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Terremotos: Reflexões enquanto o Big One não acontece, artigo de Simon Winchester

Área residencial de Port-au-Prince, Haiti, destruída pelo terremoto. Foto ONU/Logan Abassi
Área residencial de Port-au-Prince, Haiti, destruída pelo terremoto. Foto ONU/Logan Abassi

Se a ciência pudesse dar o alerta, haveria mobilização antiterremoto?

[O Estado de S.Paulo] Embora deva oferecer pouco conforto às vítimas do terremoto no Haiti, a sismologia vem fazendo algum progresso na busca de uma descoberta definitiva que permitirá prever catástrofes pavorosas como a de terça-feira. Estudos de eventos ultralentos nas profundezas da terra, chamados tremores não vulcânicos, mostram indícios vagos, porém promissores, de que algum dia o mesmo tipo de sinais subterrâneos que nos ajudam a prever quando um vulcão está prestes a entrar em erupção talvez nos advirta sobre a nucleação – o início explosivo – de um terremoto, fenômeno até agora imprevisível.

Os estudos mais interessantes estão sendo realizados, a um custo muito alto, em Parkfield, na Califórnia (um pouco ao norte da encruzilhada onde James Dean morreu num acidente de carro, há quase 55 anos). Nesse lugar foi feita uma profunda perfuração diretamente na falha de San Andreas, que se estende por 1.480 quilômetros ao longo da junção entre as placas tectônicas da América do Norte e do Pacífico. Pesquisadores de instituições acadêmicas e do governo à frente desse programa de perfuração procuram descobrir o que acontece no ponto preciso de contato entre as duas placas. Parece bastante provável que os tremores não vulcânicos – mesmo os de baixo impacto, porém mensuráveis -, detectados em perfurações profundas feitas sob a falha de San Andreas, estejam de algum modo associados aos terremotos destrutivos que ocorrem a profundidades menores, ou seja, acima deles. O que os cientistas gostariam de determinar é se seria possível distinguir a assinatura de um tremor não vulcânico na crosta profunda, antes da ocorrência de um grande terremoto em um ponto muito acima, de forma a poder emitir algum sinal de alerta.

Isso é enormemente relevante para o desastre ocorrido no Haiti porque a falha de Enriquillo-Plaintain Cargen, causadora do terremoto de dias atrás, tem muitas semelhanças com a de San Andreas: é uma falha de ruptura de cerca da metade do comprimento (estende-se da República Dominicana à Jamaica), separa duas placas (a norte-americana e a caribenha) e em grande parte do seu comprimento é ao mesmo tempo firmemente travada e submetida a uma grande tensão. Assim, fratura-se substancialmente mais ou menos a cada século. (A última vez foi em 1907, na Jamaica; e os cientistas vinham alertando há tempos para a possibilidade de, algum dia, haver uma catástrofe em Porto Príncipe.)

É provável que os tremores não vulcânicos de baixo impacto, medidos na falha de San Andreas, ocorram também no Caribe. Se for encontrada uma correlação entre esses tremores e os terremotos, a ciência poderá ter descoberto algo muito importante. Tremores parecem apresentar características incomuns de prenúncio de catástrofe: por exemplo, ao que tudo indica, há uma correlação estreita entre sua ocorrência e fenômenos externos como as marés e as fases da Lua. A relação com movimentos no interior da crosta terrestre é pelo menos uma nova possibilidade – e isso é algo que não se poderia afirmar há cinco anos.

Mas, e depois? Será que se os geofísicos da Universidade da Califórnia em Berkeley, da United States Geological Survey, do California Institute of Technology e do Scripps Research Institute se convencerem de uma correlação e um dia detectarem, com seus equipamentos instalados num buraco profundo na terra, uma série repentina de tremores não vulcânicos, chamarão o prefeito de San Francisco ou de Los Angeles e emitirão um alerta? Será que os prefeitos ordenariam uma evacuação em massa? E se assim fizerem, o que aconteceria se fosse comprovado que os cientistas estavam enganados? É importante fazer perguntas dessa natureza. Se fosse observada uma quantidade semelhante de dados na falha de Enriquillo-Plantain Garden, será que os geólogos procurariam alertar os cidadãos de uma cidade como Porto Príncipe? Será que esse alerta salvaria vidas ou desencadearia um pânico ainda mais mortal do que o terremoto?

Hoje o ramo da sismologia que trata das previsões é indubitavelmente melhor do que há cinco anos. Mas a cada passo em direção à tão almejada descoberta surgem novas indagações e as respostas são demasiado lentas para trazer conforto verdadeiro às pessoas. Principalmente ao infeliz povo do Haiti.

TRADUÇÃO: ANA MARIA CAPOVILLA

Simon Winchester – Autor de A Crack in the Edge of the World: America and the Great California Earthquake of 1906 (Harper USA) – Uma Fenda na Borda do Mundo: Estados Unidos e o Grande Terremoto da Califórnia de 1906, em tradução literal. Este artigo foi originalmente publicado no New York Times

Artigo publicado no O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 19/01/2010

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