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Sustentabilidade da piscicultura no baixo São Francisco alagoano: condicionantes socioeconômicos

Sustentabilidade da piscicultura no baixo São Francisco alagoano: condicionantes socioeconômicos

Juliana Sheila de Araújo, Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA, Universidade Federal de Alagoas – UFAL

Maria de Fátima Pereira de Sá, Doutora em Ciências (Ecologia), Professora Voluntária do ICB, Universidade Federal de Alagoas – UFAL.

RESUMO

Este trabalho teve como objetivo analisar, sob a ótica do desenvolvimento sustentável, características socioeconômicas do desenvolvimento da piscicultura no baixo rio São Francisco alagoano. Foram entrevistados piscicultores ativos e inativos da região, entre março e julho de 2005. Os resultados indicaram, principalmente, que o nível de renda pode ser determinante para o desenvolvimento de uma piscicultura comercial sustentável, com parte dos pequenos produtores dependendo de subsídio governamental.

1 Introdução

A piscicultura no baixo São Francisco foi implantada no início dos anos de 1980, recomendada como uma alternativa de substituição, ou complemento, das atividades tradicionais de subsistência da população local, a pesca e a agricultura de vazante, que foram prejudicadas pelos planos de desenvolvimento implementados no vale do rio, executados pela Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF) e pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF).

Com o crescimento da atividade e a elevação das produtividades, auxiliados pela introdução dos tanques-rede na década de 1990 e favorecidos pela potencialidade da região, como clima, solo e topografia favoráveis, além de água de boa qualidade, e por incentivos governamentais, a região ganhou o título de “pólo regional do setor” (ALAGOAS, 2004a, p. 110).

Dependendo da forma como é conduzida, a piscicultura pode gerar impactos positivos, tais como emprego e renda para a população, ou causar diversos impactos negativos na localidade onde está inserida, como destacado por Valenti (2000, p. 27): “dependendo da concepção dos projetos, a aqüicultura irá concentrar renda nas mãos de poucos ou irá promover o desenvolvimento social”. O rumo tomado pela atividade, segundo o autor, dependerá da política governamental adotada para o setor.

Ao mesmo tempo, ao informar haver indícios de que nem sempre a aqüicultura foi capaz de ajudar os mais pobres e necessitados, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO1) explicou que o desenvolvimento de projetos de aqüicultura dos “mais pobres” (denominação dada pela própria FAO) é muito dependente do apoio do Estado (FAO, 1994). Esse tipo de aqüicultura, formada principalmente por produtores que a utilizam para subsistência ou por aqueles que comercializam apenas pequena parte de sua produção, é realizada de forma muito simples e, segundo a FAO, a atividade é paralisada pela maioria quando cessa a ajuda do Estado.

O crescimento da atividade no baixo São Francisco não foi acompanhado por pesquisas que a caracterizassem ou que avaliassem e monitorassem o seu desenvolvimento. Mesmo não dispondo de tal avaliação, o governo do Estado de Alagoas continuou convocando produtores para investir no setor, destacando-o entre os agronegócios recomendados e prevendo como benefícios: “ampliação e consolidação da cadeia aqüícola, desenvolvimento sustentável de uma região carente, fixação e aproveitamento da mão-de-obra local” (ALAGOAS, 2004a, p. 62; grifos das autoras).

Assim, a realidade dos benefícios sociais proporcionados pela atividade pode estar sendo mascarada pelos dados puramente econômicos apresentados pelos órgãos responsáveis, indo de encontro aos preceitos do “desenvolvimento sustentável”, que esses mesmos órgãos dizem almejar. Isso pode tornar ineficientes os incentivos oferecidos pelas instituições interessadas, obstruir a obtenção, pela população, de benefícios reais advindos dessa atividade, além de gerar impactos ambientais negativos.

O conceito de desenvolvimento sustentável, construído a partir da crítica “à visão economicista e desenvolvimentista” (MONTIBELLER-FILHO, 2001, p. 43) do modelo de desenvolvimento predominante, abrange diversas dimensões, buscando uma “harmonização de objetivos sociais, ambientais e econômicos” (SACHS, 2000, p. 54). Assim, além da sustentabilidade econômica, devem ser consideradas as sustentabilidades social, ecológica, espacial e cultural (MONTIBELLER-FILHO, 2001, p. 49).

Porém, trata-se de um conceito polissêmico, sendo o termo “sustentável”, para Montibeller-Filho (2001, p. 53), “mais um rótulo ou adjetivo afixado ao conceito tradicional – desenvolvimento”. Essa característica permite apropriações diferenciadas dos seus pressupostos, tornando-o universalmente aceito e, por outro lado, criticado por diversos autores (FERNANDEZ, 2000; GADOTTI, 2000; FOLADORI, 2001; FERNANDES; GUERRA, 2003); além de dificultar a proposição de indicadores de sustentabilidade para a sua avaliação (DEPONTI; ALMEIDA, 2002).

Nesse sentido, percebeu-se a necessidade de serem analisadas, sob a ótica do desenvolvimento sustentável, características socioeconômicas do desenvolvimento da piscicultura no baixo São Francisco alagoano. Por conta das diferentes apropriações do termo, tomou-se como base a concepção que, segundo Almeida (2002, p. 28), considera a democracia, a autodeterminação dos povos, o respeito à diversidade cultural, à biodiversidade natural e à participação política dos cidadãos. Assim, para a presente pesquisa, condicionantes de sustentabilidade foram características que possibilitaram uma manutenção da atividade, atendendo às necessidades dos piscicultores e da comunidade, respeitando os demais usuários dos recursos naturais e provocando impactos ecológicos mínimos.

2 O baixo São Francisco

O rio São Francisco tem a sua nascente localizada na Serra da Canastra, no Estado de Minas Gerais, a 1.600 m de altitude, e percorre 2.700 km até alcançar a foz no Oceano Atlântico, entre os estados de Sergipe e Alagoas (TUNDISI et al., 1999, p. 162). A área total da bacia é de 640.000 km2, abrangendo sete unidades da Federação, quais sejam, os estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Goiás, além do Distrito Federal (BRASIL; OEA, 1989, p. 12).

Com base nas características do perfil longitudinal do rio e de seus principais afluentes, o vale é dividido em quatro grandes áreas: alto, médio, submédio e baixo São Francisco (BRASIL; OEA, 1989). O baixo São Francisco tem início no município de Paulo Afonso (BA).

A característica dos períodos de pluviosidade ao longo do vale determinava a dinâmica do rio, que apresentavacheias no verão e estiagens no inverno (SATO; GODINHO, 1999). As cheias pertenciam a dois tipos definidos: o primeiro tipo, ocorria em razão das grandes chuvas nas cabeceiras, e o segundo, provocado pelas chuvas caídas na região do Baixo São Francisco (SATO; GODINHO, 1999).

Na época das cheias, ocorria uma intensa movimentação dos peixes, que migravam rio acima ao encontro de um local propício para a desova. Inúmeras lagoas marginais (nas regionalmente conhecidas “várzeas”) comunicavam-se com o rio São Francisco, quando os peixes procuravam as suas águas paradas e ricas em alimentos, fornecidos pelos ecossistemas terrestres, além dos filhotes poderem dispor da riqueza de plâncton e da proteção desses ambientes para o seu desenvolvimento, antes de retornarem ao rio principal. Com isso, a região do baixo São Francisco era considerada a área piscosa mais produtiva de todo o vale (CODEVASF, 1985, p. 5).

As várzeas constituíam-se nas planícies de inundação ou áreas alagáveis, comuns em rios meândricos. De acordo com Junk (1997, p. 6), “planícies alagáveis (floodplains) são áreas periodicamente inundadas pelo sobrefluxo lateral de rios ou lagos e/ou pela precipitação direta ou pela água subterrânea; o ambiente físico-químico resultante leva a biota a responder com adaptações morfológicas, anatômicas, fisiológicas, fenológicas e/ou etológicas e produz estruturas de comunidade características”.

Barros (1985) relatou como as atividades humanas localizadas nas várzeas mantinham uma estreita relação com a dinâmica do rio, com seus ciclos anuais de cheias que inundavam essas áreas entre os meses de novembro e maio. Barros (1985, p. 108) explicou que “durante este período, as atividades da população rural eram voltadas principalmente para a pesca de peixes e camarões, que proliferavam nas lagoas que se formavam no interior das várzeas. Quando as águas desciam, iniciava-se o plantio de arroz, de uma variedade mais alta, capaz de resistir a maiores períodos de inundação”.

Portanto, além da influência ecológica que as cheias ofereciam, o regime do rio também determinava a dinâmica econômica e social da região, especialmente pela presença dessas áreas alagáveis, “imprimindo em tudo a sua influência permanente” (MEDEIROS NETO, 1941, p. 150). Naquela época, assim observava Medeiros Neto (1941, p. 150): “as cheias são o período da grandeza das águas e da opulência da região, são a opulência do rio e a grandeza do povo”.

Entretanto, a política de geração de hidroeletricidade adotada pela CHESF, com a construção de várias barragens (Três Marias, Sobradinho, Itaparica, Moxotó, Paulo Afonso e Xingó), alterou substancialmente o regime natural do rio São Francisco, principalmente, com a formação do lago de Sobradinho, na década de 1970. Sigaud (1991, p. 48) afirmou que “o enchimento do reservatório de Sobradinho representou a liquidação das bases de produção” acima descritas. Nota-se, assim, a magnitude do impacto ecológico e socioeconômico nos municípios ribeirinhos, quando da regularização das cheias.

Para compensar os efeitos negativos nos sistemas de produção nas várzeas, o Banco Mundial condicionou a concessão de fundos para a ampliação da Usina de Paulo Afonso à preparação de um programa de emergência para a proteção das várzeas do baixo São Francisco, visando resguardar os produtores dos prejuízos a que se veriam submetidos (BARROS, 1985).

Nesse sentido, a CODEVASF encomendou o chamado “Projeto Emergência para o Baixo São Francisco” (VARGAS, 1999, p. 105). Assim, foi efetuado um mapeamento das várzeas, tendo como objetivo: a) “restabelecer, pelo menos, as condições de produção agrícola”; b) provocar o mínimo de perturbações na economia e no ‘modo de vida’ num prazo muito curto; e c) não prejudicar a futura valorização das várzeas e, pelo contrário, constituir um primeiro passo nesta diretriz (…)”. Para isso, foram apontadas, dentre outras, as seguintes opções: indenização pelo abandono total das várzeas e a implantação da piscicultura extensiva (VARGAS, 1999, p. 106). Esse projeto resultou em duas linhas de ação: a construção de 110 km de diques e de 10 estações de bombeamento à jusante de Propriá (SE), e a desapropriação das terras, a construção de sistemas de irrigação e a redistribuição de terras para o pessoal atingido (VARGAS, 1999, p. 107), o que resultou na formação dos perímetros irrigados. As terras loteadas eram divididas em parcelas de 3,5 ha, destinadas ao plantio exclusivo do arroz (BARROS, 1985). O programa seria realizado nas oito grandes várzeas da região: Propriá, Cotinguiba, Pindoba, Betume e Brejo Grande, em Sergipe; Itiúba, Boacica e Marituba, em Alagoas (BARROS, 1985).

Para Barros (1985, p. 97), esses perímetros irrigados “representam talvez o caso mais extremo de transformação de condições sócio-ambientais pela via tecnológica, apenas superado pela construção de grandes represas com finalidades hidro-elétricas [sic]”.

3 Primórdios da piscicultura no baixo São Francisco

Além das exigências do Banco Mundial, a implantação da piscicultura no baixo São Francisco também atendia à Portaria SUDEPE2 nº N-1, de 04/01/1977 (BRASIL, 1977), que, no seu art. 1º, determinava: “As barragens que implicarem na alteração de cursos d’água serão construídas com a observância das medidas de proteção à fauna aquática indicadas pela SUDEPE”.

Alguns anos após a construção da hidroelétrica de Três Marias, coube à CODEVASF desenvolver pesquisas pesqueiras para a exploração racional do potencial do vale do São Francisco para a piscicultura. Assim, foi criada, em 1978, a Estação de Hidrobiologia e Piscicultura de Três Marias (MG). Anos depois, com financiamento do Banco Mundial e, “dentro de seus propósitos desenvolvimentistas”, a CODEVASF dizia que estava “procurando reparar os danos causados à região, mediante a implantação de duas estações de piscicultura…” (CODEVASF, 1985, p. 5). Passava-se assim a desenvolver “uma ampla campanha promocional em torno das oportunidades econômicas oferecidas pela piscicultura e suas consorciações em todo o vale do São Francisco” (CODEVASF, 1985, p. 6), afirmando: “No vale do São Francisco, a prática da piscicultura é uma realidade que caminha a passos firmes para preencher o espaço econômico que lhe é reservado no desenvolvimento da área sob intervenção da CODEVASF” (CODEVASF, 1985, p. 9).

Com esse propósito, a piscicultura teve início no baixo São Francisco através de um projeto experimental da CODEVASF, com a instalação, em 1982, da Estação Piloto de Piscicultura de Itiúba, em Porto Real do Colégio (AL), que oferecia alevinos para que os pequenos produtores rurais passassem a explorar comercialmente, nos perímetros irrigados, a criação de peixes (CODEVASF, 1985, p. 19). Na ocasião, informava a CODEVASF (1985, p. 21): “Merece destaque, também, a piscicultura extensiva, na qual o cultivo de peixes vem sendo explorado por parceleiros em lagoas naturais adjacentes aos lotes, em viveiros escavados nos quintais das residências e até mesmo nos drenos para o consumo doméstico”.

Em entrevistas realizadas em 2002, no Perímetro Irrigado de Boacica, localizado no município de Igreja Nova (AL), muitos produtores rurais que cultivavam arroz relataram que aderiram à piscicultura devido às perdas ocasionadas pela praga do rato em suas plantações.

Pacheco e Lira (2003, p. 5) contam que, por meio de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), financiados através do Banco do Nordeste do Brasil, a CODEVASF implantou um projeto piloto, junto com os produtores de Itiúba, de criações consorciadas (porco-arroz-peixe), os denominados condomínios. Porém, as estruturas foram devastadas por fortes chuvas ocorridas na região em 1992 e 1994, acarretando endividamento, junto à instituição financeira, dos envolvidos nesse projeto. Os autores prosseguem, informando que os efeitos são sentidos até hoje na região, porque muitos produtores não conseguiram ainda pagar as dívidas, o que os impede de obter novos créditos e prejudica o desenvolvimento de seus empreendimentos.

Segundo informações de técnicos da CODEVASF, que prestavam assistência na área, os produtores do Perímetro Irrigado de Boacica enfrentavam situação semelhante. Entretanto, segundo os referidos técnicos, o problema maior foi o confisco dos recursos pelo governo Collor, impossibilitando a continuidade do projeto devido à falta de condições de aquisição das matrizes de suínos, fragilizando ainda mais o programa. A atividade já havia sido prejudicada em 1989 com a paralisação das atividades industriais da Nutrial – empresa localizada em Propriá (SE), responsável pelo abate, pela industrialização e pela comercialização de suínos e derivados produzidos no baixo São Francisco -, restringindo, assim, a comercialização de suínos da região. Para um dos técnicos, a situação ainda foi agravada por fatores ambientais, como enchentes e a praga do rato nas plantações de arroz, o que complicou a situação dos produtores.

A avaliação do Banco Mundial (BIRD; BRASIL, 1991) constatou, no início da década de 1990, que o desempenho econômico dos projetos de irrigação da CODEVASF no baixo vale foi “altamente desapontador, ocasionado por problemas de drenagem inadequada, salinização e falta de apoio de extensão para os colonos […] a despeito das promessas de resultados com a cultura integrada porco-arroz-peixe. Além disso, existe alguma evidência de que a inadimplência dos agricultores pode ter levado ao abandono prematuro da terra e à concentração das propriedades”.

Fora dos perímetros irrigados, pequenos produtores e empresários que trabalhavam apenas com a criação de gado ou o cultivo de cana-de-açúcar, além dos cultivos de coco e de arroz, começaram a buscar na criação de peixes uma forma de aumentar seus rendimentos.

Com a introdução de tanques-rede no reservatório da Usina Hidroelétrica de Xingó, na década de 1990, as atividades de piscicultura entraram em uma nova fase, alcançando grande produtividade, favorecida pelas potencialidades da região, pelos incentivos governamentais e pela natureza intensiva desse sistema de cultivo.

Entidades de fomento à pesquisa e ao desenvolvimento regional – CODEVASF, Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e Instituto Xingó – muito contribuíram para o crescimento do setor, através da capacitação de pescadores e do fornecimento de tanques-rede (ALAGOAS, 2004a, p. 112). Proprietários rurais, atraídos pela lucratividade da produção, também aderiram a essa modalidade de cultivo.

SEBRAE e colaboradores (2006, p. 59) identificaram, para Alagoas, um total de 8.296,5 m3 ocupados pelos tanques-rede na região, o que equivale a mais de 2.000 unidades. A produção registrada foi de 1.078,60 t (SEBRAE et al., 2006, p. 78), principalmente de tilápia (Oreochromis sp.), espécie exótica, de origem africana, mas largamente difundida em grande parte dos sistemas aquáticos brasileiros (ENGE-RIO, 1992).

Quanto aos cultivos em viveiros, a área alagada total da piscicultura na região era de 270 ha, concentrando-se principalmente nos municípios localizados entre a foz do rio São Francisco e o município de São Brás (SEBRAE et al., 2006, p. 53). A produção registrada para esse sistema de cultivo é de pouco mais que 327 toneladas anuais (SEBRAE et al., 2006, p. 78).

Porém, a atividade sofre com eventuais enchentes ocasionadas pelas cheias do rio, danificando tanques-rede e cobrindo viveiros escavados. Segundo dados oficiais do governo do Estado (ALAGOAS, 2004b), na última grande cheia, ocorrida em 2004, foi verificada uma perda de 588 t de peixes, causando um prejuízo estimado em R$ 2.447.493,60.

Vários piscicultores desistiram da atividade devido aos prejuízos enfrentados e à falta de definição de competência de responsabilidades pelas perdas. O auxílio dado pela CODEVASF a alguns produtores foi o fornecimento de alevinos, o que para eles foi insuficiente, uma vez que perderam peixes prontos para a venda, após meses de gastos com ração e mão-de-obra. O fornecimento de alevinos, apenas, implicaria necessariamente meses de novos investimentos com insumos para poder desenvolver a produção. Alguns produtores haviam sido vítimas de perdas das enchentes de 1992, 1994 e 1996, aumentando o desestímulo para se manter na atividade.

4 Procedimentos metodológicos

4.1 Da escolha dos municípios

Para o presente estudo, foram escolhidos os seguintes municípios: Piaçabuçu, Penedo, Igreja Nova, Porto Real do Colégio (Figura 1), por estarem inseridos em uma área com grande atuação de órgãos de desenvolvimento local, como CODEVASF e SEBRAE. Esses órgãos incentivam a prática da atividade e divulgam o potencial de produção de peixes. Para o estabelecimento de comparações com os demais municípios, também foi escolhido o município de São Brás, pois esse, apesar de ser considerado parte do mesmo Arranjo Produtivo Local (APL) da piscicultura, não conta com os estímulos governamentais.

Na área, há dois perímetros irrigados, Boacica (no município de Igreja Nova) e Itiúba (no município de Porto Real do Colégio), onde foram iniciados os incentivos da CODEVASF para o desenvolvimento da piscicultura na região, sendo, a pesquisa nesses perímetros, de primordial importância para a verificação da evolução histórica do setor. Além disso, a pesquisa limitou-se a esses dois perímetros devido a características diferenciadas, tais como a presença institucional representada pela assistência técnica aos produtores, a estrutura dos cultivos, o perfil dos produtores, e por concentrarem a maior parte dos piscicultores desses municípios.

A importância de Piaçabuçu e Penedo deve-se à presença de pescadores envolvidos com a atividade nas colônias, criando peixes em tanques-rede. Em Penedo também existem associações e cooperativas que, teoricamente, proporcionariam apoio aos piscicultores no desenvolvimento de seus empreendimentos, diferenciando-os daqueles que não possuem esse suporte.

4.2 Dos entrevistados

Os entrevistados tinham em comum o fato de atuarem (nesta pesquisa, esses são denominados ativos) ou de já terem atuado (aqui referidos como inativos) em empreendimentos individuais ou coletivos de aqüicultura, desenvolvendo piscicultura comercial ou apenas de consumo familiar. Em encontros individuais, foram utilizadas entrevistas estruturadas, semi-estruturadas e abertas, aplicadas durante visitas ao campo e complementadas, às vezes, por contato telefônico ou correio eletrônico. Foram pesquisados 78 empreendimentos individuais (5 em Piaçabuçu, 14 em Penedo, 26 em Igreja Nova, 23 em Porto Real do Colégio e 10 em São Brás) e 4 coletivos (1 em Piaçabuçu, 2 em Penedo, 1 em Igreja Nova).

A pesquisa de campo foi realizada no período de março a julho de 2005. A fim de definir o papel que instituições ligadas ao setor desempenhavam no desenvolvimento da piscicultura na região, no período de estudo, foram realizadas entrevistas com responsáveis por associações (Câmara Setorial de Aqüicultura do Baixo São Francisco, Associação dos Piscicultores do Baixo São Francisco – PISCI -, Associação de Moradores da Marituba do Peixe), cooperativas (Cooperativa de Colonização Agropecuária de Penedo – COOPENEDO -, Cooperativa dos Piscicultores do Baixo São Francisco – COOPEIXE) e Colônias de Pescadores (Z-19, Z-12, Z-32), além das seguintes instituições locais: Secretaria de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República (SEAP-PR), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), SEBRAE, CODEVASF e Secretarias Municipais de Agricultura.

5 Resultados e discussão

Embora os incentivos da CODEVASF à piscicultura no baixo São Francisco alagoano tenham sido iniciados nos anos de 1980, cerca da metade dos entrevistados ativos pesquisados iniciaram esta atividade a partir de 2000, e outros 28,3% dos empreendimentos há, no máximo, 10 anos, mostrando ser a piscicultura uma atividade relativamente incipiente na área estudada.

5.1 Evolução da piscicultura e fatores causais

Segundo informações da CODEVASF (1985, p. 24), em 1985, apenas no Perímetro Irrigado de Itiúba, havia 30 parceleiros envolvidos no programa de incentivo às consorciações porco-arroz-peixe dessa Companhia. Porém, foram poucos os produtores pesquisados nos municípios de Igreja Nova e de Porto Real do Colégio que iniciaram seus cultivos antes de 1995, ou seja, que fizeram parte dos projetos iniciais da CODEVASF e que ainda estavam ativos (Figura 2).

Por causa das dívidas adquiridas nos programas de consorciação, produtores estavam impossibilitados de obter algum crédito para investir na manutenção, especialmente para compra de rações, e na melhoria do empreendimento. Conforme observado por Pacheco e Lira (2003, p. 5), essa parece ser, à primeira vista, uma das causas do desestímulo ou até mesmo da falta de condições daqueles produtores em se manter na atividade.

Apenas em Porto Real do Colégio e em Piaçabuçu, o número de produtores que ingressaram na atividade apresentou pouca alteração entre os períodos analisados. Nos demais municípios estudados, a partir de 1995, esses valores tornaram-se mais elevados, acentuando-se a partir de 2000, principalmente em Igreja Nova.

Moreira (1998, p. 163), estudando a piscicultura no Triângulo Mineiro, atribuiu às propagandas, “muitas vezes irrealistas e sensacionalistas”, o ingresso na atividade de muitos pequenos produtores da região, que a viam como uma alternativa potencial de renda. No entanto, Moreira (1998) observou que esses produtores conseguiam obter apenas ganhos eventuais, ou, ainda, a produção da piscicultura passou a ser limitada apenas ao consumo, quando a atividade não era abandonada por causa das baixas produtividades, do descrédito e do desconhecimento de mercado, além de restrições financeiras.

SEBRAE e colaboradores (2006, p. 45) constataram que os pequenos produtores do baixo São Francisco alagoano começaram a criar peixes por terem visto a prática na TV ou em propriedades vizinhas, tendo a esperança de obtenção de renda extra com a atividade, utilizando uma área disponível do terreno, mas tudo tendo sido iniciado sem nenhum planejamento. Nas áreas ou colônias contempladas com incentivos da CODEVASF, esses se tornaram um motivo a mais para os ingressos. No caso de produtores maiores e com maiores níveis de escolaridade e informação, a entrada na atividade foi precedida de um planejamento, analisando os custos e benefícios e, conseqüentemente, com maiores possibilidades de sucesso.

Esperava-se, com o desenvolvimento apresentado pela piscicultura nacional, que, na última década, o número de adesões à atividade aumentasse a cada ano, com um predomínio, ou ao menos um equilíbrio, de produtores mais recentes em relação àqueles mais antigos. Porém, o que foi observado, quando focalizado o período de 1995 a 2005, foi uma evidente prevalência, entre os piscicultores pesquisados, daqueles que iniciaram seus cultivos em 2001, com uma acentuada redução dos mesmos nos anos subseqüentes, em níveis semelhantes aos apresentados até 2000 (Figura 3).

Dados do governo do Estado, juntamente com os do SEBRAE, indicam um grande impulso na piscicultura nesses anos (ALAGOAS; SEBRAE, 2004, p. 7), mostrando que, em 1999, foi assinado um protocolo de intenções no município de Penedo, oficializando um compromisso da CODEVASF, do Ministério da Agricultura, dos governos estaduais de Alagoas e de Sergipe, do Banco do Nordeste, do SEBRAE e de quatro associações de ambos os Estados, para promover a aqüicultura na região. Nesse sentido, no período, os governos de Alagoas e Sergipe envidaram esforços para atrair investimentos para o setor, reduziram o ICMS de 17 para 2,5%, sobre os produtos da aqüicultura e seus insumos, especialmente as rações, além de CODEVASF e SEBRAE terem promovido, em 2001-2002, programas de capacitação de técnicos e produtores em piscicultura.

Dessa forma, o aumento do número de adesões à atividade no período, além de ser reflexo do crescimento da piscicultura brasileira, foi motivado por incentivos dos citados governos estaduais. Porém, a redução verificada após 2002 sinaliza algum desestímulo para a entrada na atividade, destacando-se o ano de 2004, quando houve perdas substanciais de espelhos d’água e, conseqüentemente, de produção, devido à cheia não prevista do rio São Francisco, causando muitas desistências e desanimando outros potenciais piscicultores.

5.2 Consumo ou comercialização?

Verificou-se que os empreendimentos que cresceram e que ainda se mantinham na região foram direcionados, predominantemente, para fins comerciais. Houve um crescimento potencial da piscicultura para fins comerciais, enquanto que aquela destinada ao consumo manteve-se em um crescimento linear (Figura 4a). Dos 61 produtores ativos pesquisados, 77% utilizavam a piscicultura para fins comerciais, representando 3,2 vezes aqueles que utilizavam os cultivos com finalidade de consumo (Figura 4b).

Dentre os municípios, apenas Porto Real do Colégio não compartilhou dessa realidade, uma vez que, nessa localidade, os empreendimentos para fins de consumo representaram a maioria (60%). No extremo oposto, Igreja Nova, São Brás e Piaçabuçu foram os municípios onde a piscicultura comercial obteve maior representatividade (Figura 4c).

5.3 Causas dos insucessos

Segundo informações de técnicos do distrito de Itiúba, muitos piscicultores reverteram, parcial ou completamente, para o cultivo de arroz, os viveiros onde criavam os peixes, mantendo uma piscicultura apenas de consumo ou se tornando inativos.

Lovshin (1999) atribuiu o fato, constatado no Panamá e na Guatemala, a uma combinação de fatores climáticos, políticos, culturais e econômicos atuando juntos, com cada um amplificando o outro, ao observar projetos de criação de peixes destinados à subsistência naqueles países. No Panamá, alguns cultivos implantados foram abandonados (29%) ou alguns dos viveiros passaram a ser cultivados com arroz (19%). Na Guatemala, os viveiros passaram a ser utilizados, principalmente, para armazenamento de água para irrigação.

Pacheco e Lira (2003, p. 6) destacaram a redução atual do desenvolvimento da piscicultura na região do baixo São Francisco alagoano, em especial no distrito de Itiúba, atribuindo como causas as perdas devido às enchentes e, sobretudo, devido aos escassos recursos para o desenvolvimento da produção, estrutura de beneficiamento e comercialização de pescado.

O problema, para o presidente da Câmara Setorial de Aqüicultura do Baixo São Francisco, foi que o crescimento da produção de pescado, oriundo da piscicultura nos últimos sete anos, foi maior do que a capacidade de absorção do mercado local, fazendo com que o preço do peixe fosse aviltado, causando assim a saída de muitos piscicultores desse negócio. Para ele, “o maior gargalo atual da cadeia produtiva do peixe é a comercialização”, devido a um mercado interno limitado pela falta de divulgação do peixe cultivado e de um sistema eficiente de distribuição.

Por essa razão, as associações e cooperativas, através da Câmara Setorial, estavam, há cinco anos, reivindicando a implantação de uma unidade de beneficiamento de pescado para “colocar o excesso de produção em mercados mais distantes”.

Diante dessa realidade, surgiram as seguintes questões: 1) uma vez que esses problemas eram válidos para toda a região do baixo São Francisco, por que em Porto Real do Colégio a situação dos projetos de piscicultura apresentava-se mais insustentável do que a dos demais municípios, mesmo comparando-se com os projetos de Igreja Nova, que, teoricamente, desenvolveram-se nas mesmas condições?; e 2) quais as condições que tornaram a atividade em Igreja Nova mais desenvolvida do que em Porto Real do Colégio?

Esse último município, além de apresentar um predomínio de produtores que destinavam a sua produção para o consumo, também se destacou pelo fato de 56% dos entrevistados estarem inativos, representando 62% do total de inativos pesquisados na região. Entre os demais municípios, essa categoria destacou-se também em Penedo, estando nessa situação 45% dos empreendimentos pesquisados do município, representando 24% dos pesquisados na região.

Em todos os casos, as desistências ocorreram após o ano de 2000 (Figura 5). Devido à enchente, o ano de 2004 apresentou o dobro de desistências em relação aos demais, enquanto foram registrados, em 2001, menos casos de abandono da atividade.

Porém, como observado por Lovshin (1999), em sua área de estudo, são vários os fatores que contribuem para o piscicultor abandonar a atividade. Assim, as razões da inatividade foram analisadas como sendo variadas, ou seja, não excludentes, sendo comparadas pelo número de produtores que citaram cada uma delas, em meio a um conjunto de outras razões (Figura 6).

As reclamações mais freqüentemente observadas nas justificativas dos inativos foram os principais componentes da análise custo/benefício das produções, essencial para a sustentabilidade econômica da atividade. Em primeiro lugar, ficou o custo da ração, constante em 33% das respostas, sendo seguido por aqueles que reclamaram dos baixos rendimentos obtidos com a atividade, devido, segundo eles, à falta de comprador e/ou ao baixo custo do peixe.

Também, 24% dos produtores explicitaram claramente em suas respostas que desistiram de criar por falta de assistência/orientação técnica que possibilitasse desenvolver o seu cultivo, ou tiveram perdas por erro e/ou falta de orientação sobre o manejo adequado.

Alguns produtores (14%) resolveram investir em outras atividades que lhes ofereciam mais rentabilidade, especialmente a rizicultura, utilizando a área dos viveiros. O mesmo número de inativos citou o desestímulo provocado pelo roubo de seus peixes como motivo do abandono da atividade.

Cerca de 10% dos produtores desistiram pelo desestímulo causado por prejuízos decorrentes de “perdas nas enchentes” (alguns enfrentaram mais de uma cheia).

A categoria “problemas locais” evidencia a falta de planejamento ou de orientação para a instalação dos cultivos. Nesse caso, os produtores relataram, principalmente, problemas de captação de água, como falta de condições para comprar uma bomba ou dependência da chuva para encher o viveiro.

5.4 Perfil dos piscicultores

O perfil dos piscicultores variou de acordo com o sistema adotado, sendo semelhante entre os que utilizavam viveiros e açudes, grupo composto por agricultores que cultivavam peixes em meio a diversas outras atividades de sua propriedade. Aqueles que utilizavam tanques-rede eram pescadores que produziam conjuntamente com outros integrantes da colônia ou da associação à qual estavam vinculados.

Quanto à renda gerada pela piscicultura, os representantes dos empreendimentos associativos afirmaram que os pescadores que participavam da atividade dependiam menos dessa produção do que da renda fornecida pela pesca extrativista, uma vez que, segundo eles, o número de tanques-rede ainda era pequeno (entre 6 e 25 unidades), não havendo uma regularidade de venda do produto, a qual ocorria apenas no final de cada ciclo, enquanto a pesca, mesmo pouca, fornecia peixe todos os dias.

No caso dos piscicultores que produziam individualmente, as outras atividades agropecuárias formavam a principal fonte de renda para a maioria dos entrevistados (48%), sendo seguidos por aqueles que afirmaram se manter, principalmente, com a aposentadoria ou com algum emprego fixo, independentemente das atividades da fazenda (43%) (Figura 7a).

Apenas 7% dos entrevistados tinham a piscicultura como principal fonte de seus rendimentos. A categoria “incerta” foi formada por um produtor de São Brás que, uma vez que sua renda era formada pelo conjunto das atividades de sua propriedade, não soube informar qual era a principal.

Dentre os municípios, a piscicultura em São Brás era exercida principalmente por produtores que possuíam uma renda fixa e que, secundariamente, era complementada pelas atividades agropecuárias (Figura 7b).

Os poucos produtores da região, para os quais a piscicultura constituía a maior fonte de renda, estavam localizados nos municípios de Penedo e Igreja Nova. Nesse último, outras atividades agropecuárias tinham maior importância no rendimento da maioria dos piscicultores, especialmente o cultivo de arroz.

Daqueles que destinavam a produção de peixes especialmente para consumo, 79% obtinham a renda, principalmente, em outras atividades agropecuárias, e, para os 21% restantes, a principal fonte era algum rendimento fixo.

Os piscicultores com empreendimentos para fins comerciais em Piaçabuçu e Penedo foram os que apresentaram maiores rendas dentre os municípios pesquisados e onde os empreendimentos possuíam maiores áreas alagadas de cultivo.

Em São Brás, embora não se constituísse a maioria, também foi grande o número de produtores com renda acima de cinco salários. No outro extremo, estavam os produtores de Porto Real do Colégio que apresentaram os menores níveis de renda da região. Em Igreja Nova, não se destacou nenhum padrão de renda específico. Nesses três municípios, predominaram os pequenos empreendimentos, com áreas alagadas inferiores a 1 ha (Figura 8).

Comparando-se o nível de renda dos produtores com empreendimentos comerciais e aqueles destinados ao consumo, verificou-se que, dentre os primeiros, o maior percentual foi de indivíduos com uma maior faixa de renda, ou seja, acima de cinco salários mínimos. Por outro lado, metade dos que destinavam sua produção para consumo possuía uma renda oscilando entre um e dois salários mínimos (Figura 9).

Considerando que entre os piscicultores, fossem comerciais ou para o consumo, as principais fontes de renda eram outros sistemas agropecuários ou uma renda fixa, pode-se inferir que os primeiros já possuíam uma renda no nível da atual antes de aderir à piscicultura, possuindo assim condições de manter e/ou desenvolver a atividade. Por outro lado, como a maioria dos que destinavam a produção para consumo não possuía condições financeiras para desenvolver satisfatoriamente o empreendimento, dificilmente eles entrariam no mercado com o seu produto.

Esses dados mostram um paralelo com aqueles apresentados por Moreira (1998), quando observou, nos municípios do Triângulo Mineiro, que a piscicultura comercial estava sendo incrementada principalmente por médios e grandes proprietários, mais capitalizados.

Também foram registrados produtores, incluídos nos maiores níveis de renda, que justificaram não desenvolver uma piscicultura comercial por causa do alto custo da ração, por considerar o mercado restrito, ou por falta de tempo para cuidar do cultivo.

5.5 Ração: o principal fator limitante ao desenvolvimento da atividade

Alimento e alimentação são, provavelmente, dos pontos de vista ambiental e econômico, os fatores mais importantes envolvidos no manejo da aqüicultura (PILLAY, 2004, p. 59).

O tipo de alimento fornecido aos peixes é o principal determinante do tipo de cultivo adotado e, conseqüentemente, dos impactos sobre a qualidade da água circundante. Quando se usa ração comercial, torna-se mais onerosa a produção, a ração podendo constituir até 70% do custo da produção do peixe (SEBRAE et al., 2006, p. 81), sendo, portanto, um importante fator da sustentabilidade da piscicultura na região estudada.

Os produtores da região adotavam três tipos de alimentação em seus cultivos, predominando o uso exclusivo de ração balanceada (44% dos produtores). Todos os cultivos em tanques-rede pesquisados estão incluídos nessa categoria, seja pela natureza intensiva deste sistema de cultivo seja pelo apoio fornecido aos produtores pela CODEVASF.

Em 22% dos cultivos, o uso da ração era complementado com a adição de subprodutos, sendo este tipo de alimentação denominada de “mista”. Muitos desses produtores, por não terem condições financeiras, restringiam o fornecimento da ração a apenas uma fase do ciclo, geralmente a fase inicial, ou a forneciam apenas quando podiam comprá-la.

Também foram representativos, abrangendo 31% da amostra, aqueles cultivos em que se utilizavam, como alimento, apenas subprodutos, especialmente pó de arroz, mandioca e milho, sendo também fornecidas, em alguns casos, frutas. Inclusive, observou-se que um produtor incluía na alimentação dos peixes restos de pizzas que sobravam de seu restaurante. Também foram observados dois produtores que não forneciam nenhum tipo de alimentação, mesmo que esporadicamente, aos peixes; portanto, a alimentação era exclusivamente natural.

O uso de ração, embora complementado por subprodutos da agricultura, ocorreu principalmente em Piaçabuçu, Penedo e Igreja Nova. Em Porto Real do Colégio e São Brás, metade dos empreendimentos de cada município utilizava apenas subprodutos, além de haver produtores que não forneciam alimentação para os peixes, o que caracteriza empreendimentos que adotam sistemas extensivos (Figura 10).

Devido ao elevado valor da ração comercial, encontrar formas mais baratas para a sua aquisição, passa a ser de grande importância para a sustentabilidade econômica dos empreendimentos, conforme verificado pela predominância de inativos que abandonaram a atividade em decorrência do elevado custo desse insumo.

Nesse sentido, a CODEVASF, atendendo ao Programa de Consolidação dos Arranjos Produtivos Locais, estava fornecendo rações, desde 2004, para as colônias de pescadores do baixo São Francisco (que também receberam tanques-rede, alevinos e capacitação) e para os produtores do Perímetro Irrigado de Boacica.

Algumas associações também procuravam, esporadicamente, organizar a compra conjunta de ração entre os produtores, a fim de reduzir o peso do custo do insumo nos empreendimentos.

Assim, na região pesquisada, os produtores tinham três formas de aquisição de ração: 1) compra individual, que é a forma mais onerosa, da qual dependem 51% dos produtores da região; 2) fornecimento pela CODEVASF a 26% dos entrevistados; e 3) compra conjunta esporádica por meio de alguma associação. Vale salientar que essa última categoria, representada por 23% dos amostrados, refere-se àqueles que tinham, ou que já tiveram, acesso a essa forma de aquisição, mas que normalmente estavam submetidos aos preços mais elevados da compra individual.

Verificou-se que todos os produtores de Porto Real do Colégio e de São Brás dependiam da compra individual da ração, mostrando a falta de alternativa para uma aquisição menos onerosa do insumo nesses municípios, o que pode justificar o fato da grande representação, nesses, de cultivos que se mantinham apenas com o uso de subprodutos como forma de alimentação dos peixes (Figuras 10 e 11). Esses municípios apresentaram a menor produção anual de peixes na área estudada.

Em Penedo, talvez pela maior concentração de associações, havia um maior número de piscicultores que tiveram acesso, em algum momento, à compra conjunta de ração. Além dessa característica, os maiores níveis de renda dos produtores desse município, e os maiores empreendimentos, juntamente com os de Piaçabuçu, possibilitaram o predomínio de cultivos que utilizavam exclusivamente ração. Isso fazia com que as produções de peixes originados da piscicultura desses municípios fossem as maiores da região estudada.

Em Igreja Nova, o maior percentual de produtores que utilizavam ração em seus cultivos foi relacionado ao fato de haver, no município, um predomínio de criadores que recebiam o insumo da CODEVASF, apresentando também, aí, um menor percentual de pessoas que compravam ração apenas individualmente.

Ao se comparar a situação atual da piscicultura em Porto Real do Colégio e em Igreja Nova, pode-se inferir que o desenvolvimento de uma piscicultura comercial para pequenos produtores é dependente do fornecimento de ração, ou, ao menos, de uma forma de compra que a torne mais barata, o que ficou evidenciado nas palavras de um pescador da Associação de Moradores da Marituba do Peixe (Penedo): “Não teria condições de se manter sozinhos [os cultivos] se a CODEVASF não doasse as rações”.

Essa constatação foi reforçada por um técnico do distrito de Itiúba que informou haver sido formada, recentemente, a Associação dos Piscicultores do Distrito de Itiúba. Essa estava negociando, com o Centro de Estudos e Assessoramento sobre a Comercialização de Produtos Pesqueiros para a América Latina e o Caribe (INFOPESCA) e o BNDES, empréstimo aos piscicultores do distrito, além de, junto com as demais associações, através da Câmara Setorial de Aqüicultura e Pesca do Baixo São Francisco, negociar com fábricas de ração para baratear o insumo. Segundo o entrevistado, muitos que criavam peixe apenas para consumo, ou estavam inativos, começaram a retornar à atividade com o intuito de comercializar.

Essa dependência de aquisição de ração para aumentar a produtividade dos cultivos e a renda do pequeno produtor e, conseqüentemente, ajudar a sua manutenção na atividade, seria mitigada se fossem realizadas pesquisas adequadas no sentido de aproveitar todo o potencial da fazenda, através da integração entre atividades agropecuárias nela desenvolvidas, conforme mostrado por Casaca (1997) e Costa-Pierce (2002, p. 145) em seu modelo denominado de Village aquaculture ecosystems.

6 Conclusões

Inicialmente, a análise dos dados históricos evidenciou que as metas propostas pela CODEVASF em relação aos empreendimentos de piscicultura não foram atingidas, tendo constituído-se em prejuízo para os agricultores, em detrimento de suas atividades de subsistência em função dos efeitos negativos da regularização da vazão do rio.

Fatores econômicos, sociais, ecológicos e políticos afetaram a atividade já nos primeiros anos de implantação e comprometeram o seu desenvolvimento até os dias atuais, como as enchentes do rio São Francisco, a falta de assistência técnica regular e as dívidas adquiridas nos programas de consorciamento.

Devido ao elevado custo de produção, o nível de renda dos produtores passou a ser determinante para o desenvolvimento de uma piscicultura comercial economicamente sustentável, a menos que fossem mantidos os subsídios governamentais destinados à aquisição de insumos, principalmente de ração.

Uma organização mais eficiente dos produtores, buscando formas de reduzir os custos da atividade, além do desenvolvimento de pesquisas adaptadas às características locais, que possibilitassem a integração da piscicultura com as demais atividades da propriedade rural, poderiam tornar a piscicultura uma fonte de renda para pequenos produtores com menores níveis de renda.

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Notas

1 Em inglês, a sigla FAO corresponde a Food and Agriculture Organization of the United Nations.

2 SUDEPE é a sigla para a Superintendência do Desenvolvimento da Pesca.

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[EcoDebate, 13/07/2009]

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