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Podemos fazer mais com a internet, entrevista com Pierre Lévy, filósofo, escritor e professor de Comunicação

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Imagem: SXC.hu

Ao contrário do que dizem textos que circulam na internet, não foi o filósofo tunisiano Pierre Lévy quem cunhou o termo “cibercultura”. Mas, se hoje o conceito não está restrito a cientistas sociais, isso ocorre, em grande parte, porque seu trabalho se tornou uma referência obrigatória sobre a influência das tecnologias de comunicação na sociedade. Cibercultura não é uma subcultura de blogueiros e twitteiros, mas a forma que a nossa própria cultura está tomando com a quase permanente conexão das pessoas com os sistemas de comunicação digital.

Lévy, professor de Comunica­ção na Universidade de Ottawa, é o autor de Inteligência Coletiva, em que analisa a capacidade desses sistemas de potencializar o conhecimento humano. Seu último livro, Ciberdemocracia, rendeu-lhe um convite para traçar um plano de transparência para a União Europeia. Ele esteve em Curitiba na semana passada, quando conversou com a Gazeta do Povo.

* O senhor argumenta que nos faltam ferramentas para tirar proveito da capacidade da internet em aumentar a inteligência coletiva humana. Por quê?

Com a atual geração de ferramentas de comunicação – a interconexão computacional através da internet –, temos uma nova situação, que pode ser descrita da seguinte forma: primeiro, todos os símbolos são ubíquos, pois, uma vez na rede, eles estão em todo lugar e podem ser acessados facilmente em computadores e aparelhos portáteis. Segundo, há interconexão entre todos os documentos, músicas, imagens, softwares, jogos. Tudo está conectado no mesmo hipermetadocumento [documento interativo que remete a outros documentos: a própria internet]. E, finalmente, todos esses símbolos podem ser processados automaticamente. Isso é novo, inédito de uma geração para cá. Os primeiros computadores e mesmo a incipiente internet dos anos 90 não tinham essa característica. Hoje temos um poder computacional massivo que pode ser usado por quase todos e é praticamente gratuito. Então temos autômatos para manipular símbolos e esse espaço enorme onde tudo está interconectado e ubíquo.

É uma situação completamente nova do ponto de vista cultural. Não temos tradição. Nossos conceitos, nossas instituições, não estão adaptados. Ainda não temos sistemas simbólicos adaptados a explorar essa nova situação. Por exemplo, o mais importante dos sistemas simbólicos que usamos são as línguas naturais, feitas para serem processadas pelo cérebro humano e não automaticamente por computadores. Fazemos algo com isso, mas poderíamos fazer melhor.

* Na prática, isso significa que o ser humano só conta com sua capacidade limitada para lidar com uma quantidade infindável de informação?

Há tanta informação disponível que precisamos estar aptos a filtrá-la, categorizá-la e organizá-la automaticamente, de acordo com nossas necessidades. E as necessidades de cada pessoa, grupo ou instituição são diferentes. Por isso soluções totalmente centralizadas, como o Google, ajudam, mas não são ideais. Todo mundo está usando o mesmo algoritmo. Esse é um problema: administrar toda essa quantidade de dados. Se isso fosse codificado em um sistema simbólico especial, que fosse desenhado desde o começo para processar o significado, seria um grande avanço. Ainda estamos na pré-história da nova civilização que será baseada nessas ferramentas.

* A cibercultura. Mas é válido falar nisso, uma vez que a maioria dos usuários da internet age como receptor e não como produtor?

Não vejo dessa forma. As pessoas no Facebook, no Twitter, estão criando informação, mesmo que seja sobre si mesmas, o que é melhor que nada. O que importa é que todos tenham condição educacional e econômica de ter acesso à rede. O nível de passividade cabe a cada um, imbuído de seu livre arbítrio. É uma decisão pessoal.

* Mas a maioria das pessoas não tem nem a condição econômica.

Isso está deixando de ser verdade. Eu venho ao Brasil faz 20 anos e, cada vez que paro aqui, ouço alguma objeção. Primeiro, que todo know how era americano. Depois, que os equipamentos eram caros. Hoje você tem pontos de acesso à internet públicos ou privados com preços razoáveis mesmo em países em desenvolvimento.

* Transparência é, geralmente, a palavra mais associada ao conceito de ciberdemocracia. Mais informação é essencial, mas e o outro lado da moeda? A participação segue limitada ao voto.

O voto é a principal forma de participação política, mas não é a única. A minha visão de ciberdemocracia não se limita à esfera da política partidária. Três pontos a definem. Primeiro: um aumento da liberdade de expressão, o que é patente. Cada um tem acesso a meios de expressar uma certa opinião para um sem-número de pessoas, nos blogs, nas redes sociais, coisa antes extremamente restrita. O que se chamava de esfera pública na época dos jornais e da tevê se limitava a figuras públicas; políticos, popstars, alguns profissionais, jornalistas e acadêmicos. Esse espectro agora é muito mais amplo. Segundo: maior transparência, principalmente das instituições públicas. Vemos que há cada vez mais disposição de governos e empresas em prestar contas das suas ações. E, quando não há, os vazamentos são cada vez mais frequentes. De qualquer forma, os governos não conseguem mais esconder suas ações, como acontecia, não raro, no passado. Terceiro: há uma de­­liberação pública sem precedentes sobre os assuntos de interesse da população.

E mais – como a rede é mundial, antes você tinha esferas públicas nacionais, mas hoje isso se tornou mundial. Por seu lado, os governos e políticos são cada vez mais obrigados a levar em conta essas deliberações e quem o faz ganha um vantagem enorme. É o caso da eleição do Obama. Ele ganhou o voto dos mais jovens, e dá para se creditar isso à sua atuação intensa na web.

* Ele é um popstar, mas essa é justamente uma crítica que a internet suscita: a maioria dos usuários quer entretenimento e a política só chega a eles assim.

Sim, ele é um popstar. Às vezes a política até parece um reality show, com declarações polêmicas e jogo de cena. Mas o showman que o político cria em cima de si mesmo pode tirar a atenção de assuntos importantes, como o déficit do orçamento ou o sistema de saúde? Acho que as questões sérias têm muita atenção – do cidadão interessado. Não dá para reduzir as pessoas à completa passividade, como se elas não tivessem opção. Mais uma vez bato nesse ponto: livre arbítrio.

Entrevista no Correio do Povo, sugerida por Jose Pedro Naisser para o EcoDebate, 16/03/2010

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