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Árvores centenárias do Peru estão virando carvão vegetal e lenha

Após séculos de desmatamento sistemático, apenas 1% das florestas de huarango que existiam no deserto peruano permaneceu, segundo arqueólogos e ecologistas.
Após séculos de desmatamento sistemático, apenas 1% das florestas de huarango que existiam no deserto peruano permaneceu, segundo arqueólogos e ecologistas. Foto de Tomas Munita / The New York Times.

Em um pequeno bosque de huarango, a famosa árvore peruana que pode viver mais de mil anos, repousa como uma miragem no meio de dunas de areia na beira da cidade. A arvora tem oferecido aos habitantes deste deserto alimentos e madeira mesmo antes que a civilização nazca fizesse gravuras em rochas no plano vazio do sul, há cerca de 2 mil anos.

A huarango, uma gigante parente da Prosopis do sudoeste americano, sobreviveu à ascensão e à queda de civilizações pré-hispânicas e às pilhagens dos conquistadores espanhóis, cujos cronistas ficaram impressionados pela abundância das florestas de huarango e os estranhos camelídeos andinos, como guanacos e lhamas, que viviam por aqui.

No entanto, hoje os peruanos afirmam que poderá haver um desafio final para o frágil ecossistema respaldado pela huarango próximo à costa sudoeste do Peru. Moradores de vilas estão derrubando o que resta dessas florestas, antes vastas. Eles cobiçam a árvore como fonte de carvão vegetal e lenha. Reportagem de Simon Romero, em Ica (Peru), The New York Times.

A redução da huarango está fazendo soar um alarme entre ecologistas e fomentando um esforço incipiente para salvá-la.

“Não percebemos que estamos cortando um de nossos membros quando destruímos uma huarango”, disse Consuelo Borda, 34 anos, que ajuda a dirigir um pequeno projeto de reflorestamento aqui, explicando como as vagens das árvores podem virar farinha, melaço ou fermentadas para a produção de cerveja.

Porém, muitos peruanos veem a huarango como uma madeira de primeira para o carvão vegetal para cozinhar um prato de frango típico aqui. A huarango, rival da teca indiana, quando queimada, dura mais que outras formas de carvão vegetal. Habitantes de vilas reagem à proibição por parte de autoridades regionais de derrubar huarangos dando de ombros.

“Os cortadores de madeira vêm à noite, usando serrotes em vez de serras de cadeia, para não serem descobertos”, disse Reina Juárez, 66 anos, produtora de milho em San Pedro, uma vila de 24 famílias próxima a um bosque de huarango, nos arredores de Ica. “Eles removem toda a madeira usando burros e depois a vendem”.

Pode ser um milagre que a huarango sobreviva a tudo, a ponto de ser usada.

Após séculos de desmatamento sistemático, apenas 1% das florestas de huarango que existiam no deserto peruano permaneceu, segundo arqueólogos e ecologistas.

Poucas árvores se adaptam bem ao ecossistema bastante árido do deserto de Atacama-Sechura, localizado entre os Andes e o Pacífico. A huarango captura a umidade que vem do oeste, do mar. Suas raízes estão entre as mais longas, estendendo-se mais de 45 metros para alcançar os canais de água subterrâneos.

A resistência da huarango e seu papel em controlar um dos climas mais secos do planeta há tempos encantam os poetas do país. Os estudantes aqui, por exemplo, recitam as palavras de José María Arguedas, um importante escritor do século 20: “As huarangos deixam entrar o sol, mantendo o fogo fora”.

Mas uma coisa é a poesia. Outra coisa são as necessidades das civilizações humanas e sua capacidade de destruir os ecossistemas dos quais elas dependem.

Uma equipe de arqueólogos britânicos descreveu, em um estudo pioneiro, como a civilização nazca, que deixou suas linhas gravadas no deserto mil anos antes da chegada dos espanhóis, induziu uma catástrofe ambiental ao derrubar as huarangos para plantar lavouras como algodão e milho, expondo a paisagem a ventos do deserto, erosão e enchentes.

David Beresford-Jones, arqueólogo da Cambridge University e co-autor do estudo, disse que talvez o único fragmento de floresta huarango antiga remanescente esteja em Usaca, a cerca de cinco horas de carro de Ica, onde ainda há algumas árvores que estavam vivas quando os incas conquistaram a costa sul do Peru, no século 15.

“Leva séculos para que a huarango atinja um tamanho substancial, e apenas algumas horas para ser derrubada com uma serra”, disse Beresford-Jones. “A tragédia é que esse remanescente está sendo derrubado enquanto conversamos”.

Com o apoio do Royal Botanical Gardens, em Kew, e do Trees for Cities, uma organização britânica que promove a plantação de árvores em áreas urbanas, o projeto de reflorestamento de Borda busca reverter os estrados causados pelos que desmatam em busca de carvão mineral, cujos fornos de barro pontilham a paisagem do deserto em vilas ao redor de Ica.

É uma luta crescente em um deserto empobrecido. O mercado negro para a huarango na forma de lenha bruta prospera. Um carbonero, ou vendedor de carvão, pode vender um quilo de carvão feito a partir da árvore por cerca de 50 centavos de dólar, ou um bushel (medida) de huarango como lenha por cerca de 1 dólar.

Até agora, o árduo projeto de Borda já plantou aproximadamente 20 mil huarangos em Inca e em áreas vizinhas. A iniciativa também ensina crianças em idade escolar sobre a história da huarango na cultura peruana e seu significado como espécie importante para o deserto, pois suas raízes estabilizam o nitrogênio em solos pobres e suas folhas e vagens oferecem material orgânico como feno.

Entretanto, pesquisadores afirmam que o projeto é apenas uma pequena parte do que deve ser feito para reflorestar os desertos peruanos. “O Peru precisa repensar amplamente sua trajetória de desenvolvimento”, disse Alex Chepstow-Lusty, paleoecologista do Instituto Francês de Estudos Andinos, que trabalhou no estudo da civilização nazca com Beresford-Jones, o arqueólogo de Cambridge, analisando pólen que mostrava a transformação das terras nazcas, de ricos campos de huarangos a campos de milho e algodão, até o deserto praticamente sem vida existente hoje.

“Com as geleiras do Peru previstas para desaparecer até 2050, os Andes precisam de árvores para capturar a umidade que vem da Amazônia, que também é uma fonte de água que vai para a costa”, disse Chepstow-Lusty, em entrevista em Cuzco. “Por isso, é necessário um grande programa de reflorestamento, tanto nos Andes quanto na costa”.

Nada nessa escala está acontecendo ao redor de Ica. Em vez disso, o crescimento visto em vilas pobres são favelas chamadas de “pueblos jóvenes”, onde moradores mal conseguem se sustentar como trabalhadores agrícolas ou campos de mineração.

Fora da vila de Santa Luisa, o barulho da serra interrompeu o silêncio do deserto próximo a um forno que preparava carvão vegetal.

O dono da serra, um lenhador chamado Rolando Davila, 48 anos, jurou que não derrubava mais huarangos, mas, em vez disso, focava no espino, outra árvore conhecida como acacia macarantha. “Porém, todos nós sabemos que a huarango é a melhor do deserto”, disse ele. “Para muitos de nós, a madeira da huarango é a única forma de sobreviver”.

Reportagem [Ecosystem in Peru Is Losing a Key Ally] do New York Times, no UOL Notícias.

EcoDebate, 01/12/2009

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