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Artigo

Crescimento populacional e desenvolvimento econômico, artigo José Eustáquio Diniz Alves

[EcoDebate] A população mundial era de cerca de 250 milhões de habitantes no ano 1 da era Cristã e passou para 500 milhões, em 1500. Dobrou em mil e quinhentos anos. Por volta de 1800, a população mundial atingiu um bilhão de pessoas (dobrou em cerca de 300 anos) e as conseqüências iniciais da Primeira Revolução Industrial sobre o planeta foram apenas residuais até aquele momento. Ao redor de 1922, a população mundial atingiu dois bilhões de pessoas (dobrou novamente em cerca de 120 anos) e as transformações econômicas provocadas pela Segunda Revolução Industrial começaram a transformar o mapa do mundo. Paralelamente à difusão do modo de produção e consumo industriais, o volume da população mundial continuou a crescer, chegando a 4 bilhões de habitantes em 1975 (dobrou em 53 anos). Nos 13 anos seguintes houve um acréscimo de mais 1 bilhão de habitantes e, em 1999 (11 anos depois) a população do mundo chegou a 6 bilhões. A população mundial deve atingir 7 bilhões de habitantes em 2012, 8 bilhões em 2025 e deverá alcançar 9 bilhões em 2050.

Porém, este alto crescimento populacional não inviabilizou o desenvolvimento da economia mundial, que apresentou crescimento ainda maior. Segundo cálculos do professor Angus Maddisson, o PIB mundial cresceu 40 vezes entre 1820 e 1992, enquanto a população mundial cresceu 5 vezes. Portanto, houve um crescimento da renda per capita mundial equivalente a 8 vezes neste período. Assim, a população não foi um obstáculo ao crescimento econômico. Ao contrário das previsões pessimistas de Malthus, o PIB mundial cresceu em progressão geométrica e a população cresceu em “progressão aritmética”. A melhoria das condições econômicas, aliada à melhoria dos avanços médicos e sanitários, fez a esperança de vida ao nascer da população mundial subir de cerca de 30 anos, em 1900, para mais de 60 anos, no ano 2000. Portanto, o alto crescimento demográfico do século XX foi o resultado da vitória humana sobre a mortalidade precoce e não provocou o empobrecimento geral da população.

Contudo, o “sucesso” do progresso econômico se deu às custas do fracasso da conservação e preservação ambientais e da incapacidade de se eliminar a pobreza e as desigualdades nacionais e internacionais. Hoje em dia, não resta dúvida que as conseqüências da atividade econômica humana, tal como se deu historicamente, tiveram um efeito deletério sobre o ambiente natural, provocando alterações significativas no clima e nas condições de vida do planeta. Este paradoxo entre sucesso e fracasso fez com que as idéias e previsões pessimistas de Malthus fossem dadas como mortas, ao mesmo tempo em que, de certa forma, eram ressuscitadas por outros pesquisadores.

Autores como Julian Simon e Bjorn Lomborg consideram que as hipóteses de Malthus são equivocadas e que a racionalidade humana e os avanços tecnológicos são capazes de resolver os problemas ambientais em uma situação de crescimento populacional. Simon (1998), em seu livro “The Ultimate Resource II: People, Materials, and Environment” , afirma que as taxas de mortalidade vão continuar caindo, o bem-estar vai continuar aumentando e que o crescimento populacional contribui para o desenvolvimento humano no longo prazo. Também Lomborg (2002), no livro “O ambientalista cético”, tenta mostrar, com base em diversos dados estatísticos, que os problemas relacionados ao meio ambiente não são tão sérios como se difunde e que deve-se priorizar os investimentos naquelas ações sociais que possibilitem maior retorno em termos de custo-benefício. Ele opõe o investimento no combate à Aids, malária e desnutrição – que trariam maiores retornos – ao investimento na redução de gases poluentes, por exemplo. Ambos os autores privilegiam o crescimento populacional e econômico e colocam em segundo plano a questão do consumismo, o combate aos danos à natureza e os efeitos do aquecimento global.

Em um campo de pensamento diametralmente oposto, John Gray e James Lovelock consideram que o poder da tecnologia e dos avanços da racionalidade humana tem servido apenas para aumentar o poder do ser humano sobre o planeta à custa da degradação ambiental e da redução da biodiversidade. Em entrevista à revista Época , Gray (2006) apresenta um prognóstico pessimista sobre o futuro da humanidade: “A espécie humana expandiu-se a tal ponto que ameaça a existência dos outros seres. Tornou-se uma praga que destrói e ameaça o equilíbrio do planeta. E a Terra reagiu. O processo de eliminação da humanidade já está em curso e, a meu ver, é inevitável. Vai se dar pela combinação do agravamento do efeito estufa com desastres climáticos e a escassez de recursos. A boa notícia é que, livre do homem, o planeta poderá se recuperar e seguir seu curso”.

Na mesma linha, Lovelock (2006), escrevendo no jornal britânico The Independent, afirma que, como resultado do aquecimento global: “Bilhões de nós morrerão e os poucos casais férteis de pessoas que sobreviverão estarão no Ártico, onde o clima continuará tolerável”. Para ele: “o mundo já ultrapassou o ponto de não retorno quanto às mudanças climáticas e a civilização como a conhecemos dificilmente irá sobreviver”. Ele acredita que os esforços para conter o aquecimento global já não podem obter sucesso completo e a vida na Terra nunca mais será a mesma.

Assim, em pleno século XXI, persistem visões otimistas e escatológicas sobre a relação entre população, desenvolvimento e meio ambiente. Ao mesmo tempo, existe a necessidade de se combater a pobreza, que, em geral, requereria políticas de apoio ao crescimento econômico e à distribuição de renda. Portanto, há um desafio muito grande pela frente no sentido de avançar no bem-estar da humanidade, com redução da pobreza e da desigualdade, sem destruir o meio ambiente e as condições naturais que fornecem alimentos, água, ar, energia, matérias-primas, enfim, o substrato da vida na Terra. Como enfrentar estes desafios e equacionar a equação população, desenvolvimento e meio ambiente?

Em próximos artigos vamos abordar o papel da população, do consumo, das novas tecnologias e da mudança cultural como alternativas para enfrentar o aquecimento global e a degradação ambiental no Brasil e no mundo.

Referência:
ALVES, J.E.D. Considerações sobre projeções populacionais e econômicas para 2050 e seus impactos sobre a pobreza e o meio ambiente. Aparte, IE/UFRJ, Rio de Janeiro, 01/05/2007
http://www.ie.ufrj.br/aparte/usuarios/colunista.php?apelido=JEUSTAQUIO

José Eustáquio Diniz Alves, Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, é colaborador e articulista do EcoDebate. E-mail: jed_alves{at}yahoo.com.br

EcoDebate, 02/02/2010

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3 thoughts on “Crescimento populacional e desenvolvimento econômico, artigo José Eustáquio Diniz Alves

  • Maurício Gomide Martins

    Pedimos licença ao articulista para fazer pequena observação. Até 1800, a população mundial poderia ser ponderada pela sua quantidade nominal ou numérica. A partir daí, com a Primeira Revolução Industrial, o censo humano deverá passar por uma avaliação potencial. Dessa forma e salvo melhor juízo, na comparação feita pelo distinto professor, o desenvolvimento econômico não é autônomo. Ele é integrado ao potencial transformador das pessoas. Faz parte do poder e velocidade crescente correspondentes a, pelo menos, 1.000 outras criaturas não computadas como população, mas existentes sob a forma potencial de atividades econômicas em todos as suas modalidades.

    Se um habitante fazia 100 tijolos por dia, hoje a máquina que lhe serve e despende energias produz 60.000 tijolos/dia. Não tem o planeta o total contado de 6,7 bilhões de humanos, pois essa massa enorme exerce ações industriais e energéticas correspondentes a, pelo menos, 1.000 escravos representados pelo ferramental. Nosso poder de ação se faz representar por, aproximadamente, 750 bilhões de habitantes. Naturalmente, aí estão incorporados, sob a forma de desenvolvimento econômico, 743,3 bilhões.

    Quando se considera que a economia mundial cresceu 40 vezes até 1992, ela na verdade não cresceu. A potencialidade humana de laborar a natureza é que cresceu tal índice. Entendemos que não há como separar essa vinculação.

    Um ser humano, só de estar vivo, consome o equivalente a uma lâmpada de 100 watts. Se ele ficasse contemplativo, o crescimento econômico seria zero. Dessa forma, concluímos que, para efeito de análise ambientalista, não podemos separar crescimento econômico de crescimento populacional. Aquele é conseqüência deste. Claro que há considerações marginais, mas não consideráveis ambientalmente.

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