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COP 15: Economia limpa em debate

COP 15

Encontro preparatório para a conferência sobre mudanças climáticas da ONU começou ontem na Espanha. Desafio é produzir um texto a ser negociado em dezembro, na Dinamarca, para substituir o Protocolo de Kyoto

Quando delegados de 192 países se debruçarem sobre o texto que será negociado em Copenhague, na 15ª Conferência das Partes das Nações Unidas (COP 15), que ocorre no próximo mês, o que estará em jogo é a transição para uma economia mundial de baixo carbono. Um desafio enorme, considerando-se que o resultado depende de negociações políticas, econômicas e diplomáticas. E também do empenho dos Estados Unidos em participar — coisa que, até agora, não aconteceu. O país, que não ratificou o Protocolo de Kyoto, mantém a postura de recusar qualquer proposta de metas mensuráveis na redução de CO2 na atmosfera, caso nações em desenvolvimento, especialmente China e Índia, não façam o mesmo. Reportagem de Paloma Oliveto*, do Correio Brasiliense.

O debate há muito tempo ultrapassou o conceito de sustentabilidade ambiental, como observa Eduardo Viola, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e um dos maiores especialistas no Brasil em mudanças climáticas. “Clima não é ambiente. É a dimensão central no sistema internacional, implicado com segurança internacional, economia internacional e o ambiente internacional”, diz. Um tema espinhoso, no qual interesses de países desenvolvidos, em desenvolvimento e pobres estão permanentemente em conflito.

Quando, em 1997, foi assinado o Protocolo de Kyoto, ratificado por 184 nações, o mundo ficou dividido em blocos. O chamado Anexo 1 engloba os países ricos, e o Anexo 2 agrega as nações em desenvolvimento, incluindo o Brasil, e as mais pobres. Embora todos tenham de se esforçar para reduzir as emissões de carbono, medida fundamental para frear o aquecimento global, apenas as nações desenvolvidas ficaram submetidas a metas numéricas. Tendo como base o ano de 1990, elas teriam de reduzir em 40% as emissões até 2020.

A lógica está no fato de que os mais ricos foram os que mais comprometeram a camada de ozônio, pois estão à frente no processo de industrialização. Da mesma forma, as nações que começaram a se desenvolver economicamente há pouco tempo e aquelas, como os estados-ilhas, que são predominantemente rurais, não podem pagar uma conta que não é delas. O problema é que nem todos concordam com isso e, para os negociadores dos Estados Unidos, os países em desenvolvimento, em especial aqueles que crescem rapidamente como a China e a Índia, também deveriam se comprometer com reduções estatísticas. Esse foi o principal motivo de os norte-americanos não terem ratificado Kyoto.

Para o secretário executivo do Fórum Mineiro de Mudanças Climáticas Globais, Milton Nogueira da Silva, também consultor internacional e ex-funcionário das Nações Unidas, esse deverá ser o ponto mais difícil das negociações de Copenhague. “Provavelmente, dado o vexame internacional que seria não aprovar o documento, eles (os Estados Unidos) podem aprovar o texto, mas com restrições. Na minha avaliação, o que pode dar errado é a posição dos Estados Unidos. A política externa norte-americana é paquidérmica, não depende só do presidente, mas do Congresso, que é de uma lentidão imensa”, analisa.

Ainda assim, Nogueira acredita que na reunião informal de Barcelona e em Copenhague será costurado um acordo. Ele chama o processo de “big bang”. “Nos últimos 20 anos, acompanhando as negociações das Nações Unidas, constatei que algumas se desenrolam rapidamente e outras não. Mas, ultimamente, está crescendo a manifestação da opinião pública internacional pela aprovação da convenção, e quem está negociando acaba sendo influenciado”, diz. O especialista lembra que há por volta de 2,5 mil pontos de negociação e, com apenas 14 dias de reuniões pela frente — cinco em Barcelona e nove na Dinamarca —, será impossível chegar a um acordo sobre todas essas questões. Porém, ele acredita que, ainda assim, o acordo sairá do papel.

Já Eduardo Viola está mais descrente. “Há quatro grupos-chave: Estados Unidos, União Europeia, China e Índia. Se um deles não chegar a um acordo, não há acordo”, diz. Os EUA já tentaram se aproximar da China, com uma reunião realizada este ano, na qual propuseram um acordo bilateral. A ideia era que os chineses concordassem em entrar no Anexo 1 e trabalhassem com os norte-americanos por metas menos ambiciosas. Os diplomatas chineses ouviram, mas os representantes do EUA foram despachados para casa sem nenhuma resposta. Da mesma forma que o país de Barack Obama resiste a cumprir objetivos numéricos, a China é inflexível quanto à não obrigação de seguir metas determinadas internacionalmente.

Variáveis
Viola também lembra que, mais do que reduzir a emissão de carbono na atmosfera, um acordo sobre o clima envolve outras variáveis, tão importantes quanto, o que dificulta o consenso mundial. Além das emissões totais, é preciso levar em consideração as emissões per capita, a intensidade das emissões e a taxa de crescimento dos países. “Quanto mais pobre um país, menor é sua eficiência energética. Isso significa um PIB (Produto Interno Bruto) baixo, mas com muito carbono”, resume.

É caso, por exemplo, da Indonésia. Embora seja responsável por apenas 5% das emissões mundiais, a quantidade de carbono lançada em relação ao PIB é imensa: 3t por US$ 1 mil. Já nos Estados Unidos, maior emissor total, com 20%, a taxa é bem menor: 0,4t por US$ 1 mil. Os Emirados Árabes destacam-se pelo total emitido. Num país onde a temperatura média oscila entre 40ºC e 50ºC, foi construída uma estação de esqui artificial que consome, por dia, de 40 a 60 mil barris de petróleo. “É o maior vilão do carbono mundial”, brinca Viola.

Duas outras questões importantes e polêmicas são a criação de um fundo de financiamento pelo qual os países desenvolvidos repassem recursos aos mais pobres — para que possam se adaptar a uma economia de baixo carbono — e a flexibilização do direito de propriedade intelectual para as nações em desenvolvimento. No primeiro caso, embora a necessidade do fundo seja consenso, não se chegou a um acordo para saber quem vai pagar a conta. No segundo, o grande problema é que as patentes — cuja regulamentação internacional data de mais de 100 anos —, dificultam o acesso às tecnologias de eficiência energética pelos países em desenvolvimento.

A briga, portanto, é maior do que parece. Na reunião preparatória em Bangoc, realizada no mês passado, representantes do bloco G-77, do qual o Brasil faz parte, chegaram a sair de uma reunião em protesto contra o rumo das negociações. “A briga está começando a esquentar, mas a discussão continua focada no mesmo ponto básico: qual o nível de ambição dos países em relação ao clima?”, aposta João Talocchi, da Campanha de Clima do Greenpeace Brasil.

Divergência brasileira

Embora não faça parte do Anexo 1, o Brasil tem se destacado na liderança das negociações e, no que depender do Ministério do Meio Ambiente, chegará à 15ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 15), em Copenhague, com um plano que inclui metas ousadas de redução do desmatamento e das emissões de CO2 na atmosfera. De acordo com o ministro Carlos Minc, o país quer, até 2020, diminuir em 40% as emissões, o que significaria uma queda de 2,7 bilhões de toneladas para 1,7 bilhão por ano. Está prevista para amanhã uma reunião entre o MMA e o Itamaraty para discutir o plano.

Para chegar a esse nível de redução, o ministério aposta principalmente na queda do desmatamento, que vem caindo de forma contínua — no fim da década de 1990, o índice era de 20 mil quilômetros quadrados e este ano deverá ficar abaixo de 12 mil. Carlos Minc já anunciou que a intenção é reduzir a taxa em mais 80%. “O problema é que o Brasil nem tem um inventário de florestas oficial para ter um parâmetro”, observa João Talocchi, da Campanha de Clima do Greenpeace.

A outra metade da redução das emissões seria consequência de aperfeiçoamento das técnicas agrícolas (os fertilizantes jogam na atmosfera toneladas de óxido nitroso), aposta nos biocombustíveis e manejo sustentável na produção de carvão para a siderurgia. Tanta ousadia, porém, não dependeria apenas do orçamento nacional. A ideia é que 50% das reduções sejam financiadas por fundos internacionais.

A ousadia de Minc esbarra na resistência do Ministério de Ciência e Tecnologia, do Itamaraty e da Casa Civil em estipular em 20% a redução nas emissões de CO2, e não em 40%, como quer o ministro do Meio Ambiente. Além disso, o grupo sustenta que, em Copenhague, o Brasil não deve apresentar uma meta específica de redução, firmando o compromisso apenas no que diz respeito à queda do desmatamento. (PO)

* A repórter viajou a convite da organização da COP 15.

EcoDebate, 03/11/2009

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