30 mil MW de energia térmica para serem implantados até 2030. (Folha de S.Paulo, 20/12/2009).

E tudo continuará nesse terreno da polêmica enquanto o governo federal não se dispuser a debater com a sociedade nosso modelo de energia. Uma boa oportunidade poderá ser o novo Plano Decenal de Energia, cuja discussão, em princípio, está programada para as próximas semanas.

Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes{at}uol.com.br

Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 23/03/2010

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