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Artigo

Efeitos colaterais, artigo de Montserrat Martins

[Ecodebate] Importantíssima a resolução do Conselho Federal de Medicina que disciplina o patrocínio dos laboratórios farmacêuticos aos médicos em congressos, obrigando os profissionais a revelar, quando palestram, caso tenham suas viagens custeadas pelos fabricantes. O Conselho não pressupõe corrupção na categoria, mas visa precaver a sedução de viajar com todas as despesas pagas e como isso pode influir na percepção sobre os efeitos dos medicamentos nos pacientes, pois é científicamente impossível que qualquer espécie de fármaco tenha apenas aspectos positivos, qualquer ação medicamentosa tem alguma espécie de efeito colateral, por mínima que seja.

A questão dos efeitos colaterais não é exclusiva da medicina, está presente nos nossos problemas sociais e científicos mais relevantes. Em “Uma verdade inconveniente”, o palestrante Al Gore (com apoio das seguradoras, coerentemente, pois são as que pagam as contas das tragédias climáticas) observa que o lobby das empresas que mais concorrem para o aquecimento global não é afirmar que isso não vá ocorrer, é apenas lançar dúvidas sobre as pesquisas científicas – de modo a que pelo menos a metade do noticiário a respeito gere incertezas no público, para que os alertas ambientais sejam vistos como “exagerados”.

A ciência está, assim, envolvida em intensas disputas entre várias formas de concepção – e também de fatores econômicos que dependem inclusive das reações do público consumidor, de acordo com a cultura predominante em cada região, como é o caso da preferência dos europeus pelos alimentos não modificados geneticamente. Tanto quanto a infecção hospitalar é uma decorrência invevitável do uso de antibióticos, novas formas de resistência a agrotóxicos geram dilemas na produção agrícola. Al Gore revelou até mesmo um drama de sua família, que tinha seu sustento com a fumicultura, que durante décadas resistiu a admitir claramente os efeitos cancerígenos (e também cardíacos) provenientes do fumo. Hoje é consenso mundial o custo econômico desse hábito, já mensurado pelos ingleses nos gastos do sistema de saúde pública, que excede ao valor dos impostos pagos pelas indústrias. Uma alternativa inteligente, assim, é estimular a produção de biocombustíveis nas regiões hoje dependentes economicamente da fumicultura.

Quando os temporais nos afetam como nunca – atingindo níveis de chuva inéditos em novembro passado – ainda temos dúvidas de suas causas? Não é por falta de alternativas tecnológicas e científicas, capazes de conter o impacto das mudanças climáticas, para isso os esforços concentrados na Cúpula de Copenhage, esse mês. Desde a nossa saúde a nível individual, até a saúde coletiva e a do planeta como um todo, não é mais possível concebermos que a ciência e a tecnologia sejam usadas sem considerar os custos – em todos os sentidos – dos efeitos colaterais.

Montserrat Martins, Psiquatra, colaborador e articulista do EcoDebate

EcoDebate, 04/12/2009

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