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Projeto que esvazia Ibama incentiva destruição da Amazônia e outros biomas

A lei da selva – O projeto de lei complementar nº 12, de 2003, aprovado na noite de quarta-feira na Câmara dos Deputados, será um incentivo ao desmatamento e à destruição de biomas, como a Amazônia, o Cerrado e a Mata Atlântica.

Esta é a visão do Ministério do Meio Ambiente e seus órgãos associados, que desde ontem passaram a pressionar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a vetar o artigo que tira do Ibama a responsabilidade de fiscalizar e punir os responsáveis pelos empreendimentos cujo licenciamento ambiental foi concedido por órgãos estaduais ou municipais.

O sinal de alerta de que o artigo é uma licença para desmatar foi dado logo na manhã de ontem pelo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, que estava em Copenhague, Dinamarca, acompanhando o presidente Lula na conferência da ONU sobre o clima. Minc revelou ter conseguido de Lula a garantia de que, se o artigo 17 – que já causa polêmica – passar no Senado, este será vetado. Reportagem de Eliane Oliveira e Catarina Alencastro, no O Globo.

O projeto regulamenta as competências de cada ente da federação – federal, estadual e municipal – para licenciar, fiscalizar e punir infrações contra o meio ambiente. Está no Congresso desde janeiro de 2007, quando foi incluído entre as medidas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

– Falei com o presidente Lula e ele se comoveu – disse Minc ao GLOBO, por telefone.

Mas tudo indica que a batalha não está decidida. Órgãos como os ministérios de Minas e Energia e Agricultura – este último, segundo fontes, teria articulado com a bancada ruralista a inclusão da emenda polêmica – devem brigar pela manutenção do dispositivo, sob o argumento de que é mais um ponto que daria segurança jurídica aos empreendimentos.

Ruralista: Ibama se diz ‘dono da verdade’

Em Brasília, a ministra interina do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, disse que o projeto compromete os objetivos de diminuir o desmatamento na Amazônia: – Isso vai na contramão e poderá colocar em xeque todo o controle do desmatamento ilegal na Amazônia.

– Esta é a lei de destruição de todos os biomas brasileiros. Pode fechar o Ibama – afirmou uma alta fonte da área ambiental. – Os estados não têm estrutura. Ninguém vai fiscalizar.

O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, afirmou que o projeto ajuda mais do que atrapalha e aproveitou para criticar a demora do Ibama na concessão de licenças para a construção de hidrelétricas. Esta semana, o ministro admitiu que a construção da usina de Belo Monte, no Pará, deve atrasar em um ano, porque o projeto ainda não foi autorizado.

– Considero o Ibama uma necessidade, mas se essas exigências forem além das fronteiras do razoável, não estarão servindo ao interesse nacional.

Se não posso construir hidrelétricas, como vou garantir a segurança energética no país? Às vezes nos acusam de sujar a matriz energética. Se não construirmos hidrelétricas, teremos que partir para termelétricas ou ainda o racionamento – afirmou Lobão.

Procurado, o Ministério da Agricultura evitou comentar a versão de que teria contribuído para a inclusão do artigo no projeto, de autoria do deputado José Sarney Filho (PV-MA). Já o Presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), afirmou que a nova regra é a solução para a falta de agilidade na concessão de licenças.

– O projeto é a solução para resolver um monte de coisa que estava travada. Vai destravar as licenças que o Ibama não dava conta de conceder.

A legislação avançou. Temos que confiar em outros órgãos que não o Ibama, que se autointitula o dono da verdade – afirmou Colatto.

Para a ex-ministra do Meio Ambiente e senadora Marina Silva (PV-AC), a preocupação é com o desmatamento.

Ela teme que esteja ocorrendo uma “operação desmonte” do Ibama e da própria legislação ambiental: – Todo o trabalho que a gente vem fazendo nos últimos anos vai por água abaixo. É uma forma de já ir assumindo a lei de Santa Catarina, que dá aos estados a autonomia para legislar na área ambiental. Só que nos estados há uma suscetibilidade muito maior à pressão. É muito preocupante. Está havendo uma operação desmonte com o Ibama e uma contradição com o compromisso do governo de reduzir o desmatamento da Amazônia em 80%.

Para Marina, a aprovação do texto é uma contradição entre o que o governo está falando em Copenhague e o que os representantes da base governista estão fazendo no Congresso.

O coordenador de políticas públicas do Greenpeace, Nilo D’Ávila, criticou o projeto, não só no que diz respeito à atuação do Ibama em regiões problemáticas, como a Amazônia. Ele afirmou que outro artigo incluído no texto esvazia o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), ao criar uma comissão tripartite (governos federal, estadual e municipal), restando apenas uma cadeira para o Conama.

– O projeto foi aprovado ainda em primeiro turno na Câmara, não é a versão final. Esperamos que haja uma adequação – afirmou.

Impacto pequeno nas obras atuais do PAC

Segurança jurídica vai acelerar projetos futuros, dizem especialistas e empresários

BRASÍLIA. Embora haja consenso de que o projeto, sem a emenda que tira poderes do Ibama, dê segurança jurídica aos empreendimentos do governo, para as obras do PAC que já estão em andamento seu alcance seria muito pequeno. Isto porque o licenciamento das grandes obras – como as hidrelétricas de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte – já está sob responsabilidade do órgão federal. A preocupação maior é com obras futuras.

Segundo uma fonte da área jurídica do governo, apenas 6% dos projetos do PAC têm ações contestando a competência do órgão licenciador para apreciá-lo. A médio prazo, a nova regra corrigiria casos em que o projeto fica em uma fronteira e não se sabe se seu impacto é local ou mais amplo. Nesses casos, há dúvidas sobre quem autoriza a obra: governo federal ou estadual.

Técnicos que trabalham na área acreditam que a lei não vai desafogar o trabalho do Ibama. Empresários e especialistas, no entanto, afirmam que a lei seria fundamental para acelerar os programas.

Para o presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e das Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, a falta de regulação nos últimos 20 anos criou um cenário propício para o surgimento de inúmeras regras conflitantes e muita indefinição. Segundo ele, a versão aprovada pela Câmara define as situações em que cada ente federativo deve atuar e que somente um órgão será responsável pelo licenciamento, acompanhamento, fiscalização e punição, sem duplicidade ou superposição: – Essa versão, recém-aprovada, representa um passo bastante positivo, preenchendo lacunas e eliminando brechas para movimentos nitidamente postergatórios dentro do processo de licenciamento ambiental.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, disse que não é contra o Ibama ter todos os poderes para conceder e, ao mesmo tempo, fiscalizar e multar empresas cujos projetos estejam fora das exigências ambientais.

A questão, diz, é que a demora no licenciamento de grandes obras, sobretudo hidrelétricas, desestimula investimentos e irrita o setor produtivo brasileiro.

– É difícil para um empresário assumir o compromisso de construir uma linha de transmissão, por exemplo, e a licença não sair. Sou a favor da natureza, considero o Ibama de extrema importância, mas é terrível ir para a fila do Ibama – afirmou Barbato.

Rinaldo Mancin, diretor de Meio Ambiente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), diz que a superposição de poderes que o PL tenta corrigir tem gerado problemas na execução das obras. Um exemplo é o Rodoanel, cujo licenciamento seria dado pelo governo de São Paulo.

– No meio do caminho, havia uma tribo indígena e, por isso, o Ministério Público determinou que nesse trecho o posicionamento teria de ser dado pela área federal – lembrou. (Catarina Alencastro e Eliane Oliveira)

O presidente me disse que vai vetar

CORPO A CORPO: CARLOS MINC

Logo que soube da aprovação do projeto de lei complementar 12/03 na Câmara, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, decidiu recorrer diretamente ao presidente da República, que, assim como ele, participa da conferência da ONU sobre o clima em Copenhague, na Dinamarca.

Minc disse que tentará derrubar o artigo no Senado, para onde o texto será encaminhado.

O GLOBO: Que efeitos o projeto, tal como está, pode ter sobre a área ambiental do governo?

CARLOS MINC: Acabei de conversar (ontem no início da tarde) com o presidente Lula. Expliquei que o artigo 17, que tira do Ibama o poder de fiscalizar e autuar em projetos em que a instituição não está diretamente envolvida (em que o licenciamento não é federal), representaria o fim da fiscalização na Amazônia.

Isto afetaria a imagem do Brasil?

MINC: Com certeza. Ainda mais que o presidente Lula fez um belo discurso em Copenhague, em que defendeu o maior compromisso com a redução das emissões de gases que provocam o efeito estufa. Mas o presidente me disse que, se o artigo que diz que a fiscalização só pode ser feita pelo órgão que concede o licenciamento passar no Senado, ele vai vetá-lo.

O senhor já pensa em alguma estratégia para que o artigo seja suprimido do projeto no Senado?

MINC: Vamos tentar derrubar o artigo. O Executivo já tem uma posição. Afinal, isso contraria todos os objetivos de diminuir o desmatamento na Amazônia e contraria inclusive o discurso que o presidente acabou de fazer aqui em Copenhague. O que foi aprovado não é o que foi negociado dentro do governo e não corresponde à posição do governo.

Quem teria inserido este artigo projeto?

MINC: Já houve outras tentativas.

Dizem que o pessoal da bancada ruralista contribuiu para isto. (Eliane Oliveira)

EcoDebate, 21/12/2009

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