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‘Discutir o BNDES é discutir o Brasil que queremos’. Entrevista especial com João Roberto Lopes

“O Banco tem atuado, no contexto da recente crise financeira, em favor de uma ainda maior concentração econômica por meio do financiamento e auxílio na formatação de processos de aquisições e fusões”, é o que afirma João Roberto Lopes, do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). Durante a entrevista que concedeu à IHU On-Line, por e-mail, Lopes mostra uma visão diferente da que Luiz Dalla Costa, do MAB, mostrou na entrevista que também nos deu. Lopes apresenta uma versão que os movimentos sociais discordam, apoiando fusões e aquisições que têm sido muito questionadas nos últimos anos. “O banco resiste a adotar uma política pública de informação, com divulgação da totalidade de sua carteira de projetos privados. O BNDES não dispõe, tampouco, de uma política ambiental, não aplicando contraparditas sociais e ambientais em seus contratos de financiamentos”, revelou.

João Roberto Lopes é pesquisador e coordenador do programa de Economia Solidária do Ibase. Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ, atualmente, também é professor do Curso de Relações Internacionais da Universidade Estácio de Sá. Escreveu Economia solidária: de volta à arte da associação (Porto Alegre: UFRGS, 2006).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – É correta a interpretação de que não existiria capitalismo no Brasil sem o BNDES? Qual é o papel do banco na formação do capitalismo brasileiro ao longo das últimas décadas?

João Roberto Lopes – A importância do banco, não apenas no financiamento, mas também na formatação do desenvolvimento brasileiro, é inegável, seja no período do nacional-desenvolvimentismo getulista, do desenvolvimentismo associado ao capital estrangeiro consagrado pelo regime militar, ou, ainda, na fase mais recente de liberalização econômica, marcada pelas privatizações e pela chamada “inserção competitiva” do país na economia globalizada.

O capitalismo brasileiro sempre dependeu do suporte estatal, por meio, inicialmente, dos investimentos diretos na indústria de base, insumos básicos e infraestrutura. Mais recentemente, este suporte vem se dando através de grandes transferências de recursos, via privatizações, isenções e créditos subsidiados de forma a alavancar investimentos privados. Em todos estes momentos, o Banco atuou fortemente, seja apoiando os investimentos estatais, seja concebendo e planejando as diferentes estratégias, além do financiamento direto a grandes grupos privados.

A estratégia de privatizações e abertura do país a investimentos estrangeiros nos anos 90 foi, em grande medida, concebida pelo Banco, que, até os anos 80, por exemplo, não financiava empresas estrangeiras. A perspectiva da liberalização também implicou em uma atuação agressiva no financiamento de setores vistos como competitivos externamente. Daí o Banco atuar, no último decênio, de modo decidido e decisivo no setor exportador, em particular, no financiamento da produção de commodities.

Na última década, o Banco mais que quintuplicou seu orçamento, que soma, em 2009, algo em torno de R$ 150 bilhões, um valor superior a três vezes o orçamento do Banco Mundial. A maior parte deste orçamento se destina a apoiar os setores de mineração e siderurgia, papel e celulose, petróleo, hidrelétricas e gás, etanol e agropecuária. Além do financiamento direto, o Banco possui uma carteira de participações, por meio do BNDESpar, de aproximadamente R$ 70 bilhões e que estão distribuídas também entre estes setores.

“Vale acrescentar que o Banco tem atuado, no contexto da recente crise financeira, em favor de uma ainda maior concentração econômica por meio do financiamento e auxílio na formatação de processos de aquisições e fusões.”

Vale acrescentar que o Banco tem atuado, no contexto da recente crise financeira, em favor de uma ainda maior concentração econômica por meio do financiamento e auxílio na formatação de processos de aquisições e fusões, como no caso da compra da Aracruz pela Votorantim, da Sadia pela Perdigão e da Bertin pela JBS.

IHU On-Line – No governo FHC, o banco foi utilizado para financiar as privatizações. Qual foi o volume investido? Esse empréstimo para as privatizações está retornando aos cofres do Estado?

João Roberto Lopes – Já há distanciamento histórico suficiente para se saber que as privatizações, além de terem realizado uma transferência líquida de recursos para a iniciativa privada com preços subavaliados na venda das estatais, não representaram o retorno em termos de investimento público, até porque os recursos gerados foram tragados pelo chamado serviço da dívida pública.

Importante assinalar que como herança das privatizações o Estado brasileiro, por meio inclusive do próprio BNDES, garantiu participação minoritária no capital de empresas privatizadas, como foi o caso da Vale do Rio Doce. Embora minoritário, o banco possui, na Vale, as chamadas golden shares, que dão ao BNDES direito de veto em questões centrais da gestão da empresa. Contudo, o Banco nunca fez uso deste direito, nem mesmo quando a Vale, após receber um financiamento de mais R$ 7 bilhões, dispensou mais de 1.000 empregados.

IHU On-Line – Qual é a diferença do BNDES do governo FHC para o governo Lula?

João Roberto Lopes – Embora o Governo Lula represente um contraponto à agenda das privatizações, característica do período de FHC, uma outra dimensão da agenda liberal ganha centralidade: a chamada inserção competitiva do país no mundo global como exportador de natureza, para alimentar a nova divisão internacional, em particular, a demanda chinesa por alimento e insumos básicos.

Esta agenda ganha novos contornos também quando, a partir de 2004, o Banco inicia sua atuação, financiando empreendimentos no exterior. Trata-se da promoção da multinacionalização de empresas brasileiras, a exemplo da Odebrecht, Camargo Correa, Andrade Gutierrez, Vale, Eletrobrás, JBS/Bertin, Perdigão/Sadia. Trata-se de investimentos em infraestrutura e na produção de insumos que reforçam este modelo centrado na especialização produtiva voltada à exportação, com grandes impactos sociais e ambientais.

Para além dos grupos privados nacionais, não se pode perder de vista que o Banco segue apoiando o investimento direto de empresas estrangeiras, seja por meio do apoio às multinacionais do setor automotivo, seja em recentes ações no setor de etanol, em que a francesa LCD Dreyfus, financiada pelo BNDES, adquiriu a Usina Santa Elisa, segunda maior no setor.

IHU On-Line – O senhor concorda com a interpretação de que no governo Lula o BNDES tem sido utilizado para fortalecer grupos privados nacionais – estimulando fusões – e estaria formando oligopólios?

João Roberto Lopes – É necessário primeiro relativizar que o Banco tem fortalecido exclusivamente os chamados grupos privados nacionais. Até porque, muitos desses grupos possuem presença significativa de capital estrangeiro na composição do seu capital social.

Agora, sem medo de errar, pode-se dizer que as recentes fusões e aquisições não seriam possíveis sem o apoio do BNDES. Este apoio inclui financiamentos antes, durante e depois das chamadas aquisições. Exemplo disso, a Votorantim e a Aracruz receberam individualmente grandes financiamentos do Banco e, no caso da aquisição da segunda pela primeira, houve um financiamento de R$ 2,4 bilhões. Em outro exemplo, o Banco atuou na compra da Brasil Telecom pela OI com empréstimo de R$ 2,5 bilhões e, agora, acaba de aprovar financiamento de R$ 4,4 bilhões para o Grupo OI.

IHU On-Line – O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, tem afirmado que as empresas brasileiras competentes e competitivas devem merecer o apoio do BNDES para se afirmarem internacionalmente. O senhor concorda com essa estratégia?

João Roberto Lopes – Sobre a forma como está sendo aplicada a estratégia cabe fazer duas outras indagações.

“O investimento em setores exportadores de commodities, com alta vulnerabilidade externa, enormes passivos sociais e ambientais e que aponta para a especialização da estrutura produtiva, é a melhor forma de desenvolver o país?”

O investimento em setores exportadores de commodities, com alta vulnerabilidade externa, enormes passivos sociais e ambientais e que aponta para a especialização da estrutura produtiva, é a melhor forma de desenvolver o país? De que competitividade se trata quando a alavancagem destas empresas, e a recente crise demonstrou isso de modo cabal, depende de uma transferência massiva de recursos públicos via financiamentos com taxas favorecidas?

IHU On-Line – O BNDES é uma das principais alavancas das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Quais são as principais obras que ele financia?

João Roberto Lopes – O banco está presente como principal financiador em praticamente toda grande obra de infraestrutura ou produção de insumos básicos previstas no PAC. Está presente, por exemplo, nas obras do Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro, no Complexo Indústria e Portuário de Pecém, nas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira, na Companhia Siderúrgica do Atlântico, na expansão dos investimentos em etanol, na ferrovia Transnordestina.

IHU On-Line – Na origem, o banco se chamava apenas BNDE, o “S” de Social surgiu depois. O senhor acredita que a sua função social vem sendo respeitada? E, nesse contexto, poderia explicar o que é a Plataforma BNDES?

João Roberto Lopes – A inclusão do “S” no banco se traduziu, no concreto, na criação de uma área social, que, por sua vez, segue como periférica na política do Banco. A questão social, assim como a ambiental, não podem ser tratadas de forma setorizada ou departamentalizada, precisam perpassar o conjunto das ações do Banco.

Atualmente, o banco resiste a adotar uma política pública de informação com divulgação da totalidade de sua carteira de projetos privados.

“O BNDES não dispõe, tampouco, de uma política ambiental, não aplicando contraparditas sociais e ambientais em seus contratos de financiamentos.”

O BNDES não dispõe, tampouco, de uma política ambiental, não aplicando contraparditas sociais e ambientais em seus contratos de financiamentos. Neste assunto, o banco é formalista atendo-se à observância dos licenciamentos ambientais. Mesmo no caso recente das diretrizes definidas para o setor da pecuária, principal vetor do desmatamento na Amazônia, há uma tentativa do Banco em postergar um maior controle sobre a atuação dos frigoríficos, que se tornará certamente mais agressiva a partir da aquisição da Bertin pela JBS. Com a nova empresa, em cujo capital o BNDES terá a participação de 22%, a capacidade de abate alcançará o dantesco número de mais de 50.000 cabeças por dia!

Um conjunto de organizações e movimentos sociais, envolvendo MAB, MST, Rede Alerta Contra o Deserto Verde, CUT, Fetraf, Contag, CIMI, Ibase, Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, entre outros, reuniram-se em torno à Plataforma BNDES, articulação que pretende afirmar o papel público deste Banco 100% estatal. O grupo elaborou documento intitulado “Plataforma BNDES” onde constam as proposições para uma reorientação do Banco.

As proposições focam na adoção de uma política de informação e ambiental, que preveja critérios sociais e ambientais em seus financiamentos. Além disso, propõe-se o desenvolvimento pelo Banco de políticas setoriais nas áreas da agricultura familiar e campesina, de energia e clima, do desenvolvimento de infraestrutura social, da descentralização do crédito e da integração regional. O presidente do banco, Sr. Luciano Coutinho, comprometeu-se publicamente com a agenda da Plataforma BNDES, em agosto de 2007b e iniciou-se, a partir de então, um processo de diálogo com o Banco.

IHU On-Line – A plataforma tem sido ouvida? Quais foram os avanços?

João Roberto Lopes – A presidência do banco reconhece a plataforma BNDES como interlocutora e se compromete com a agenda da transparência e da inclusão de critérios sociais e ambientais nos financiamentos para o setor do etanol e de hidrelétricas. O Banco passou a divulgar em seu site, a partir de fevereiro deste ano, o conjunto dos projetos privados contratados nos últimos doze meses. Isso é ainda amplamente insuficiente e está aquém do que já realiza há anos instituições congêneres ao banco.

A agenda sobre critérios sociais e ambientais não avançou, e a Plataforma BNDES caminha, neste momento, para uma estratégia de co-responsabilização em relação aos impactos gerados pelos projetos por ele financiados. As organizações que compõem a Plataforma entendem que a resistência do Banco não será superada sem um amplo debate e mobilização social sobre o papel do BNDES e a responsabilidade do Banco em relação aos impactos gerados pelos projetos que ele financia. Impactos sociais e ambientais que evidenciam, na verdade, a insustentabilidade do atual padrão de desenvolvimento.

É com esta perspectiva que a plataforma BNDES realiza, entre os dias 23 e 25 de novembro de 2009, o encontro “Atingidos – I Encontro Sul-americano de Populações Impactadas por Projetos Financiados pelo BNDES”. O encontro servirá também para atualizar a agenda da Plataforma BNDES, iniciada com a presidência do Banco em 2007. Na tarde do dia 25/11, representantes da Plataforma BNDES encaminharão ao presidente Luciano Coutinho as resoluções do Encontro.

Em 2010, teremos eleições presidenciais e, portanto, uma ótima oportunidade para se abrir um amplo debate na sociedade sobre os rumos do desenvolvimento brasileiro. É preciso não cair nas armadilhas das polarizações entre Estado versus mercado, crescimento versus meio ambiente. É preciso introduzir a dimensão distributiva e pública na definição dos caminhos a seguir. Discutir o BNDES é discutir o Brasil que queremos, e qual o papel do país no mundo.

Saiba mais: O BNDES na visão dos movimentos sociais. Entrevista especial com Luiz Dalla Costa, coordenador do MAB.

(Ecodebate, 26/11/2009) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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