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recusa da rastreabilidade do rebanho bovino: Um passo em falso na área das carnes, artigo de Washington Novaes

[O Estado de S.Paulo] Parece temerário o rumo tomado pela Câmara dos Deputados ao aprovar, com forte apoio da “bancada ruralista”, o Projeto de Lei nº 3514/08, que praticamente acaba com o Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Produtos de Origem Bovina e Bubalina (Sisbov), que hoje certifica, por exemplo, carnes exportadas e é exigência absoluta da União Europeia (UE) em suas compras. Como observou o presidente do Sindicato da Indústria de Carnes do Estado de Goiás, José Magno Pato, essa iniciativa “pode tirar o Brasil do mercado internacional”, pois, ao dispensar o Sisbov e as empresas certificadoras do produto em todas as fases, deixa implícito que a rastreabilidade das carnes se fará apenas pela marca no animal, a fogo ou em tatuagens, juntamente com a guia de trânsito, atestado de vacinação e registro nos serviços de inspeção. E os importadores não aceitariam uma base de dados que não seja “auditável a qualquer momento”. Além do mais, essa exigência já foi prometida pelo Brasil, tendo em vista inclusive que a UE paga mais pelos cortes “nobres” (quase US$ 3.700 por tonelada) do que outros importadores, como a Rússia, por exemplo, que só paga US$ 2.335 (Estado, 25/3).

A direção apontada no Congresso também diverge da mencionada (Folha de S.Paulo, 27/6) pelo presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Exportação de Carne, Roberto Giannetti da Fonseca. Essa instituição, que reúne empresas responsáveis pelo abate de 17 milhões de cabeças por ano (35% do total nacional), “está promovendo com seus milhares de fornecedores a adoção de boas práticas sanitárias e ambientais, que, em futuro breve, serão fiscalizadas por sistemas de rastreamento eletrônico de grande eficácia e confiabilidade”. Só que, segundo ele, “resta ainda resolver o grave problema de abatedouros clandestinos, que estão espalhados por todo o País e que, além de sonegar impostos, não observam controles sanitários ou ambientais”. Mas abatem 19 milhões de cabeças por ano.

Juntamente com a crise econômico-financeira global, o não-atendimento de exigências da UE é também responsável pela queda nos abates de bovinos no País (menos 11,1% no primeiro trimestre do ano, segundo o IBGE) e pela redução nas exportações desse tipo de carne no mesmo período, que foi de 19% (a queda no faturamento foi ainda maior, de 34,1% no mesmo período).

E isso ocorre, como lembra o secretário de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, João Sampaio (Estado, 27/5), no momento em que a Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO), da ONU, alerta que até 2030 será preciso aumentar a oferta de carnes em 20% para atender à população crescente e à que conseguir superar níveis atuais de carência. (Hoje o consumo médio de carne bovina no mundo é de 9,4 quilos por pessoa/ano.) Só que, nesse quadro, a segurança alimentar é decisiva, adverte ele.

Também não é possível desconsiderar a crescente pressão internacional e nacional para que a produção nesse setor obedeça a regras que conduzam à sustentabilidade, seja na Amazônia, no Pantanal, no Cerrado ou em qualquer bioma. O BNDES – já avisou o Ministério do Meio Ambiente (Estado, 1/7) – está preparando regras ambientais para os frigoríficos, bem como para a rastreabilidade dos produtos, de modo a eliminar os que provenham de áreas de desmatamento ilegal.

Não será tarefa fácil. Quando o Sisbov foi criado, em 2002, a meta era rastrear todo o rebanho nacional até 2007. Mas, nesse ano, apenas 10 mil de 1 milhão de fazendas de gado estavam cadastradas. E só 80 delas foram aprovadas numa vistoria em 2008 (Estado, 1º/7). Hoje seriam 1,1 mil as fazendas habilitadas a exportar para a UE. O principal obstáculo para a regularização é a sonegação, porque se o animal for identificado terá de ser incluído nas declarações fiscais.

Diante de tudo o que está ocorrendo no mundo, a direção a ser tomada deveria ser a de um cuidado cada vez maior. Porque são questões que não se esgotam na rastreabilidade, que é uma exigência dos importadores diante de possíveis problemas sanitários. A pecuária bovina estará cada vez mais questionada também pelo nível de emissões de metano pelo gado bovino, principalmente. Segundo cálculo da Embrapa Meio Ambiente, de Jaguariúna, já mencionado neste espaço, cada boi emite em média 58 quilos de metano por ano com seus arrotos, no processo de ruminação de alimentos; 58 quilos multiplicados por 170 milhões de bois se traduzem em quase 10 milhões de toneladas anuais de metano. Como esse gás tem um efeito 23 vezes mais nocivo que o carbono na área do clima, chega-se a 230 milhões de toneladas/ano equivalentes de carbono – ou tanto quanto toda a matriz de transportes e da indústria no País emitiu, segundo o único inventário brasileiro de emissões divulgado e que se refere a 1994 (há um novo prometido para este ano). Sem falar em outras consequências nessa área, por causa de desmatamento.

Há outros questionamentos já correntes, como o uso de água necessário para produzir um quilo de carne bovina (15 mil litros, em média); a destinação de mais de 40% dos cereais produzidos no País para rações animais; o volume de dejetos gerado pelos rebanhos (10 mil bois produziriam tantos dejetos quanto uma cidade de 100 mil habitantes).

Há poucos dias, a ministra interina do Meio Ambiente chegou a mencionar a necessidade de uma “moratória” no avanço da pecuária em novas áreas, principalmente na Amazônia. E enfatizou que “a sustentabilidade não é agenda exclusiva de ambientalistas; nos próximos dez anos, quem não for capaz de inclui-la no planejamento econômico estará fora do negócio”.

Por essa e outras razões, bem fará o Congresso se, em seus próximos passos, avaliar com mais cuidado e visão de futuro a questão da rastreabilidade do rebanho bovino. Até para que a pecuária não dê um tiro no próprio pé.

Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes{at}uol.com.br

* Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 13/07/2009

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