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Mídia e educação. Entrevista especial com Gilka Girardello

A relação que as crianças têm, atualmente, com as mídias está, perceptivelmente, gerando uma nova cultura da infância. Para a professora de comunicação e educação, Gilka Girardello, o conceito de infância sempre está em transformação, mas as mídias atuais trouxeram uma noção de autonomia maior para o público infantil. “Nós vemos no cotidiano das crianças que acessam a internet o quanto para elas é importante não tanto entrar em contato com outras crianças do outro lado do mundo, mas terem um contato mais constante com aquelas que já participam de seu cotidiano”, disse Gilka na entrevista que deu à IHU On-Line, por telefone.

Assim, ao longo da conversa, a professora vai revelando e destacando aspectos interessantes desta relação que as crianças vêm mantendo com as novas tecnologias e como isso muda a forma como elas atuam na sociedade. “Acho que se, por um lado, a infância mudou, ela ainda não acabou, porque as crianças seguem exercitando uma série de características da gramática das culturas infantis”, opinou.

Gilka Girardello é graduada em Comunicação Social, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e mestre em Liberal Studies, pela New School for Social Research (EUA). Fez doutorado em Comunicação pela Universidade de São Paulo e atualmente é professora na Universidade Federal de Santa Catarina.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como a midiatização mudou a cultura da infância de hoje?

Gilka Girardello – Hoje, a criança tem um acesso mais autônomo a uma série de textos, imagens e narrativas das mídias. Existe uma diversidade maior de ofertas. Há não só um grande número de canais de televisão, mas, sobretudo com a internet, uma possibilidade maior de acesso. Claro que isso depende das possibilidades econômicas, o que significa que nem todas as crianças conhecem essa diversidade. É muito comum que elas entrem em sites que suas amigas e amigos também acessam. Por um lado, a internet tem uma dimensão muito global, mas por outro também tem uma dimensão mais local. Nós vemos no cotidiano das crianças que acessam a internet o quanto para elas é importante não tanto entrar em contato com outras crianças do outro lado do mundo, mas terem um contato mais constante com aquelas que já participam de seu cotidiano.

Então, acho que existe essa dimensão de comunicação muito grande, a partir da possibilidade de as crianças estarem em contato de diferentes formas com aquelas com quem já convivem. Depois, tem a dimensão da produção, ou seja, o fato de as tecnologias serem mais acessíveis hoje do que eram há 20 anos, embora ainda tenha a questão da diferença socioeconômica no nosso país. Então, isso que estou falando precisa ser entendido a partir do fato de que esse processo não acontece do mesmo jeito para as crianças de todas as classes sociais. No entanto, mesmo assim, até crianças de classes mais baixas acabam, pela escola, por projetos, tendo um pouco mais de possibilidade de se verem enquanto produtoras de imagens e textos de mídia. Ou seja, existe uma presença maior da produção cultural midiática no cotidiano das crianças. Claro que exige atenção dos adultos, porque apesar de ter aspectos positivos, esse acesso tem também aspectos negativos. Precisamos ter muito critério para não olhar esquematicamente para este processo. Por isso, atentamos para a mídia-educação, em que pais, professores e escolas estejam atentos para o fato de que hoje uma educação que não pensa na mídia é uma educação incompleta.

Isso porque mídia-educação é todo um conjunto de propostas e preocupações que estejam voltadas ao fato de as crianças poderem ser educadas para fazer uma leitura crítica com relação ao seu uso das mídias. Elas devem ser capazes de utilizar as mídias e serem produtoras e criadoras de conteúdo que utilizem a linguagem das mídias. Também deve ser uma educação que possa se valer, no processo de ensino, da riqueza que as mídias oferecem enquanto recurso.

IHU On-Line – A partir da relação mais intensa com as mídias, podemos afirmar que o conceito de infância mudou?

Gilka Girardello – O conceito de infância está sempre mudando e hoje ele é muito problemático em vários sentidos. Com certeza, as mídias ajudam a torná-lo ainda mais problemático. Na verdade, quando nos preocupamos com a criança hoje, também estamos nos preocupando conosco. Todos os temores que a sociedade tem com a infância significam que ela tem os mesmos temores com ela mesma. Se, por um lado, é verdade que as crianças hoje têm muito mais acesso à informação do que em gerações anteriores, – e isso pode levar a um desaparecimento de uma concepção de infância que tínhamos em gerações anteriores – por outro lado, nós vemos que existe uma singularidade na produção cultural das crianças e percebemos que elas, no contexto das mídias, seguem fazendo coisas que sempre fizeram.

Continuam, portanto, interagindo umas com as outras, brincando, inventando, construindo a si próprias e imaginando. Acho que se, por um lado, a infância mudou, ela ainda não acabou, porque as crianças seguem exercitando uma série de características da gramática das culturas infantis. Penso que é muito importante que os adultos, de um modo geral, estejam atentos à produção cultural das crianças no contexto das novas mídias. É muito fácil dizermos que as mídias são ruins e que precisamos acabar com isso, proibindo o acesso. Só que nós sabemos que proibir não é a melhor forma de lidar com a questão. Por isso, trazer a preocupação com as mídias para o contexto da educação é fundamental, atualmente.

IHU On-Line – E qual é o papel da internet hoje, na vida das crianças?

Gilka Girardello – Ela é, principalmente, um lugar de comunicação. Nós fazemos muitas pesquisas nesse campo e percebemos isso. A internet é, também, um espaço de brincadeira, de jogo. Mas um dos papéis mais importantes dela na vida das crianças é a comunicação. Elas usam a internet para se comunicarem com seus amigos, através do MSN, do Orkut e de outras redes. A outra grande presença são os jogos. O uso da internet enquanto pesquisa até aparece, mas num contexto mais orientado pelos adultos. O principal sentido da web na vida das crianças é o da brincadeira e do contato. Por isso, é uma nova forma de elas produzirem cultura, pois estão produzindo sentido junto com outras crianças.

IHU On-Line – E como a senhora analisa a presença do celular no cotidiano infantil?

Gilka Girardello – Pela experiência que tenho, percebo que as crianças de até dez anos não têm uma grande presença do celular em seu cotidiano. A partir dos dez anos, usam o telefone na mesma linha da internet. Também há o desejo do contato, de produzir sentido junto com outras crianças e fazem isso de forma lúdica. Toda a recepção da mídia está atravessada pela questão do acesso. E aqui volta o problema da desigualdade social. Assim, o celular, enquanto objeto de consumo, é muito atravessado por essa questão, pois ele é um objeto que a pessoa possui e acaba se tornando um objeto de status muito visível. O computador dilui um pouco essa relação individual de propriedade, pois a criança pode ter acesso não apenas em casa, mas na escola, por exemplo.

IHU On-Line – Apesar de serem focos de violência contra a criança, porque há um interesse e um acesso tão grande das crianças às redes sociais?

Gilka Girardello – Justamente por esse desejo de estar em contato com as outras crianças e de produzir cultura. Elas estão se expressando publicamente, estão trocando com as demais crianças. Querem falar de igual para igual.

IHU On-Line – A presença da mídia na vida das crianças muda (ou deveria mudar), também, a lógica da escola?

Gilka Girardello – Com certeza. Tem um trabalho muito bom que fala de como os videogames poderiam ensinar para a educação. Ele procura ver quais são as lógicas do brinquedo, de forma que possa tornar esse princípio que está nos jogos eletrônicos uma apropriação da educação, incentivando o planejamento corporativo das ações pedagógicas das escolas para as crianças. Então, podemos usar as mídias na escola, sim, mas não apenas isso. Precisamos fazer com que a educação seja mais participativa, mais colaborativa. Precisamos ver o que apaixona as crianças nas mídias. Não que a escola tenha que imitar as mídias, mas não precisa haver uma barreira tão grande entre os caminhos e as linguagens usadas nesses dois universos. Mas as mídias também têm o que aprender com a educação; a recíproca deve existir.

(Ecodebate, 17/07/2009) publicado pelo IHU On-line, 16/07/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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One thought on “Mídia e educação. Entrevista especial com Gilka Girardello

  • Eu venho observando que ao longo do tempo, ás vezes, a televisão mostra reportagens, onde o homem pesca em corredeiras dos rios brasileiros. Entretanto, nessas reportagens nunca vi nenhum lembrete de que pescar em corredeiras constitue crime ambiental. Nessas circunstâncias, a televisão se posiciona na contramão da escola. Por quê? Porque rotineiramente, por exemplo, policiais ambientais fazem educação ambiental nas escolas e dão ênfase aquilo que é permitido e proibido, Pescar em corredeiras é proibido. A criança nesse caso recebe duas informações, ou seja, numa diz que não pode noutra mostra que pode. Algo está errado e precisa ser corrigido. Aliás, no futuro, nossas crianças não serão adultos pescadores, pois não haverá peixes e, talvez, nem mesmo as corredeiras.

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