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Artigo

A matriz estruturalista na ciência social aplicada para a América Latina atual (1), artigo de Bruno Lima Rocha

Com essa nova seqüência da difusão científica, apresento outra trilogia, onde se verifica o diálogo e a aproximação da Matriz Estruturalista onde se nutre a Teoria de Médio Alcance da Radicalização Democrática e sua base epistemológica. A linha de apoio destes três textos tem a capacidade auto-explicativa e de suporte do título: Os primeiros passos na definição do que é ciência e o enfoque realista . Considero essencial este enfoque porque o mesmo nos possibilita debater e combater a importação de tipos ideais de instituições ou mesmo padrões de qualidade de liderança política – como quando a variável “habilidade” é propositadamente confundido com esquivar-se dos problemas centrais – com a aplicação de conceitos macro-estruturados sobrepostos nos relevos sociais e territórios complexos de nosso Continente. Isto tem várias razões de ser e todas coincidem com o fato de que a ciência social deve complexificar suas questões não com o intuito diletante, mas com ênfase na incidência e não na predição estéril. Como já afirmei antes, a análise política “não é um faz de conta ou um domingo no parque”.

Ciência “humana”?

Conforme viemos demonstrando, esta aproximação da análise estratégica com um posicionamento analítico a favor da Radicalização Democrática e fundamentado na identidade e na importância do componente ideológico tem uma similitude com o corpo conceitual do “estruturalismo” que chegara à América Latina a partir da segunda metade da década de 1960 do século XX. Veremos nesta trilogia a relevância desta matriz de pensamento científico para a construção desta Teoria de Médio Alcance. Para fins didáticos, apresento um livro que considero como de estudos básicos ou de Introdução à Matriz Estruturalista.

Trata-se da coletânea portuguesa organizada por Eduardo Prado Coelho em Lisboa, em agosto de 1967. Na Introdução, de sua autoria, Coelho trás o interessante subtítulo: “Introdução a um pensamento cruel: estruturas, estruturalidade e estruturalismos.” Este livro trás o recorte necessário para a compreensão dos paradigmas que esta geração de pensadores franceses se propõe e todo o rigor necessário para romper com as regras de disciplinas pré-estabelecidas de forma administrativas.

Retornando à chegada e incorporação dos ditos “estruturalistas” por organizações de esquerda latino-americanas e insurgentes na segunda metade dos anos 1960, desta aproximação com o “estruturalismo” decorrem posições e postulados filosóficos e epistemológicos. O primeiro deles diz respeito justamente à concepção do surgimento, de como aparece uma ciência humana. Vou ao encontro de Michel Foucault quando este afirma que: “Não oferece dúvidas que cada uma das ciências humanas se tenha feito por ocasião de um problema, de um obstáculo de ordem teórica ou prática” (Foucault in Coelho, 1968, p.46). Portanto, vemos o surgir de uma ciência, de uma disciplina, se uma subdisciplina, subcampo ou novo campo de saberes como um problema a ser resolvido e um desafio a ser transposto.

No caso destes artigos de difusão científica aqui no portal do IHU, os mesmos são o espelho nada retorcido de um desafio. A solução teórica para uma possibilidade de realização do Poder Popular como uma nova forma de institucionalidade constituída em confronto e como forma de acumulação de forças para superar o pacto liberal-democrático-burguês de democracia indireta e elitista. Sabemos que o caráter de “novidade” deste tipo de abordagem, ou mesmo de redescoberta, sofrerá as mais variadas críticas. Nada que não passe pelo debate acadêmico de bom nível, e também pelas idiossincrasias do campo. Vemos o fenômeno novo, ou “ressuscitado”, como algo positivo em todas as circunstâncias.

Nas raízes daquilo que estudamos, sendo a própria área de saberes e disciplinas cumulativas conhecidas como “ciências humanas”, surgem como algo distinto e um fenômeno inaugural. Ainda segundo Foucault (idem ao anterior, p.46): “o fato de pela primeira vez desde que existem seres humanos e que vivem em sociedade, o homem isolado ou em grupo, se ter tornado objeto de ciência – isso não pode ser considerado nem tratado como um fenômeno de opinião: é um acontecimento da ordem do saber”.

Esta abordagem de “acontecimento da ordem do saber” implica em reconhecer os quesitos necessários para um estudo de rigor (vamos expor logo em seguida) e ao mesmo tempo refutar premissas de antemão. A forma escolhida de fazê-lo é a declaração inicial do marco de intenções, da vontade de incidência e da necessidade de buscar uma episteme própria para o tema. Não será com premissas ocultas de “maximização de ganhos e diminuição de perdas” e nem tampouco com “exemplificações oriundas da econometria” que iremos debater e propor um encadeamento conceitual para acumulação de poder e democracia substantiva. Nenhuma idéia pré-concebida de jogo de soma zero pode ser distributivista e participativa. Nenhuma ciência social ou humana honesta pode se realizar sem expor sua dimensão ontológica de antemão.

Assim, com a modéstia e a tenacidade de sempre, explicito o que me move em coletivo e em que marco de idéias as palavras aqui expressas se encontram. O debate aqui traçado visa o empoderamento dos operadores reais da política, conceituados por nós como agentes sociais. O artigo e o conjunto da obra (da trilogia, da difusão e das análises) visa aproximar nossa visão a partir das realidades apreendidas (real experimentado e já pré-formado pelas identidades e alteridades coletivas) pelas classes mais pobres da sociedade – cuja definição geral, segundo nossa caracterização é de classes oprimidas – e cujos setores de classe com possibilidade de serem organizados conceituamos como sujeitos sociais. Eis a assertiva (de minha autoria):

“Sujeitos sociais são Agentes (operando no nível de incidência político, político-social ou social) organizam e incidem sobre Sujeitos. Na ausência destes agentes concretos e sem um sujeito realmente existente, não há nada que se organize.”

Ou seja, é necessário ter uma formação social concreta, historicamente constituída, dotada de identidade e sentido coletivo (mesmo que latente) para que possa ser organizada no sentido da acumulação de parcelas de poder próprio. Eis o porquê desta Teoria necessariamente atravessar o debate da cultura política e da composição do tecido social organizado, e para tal, passa pelo conceito de capital social.

Procura-se dar um combate franco e em campo aberto. Vai-se de encontro do círculo “virtuoso” e auto referenciado pelos próprios pares dentro do campo universitário. Repetimos que, a busca é pela formulação de um entramado teórico que seja operacional a partir da posição estratégica das classes oprimidas. Assim, contribui-se para aproximar a academia para com as realidades subalternas, ajudando na diminuição do hiato no centro de saber para com a sociedade. Esta Teoria (a da Radicalização Democrática) e o esforço do qual ela é parte visa tornar acessíveis conceitos operacionais, municiadores de capacidades para o processo de decisão daqueles que operam a política de dentro das classes oprimidas.

Bruno Lima Rocha, cientista político com doutorado e mestrado pela UFRGS, jornalista formado na UFRJ; docente de comunicação e pesquisador 1 da Unisinos; membro do Grupo Cepos e editor do portal Estratégia & Análise.

EcoDebate, 13/11/2009

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