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O redesenho do Produto Interno Bruto, PIB, segundo nova ótica mundial, artigo de Carol Salsa

O redesenho do Produto Interno Bruto, PIB, segundo nova ótica mundial
Imagem: Corbis

Cresce em todo o mundo a crítica a um cálculo que equipara o “desenvolvimento” ao valor monetário das mercadorias produzidas. E se dinheiro não for sinônimo de bem-estar? E se tiverem importância fatores ignorados pelo índice, como preservação da natureza, educação e busca da igualdade? ( Tradução de Hazel Henderson -Le Monde Diplomatique)

[EcoDebate] O economista ucraniano nacionalizado estadunidense, Simon Kuznets, desenvolveu o PIB/PNB, e nunca os imaginou como indicadores gerais do progresso de um país. Disse ele que a riqueza de uma nação dificilmente pode (….) ser aferida pela medida da renda nacional, em 1932, durante testemunho perante o Congresso dos EUA. O uso destes indicadores, cuja base essencial é o dinheiro, difundiu-se durante a II Guerra Mundial. Era uma forma de mensurar a produção voltada para o conflito: tanques, aviões, automóveis e todos os outros bens r serviços comercializados com base na economia monetária de uma nação.

“Nos anos 60, grupos de ativistas começaram a se dar conta dos efeitos perversos causados pela obsessão empresarial pelo lucro. Eles perceberam que as metas do PIB também ignoravam aspectos mais amplos do progresso nacional e até estimulavam sutilmente, o mau comportamento. Por exemplo: bens ambientais como florestas e estoques de peixes oceânicos não são levados em conta no PIB. Portanto, um país pode cortar toda a sua floresta e registrar o valor da venda da madeira como ganho no PIB, sem que nenhuma perda seja computada, em nenhum lugar”.

Durante a Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro em 1992, 170 países assinaram a Agenda 21. Nela, todos concordaram em corrigir erros na definição do Produto Nacional Bruto e da sua respectiva versão doméstica, o PIB.

Para que essa mudança ocorresse era necessário conceituar o que era qualidade de vida.
Um estudo sobre a conceituação da qualidade de vida e indicadores de sustentabilidade propõe três linhas de reflexão sobre o tema descrito no livro “Qualidade de Vida e Riscos Ambientais”, da socióloga Selene Herculano, em 2000.

A primeira abordagem, segundo ela, se iniciou em 1985, em Helsinki, com o World Institute for Development Economics Research (WIDER), das Nações Unidas, e que em 1988 promoveu uma conferência, organizada pela filósofa Martha Nussbaum e pelo economista indiano Amartya Sen, sobre Qualidade de vida, o que resultou em um livro de referência obrigatória.

A segunda constou de um seminário organizado em 1994, em Londres, pela New Economics Foundation, intitulado “ Accounting for Change” ( Contabilidade/ responsabilidade para Mudar).

A terceira apresentada pelo World Resources Institute, em 1995, propondo uma metodologia nacional de indicadores ambientais, com vistas à tomadas de decisões em escala internacional. Após resumir os pontos mais relevantes destes debates, foram apresentados alguns indicadores brasileiros e as possibilidades do conceito de qualidade de vida como um instrumental sociológico, um novo campo não só de estudos, mas também, de intervenção que estaria definido pelo estudo substantivo, descritivo e normativo, das condições de vida social, econômica e ambiental (algo que extrapola a racionalidade incompleta da noção econômica de desenvolvimento).

Para conceituarmos a qualidade de vida na tentativa de se obter o mesmo efeito teórico articulador e integrador, similar ao esboçado pela sociologia européia é que ela sirva de base para esboçar um compromisso ético de uma sociedade garantidora da vida, onde as potencialidades humanas não sejam brutalizadas nem a natureza destruída.

Segundo Selene Herculano, para a questão da qualidade de vida propõe-se aprofundar uma reflexão sobre as premissas definidoras e norteadoras da busca do desenvolvimento e do bem estar, do ponto de vista ético, ambiental, de plenitude humana, a fim de sugerir elementos para a elaboração de um novo conjunto de indicadores que mensurem, a um só tempo de forma integradora. O bem-estar individual, o equilíbrio ambiental e o desenvolvimento econômico. O conceito de qualidade de vida seria o fundamento deste conjunto de indicadores, aqui entendido enquanto um direito de cidadania (Ferreira, 1996).

Para conceituarmos a qualidade de vida na tentativa de se obter o mesmo efeito teórico articulador e integrador, similar ao esboçado pela sociologia européia é que ela sirva de base para esboçar um compromisso ético de uma sociedade garantidora da vida, onde as potencialidades humanas não sejam brutalizadas nem a natureza destruída, enfatiza Selene.

Para o econommista e prof. Da USP, José Eli da Veiga, “O PIB, como medida do desempenho econômico é precário e limitado e a grande inovação do século será sua superação. As limitações são muitas. Uma das principais é o fato de que ela não contém nenhum tipo de amortização. O PIB envolve capital físico construído e também humano. No que tange os recursos naturais, o PIB simplesmente não contempla a questão”. Para ele, o novo cálculo de riqueza de um país deve considerar recursos humanos e patrimônio natural. Qualquer acordo para mudar a contabilidade nacional implicará uma reforma. Quanto à possibilidade de considerar os passivos ambientais no PIB, o economista diz que aí não será mais PIB, será outra coisa. Vai ser uma nova maneira de se fazer a contabilidade nacional que vai permitir que os resultados do desempenho econômico sejam medidos de uma maneira melhor do que a atual, disse ele em entrevista concedida a Andréa Vialli, de O Estado de São Paulo, em 18/05/2009.

Unir as três coisas (contabilidade nacional, desempenho econômico e passivo ambiental) em um indicador só é impossível. Acredita-se que alguma medida de desempenho econômico não seja tão ruim como o PIB, ressalta o prof. Eli.

Numa lógica idêntica à do capital, o PIB enxerga custos sociais e ambientais como “externalidades”. Na maioria das economias industriais, o setor de serviços cresceu mais que o de bens. Os estatísticos estão constantemente revisando os componentes do PIB, em função da evolução das sociedades e das tecnologias. No entanto, estas correções se chocam contra uma barreira. Como o PIB inclui apenas a produção medida em dinheiro, os indicadores nacionais ignoram muitos dos custos sociais e ambientais do processo produtivo – assim como fazem as corporações. Os manuais de economia referem-se a tais custos, impostos à sociedade e às gerações futuras, como externalidades. Significa que poderiam ser omitidas ou deixadas de lado nos balanços de uma companhia e, consequentemente, também no PIB.

Ao longo da última década, algumas companhias começaram a prestar constas dos custos sociais e ambientais de sua produção. Eles foram internalizados nos balanços, na forma de relatórios baseados no princípio triple bottom line, hoje adotado por mais de 600 corporações globais. No entanto, não foram feitas as correções correspondentes no PIB. De acordo com os manuais de economia, o PIB ainda estabelece como nulo o valor dos bens ecológicos vitais, como ar limpo, água e biodiversidade; ou o de seres humanos saudáveis; ou o trabalho não-remunerado (educação das crianças, manutenção do lar, cuidados com doentes e idosos, serviço voluntário, etc.). Tais valores devem corresponder a cerca de 50% de toda a produção, mesmo em sociedades industrializadas.

Recentemente, o presidente da França, Nicholas Sarkozy encomendou a dois economistas Joseph Stiglitz e Amartya Sem um estudo pormenorizado do PIB. Uma Comissão com 27 membros subdividida em três grupos foi formada. Um deles ficou com os problemas clássicos do PIB. Outro ficou com a sustentabilidade e o outro grupo vai trabalhar a qualidade de vida, que envolve essa discussão sobre felicidade, um debate subjetivo. A Comissão foi criada no início de 2008. Os números do PIB têm destaque especial. Outra preocupação mais ampla é a de sustentabilidade econômica, ambiental e social.

Refletindo essas preocupações, o Presidente Sarkozy solicita verificar toda a gama de questões. Seu objetivo é identificar os limites do PIB como um indicador do desempenho econômico e progresso social para analisar as informações adicionais necessárias para a produção de uma imagem mais relevante, para discutir a forma de apresentar essas informações na forma mais adequada, e para verificar a viabilidade de instrumentos de medição proposto pela Comissão. Os trabalhos da Comissão não estão focados em França, nem nos países desenvolvidos. A saída da Comissão será tornada pública, fornecendo um modelo para cada país interessado ou grupo de países.

A Comissão é presidida pelo professor Joseph E. Stiglitz, da Universidade de Columbia. Professor Amartya Sen, Universidade de Berkeley, é presidente consultor. Professor Jean-Paulo Fitoussi, Institut d´Etudes Politiques de Paris, presidente do Observatoire Français dês Conjonctures Economiques (OFCE), é Coordenador da Comissão. Os membros da Comissão são renomados especialistas de universidades e organizações governamentais e intergovernamentais, em vários países (E.U.A, França, Reino Unido, Índia). Relatores e secretariado são fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística Francês ( Insee), FCE e da OCDE

O que nos chama a atenção é constatar que a primeira vez que se deslumbrou o problema foi no século passado, em 1932, com várias contribuições significativas para uma mudança ou redesenho do indicador PIB. Tudo isso foi dito pelo seu próprio autor, Sr. Simon Kuznets. Quanto tempo será necessário para que a humanidade possa desfrutar de indicadores com leituras mais próximas da realidade? Por causa da demora do redesenho do indicador, cálculos equivocados, e realidades distorcidas são alardeados ao mundo inteiro em relação ao país que detém o maior PIB e, consequentemente, o que detém a mais controvertida definição para quem adota equivocadamente os parâmetros deste indicador.

Apenas como ilustração, “em condições normais de temperatura e pressão”, uma criança aos dois anos fala e anda. Entre os seis e sete anos está alfabetizada. Aos 24 ou 25 anos já está formada. Se estiver empregado com carteira assinada se aposenta aos 55 anos ou 60 anos, aqui no Brasil. Nos outros países imagina-se que em torno dessas idades também se dê o amadurecimento nas profissões que abraçaram. Durante a vida útil de trabalho, os acadêmicos tiveram a oportunidade de se dedicar a pesquisas, estudos, publicar artigos, obter informações e compartilhar idéias, alguns com os melhores economistas do mundo em diferentes épocas. Já que eles produziram preciosas informações, entre 1932 e 2008, portanto, 76 anos precisou que o Sarkozy tomasse, enfim, uma atitude responsável da qual ainda se espera que todo o mundo se mova, quero dizer que todos os atuais governantes de todos os países se movam para uma ação peculiar a cada país. Os resultados esperados são para 2010. O que precisa acontecer para que o paradigma seja mudado? Quantos séculos serão necessários para se por em prática um raciocínio lógico?

Já estamos a 77 anos esperando uma solução dos detentores do poder apesar de tantos Prêmios Nobel em economia no mundo. Que haja uma luz no final do túnel!

Fontes:
http://register.consilium.europa.eu/pdf/pt/09/st11/st11448.pt09.pdf
http://diplo.uol.com.br/imprima2026
http://www.fatorambiental.com.br/portal/index.php/2009/05/18/pib…

EcoDebate, 27/10/2009

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