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Urânio: Ministério Público processa INB, Estado da Bahia e municípios de Caetité e Lagoa Real

Há cerca de 20 anos, organizações e movimentos sociais denunciam os riscos da exploração do urânio e os perigos do ciclo de produção da energia nuclear

[Por Zoraide Vilasboas, para o EcoDebate] O juiz de Direito da Comarca de Caetité, José Eduardo das Neves Brito, concedeu liminar na Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Estadual (MPE), em 10 de dezembro do ano passado, contra a Indústrias Nucleares do Brasil (INB), o Estado da Bahia e os municípios de Caetité (46 mil habitantes) e Lagoa Real (13 mil habitantes). O juiz determinou que os acionados adotem providências urgentes a fim de garantir água potável às famílias que vivem na área da mineração, apurar se existe nexo entre a exploração de urânio e a contaminação radioativa da água e monitorar a saúde das populações daqueles municípios.

A liminar lastreou-se no resultado do Inquérito Civil que evidenciou a irresponsabilidade dos órgãos públicos estaduais e municipais pelo não fornecimento de água tratada às comunidades, mesmo depois do Instituto de Gestão de Águas do Estado da Bahia (INGA) ter confirmado contaminação em três pontos de água subterrânea, na área de influência direta do complexo minero-industrial da INB, onde começa o perigoso ciclo da produção de energia atômica no Brasil. Caetité, a mais de 700 km da capital baiana, no sudoeste do Estado, abriga a única unidade de mineração e produção de urânio em funcionamento no Brasil, responsável pelo processamento do minério que vai abastecer as duas usinas nucleares de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro

CONTAMINAÇÃO – A região sofreu forte impacto, em outubro do ano passado, quando a organização não-governamental Greenpeace divulgou pesquisa comprovando a contaminação por urânio, acima do limite máximo indicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de 0,015 mg/l, e pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), em duas amostras de água, das 11 coletadas na área de influência da INB, a 40 quilometros da sede municipal: a do poço 67 –que abastecia 18 famílias do povoado de Juazeiro, a cerca de seis quilômetros da mina, apresentou nivel de urânio sete vezes maior (0,11 mg/l) que o limite da OMS- e a amostra de uma torneira, que bombeia água de poços artesianos, tinha o dobro do mesmo limite. Quinze dias depois, o Instituto de Gestão de Águas do Estado da Bahia (INGA), que coletou 7 amostras para conferir a fidelidade do estudo da ONG, detectou urânio em três pontos de água subterrânea. Dois deles apresentaram contaminação superior ao limite da OMS: a tomada de água do poço 67 (mesmo ponto examinado pelo Greenpeace) e a bacia de acumulação Joaquim Ramiro.

A Ação do MPE busca a tutela “do interesse coletivo à saúde dos usuários de água das comunidades do entorno da mina, a urgente tutela do direito à saúde da população dos dois municípios e também a regularidade no fornecimento de água aos moradores dos povoados próximos à mina.” Segundo o promotor de Justiça, Jailson Trindade Neves, “em que pese a contaminação da água do poço 67, nenhum dos responsáveis (Estado da Bahia, município de Caetité e INB) adotou medidas tendentes a mitigar eventuais danos à saúde dos usuários do sistema”. O processo afirma que até dezembro/08 não se realizou nenhum trabalho de campo, com levantamento preciso do potencial de risco da mineração na população dos dois municípios, embora algumas pessoas do entorno da mina se digam vítimas de doenças que podem ser relacionadas à exposição à radiação; que mais de 10 famílias de Juazeiro consumiram água do poço 67 por 9 anos; e que, por causa dessa omisão, “essas pessoas continuaram a consumir água, oriunda do poço, inadequada ao consumo humano, por muitos e muitos anos, cuja conseqüência à saúde ainda não foi dimensionada”

IRREGULARIDADES – A decisão judicial atende a muitas das reivindicações dos movimentos e organizações sociais que há mais de 20 anos vêm denunciando os riscos inerentes à atividade atômica, a omissão dos poderes públicos estaduais e municipais para apurar a fonte e a extensão da contaminação, a benevolência dos órgãos fiscalizadores com as irregularidades denunciadas e a falta de informação e de controle social sobre a empresa. A INB começou a minerar em 2000, sem a Licença de Operação do IBAMA, só concedida em 2002. Até hoje, opera sem a autorização permanente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e sem cumprir condicionantes do licenciamento, com registro de mais de 10 episódios, entre acidentes e incidentes, nas instalações, ou com operários.

A empresa é alvo de denúncias, queixas, inquéritos, autuações e multas, por órgãos ambientais e profissionais. Foi acusada de imperícia e negligência pela própria CNEN, responsável ao mesmo tempo pelo fomento e fiscalização das atividades nucleares e radioativas no Brasil. A comprovação da contaminação da água pelo Greenpeace e pelo INGA levou o Ministério Público Federal a convocar Audiência Pública, no dia 7 de novembro do ano passado, em Caetité, quando decidiu promover uma auditoria independente para investigar todos os aspectos relativos ao funcionamento da INB, solicitada, desde 2001, pelo Gambá e Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania e aguardada, com muita expectativa, pela população da região.

A antecipação dos efeitos da tutela foi concedida a fim de evitar “dano irreparável ou de difícil reparação a toda a coletividade local, e ao meio ambiente”, fundamentou Dr. José Eduardo das Neves Brito, determinando:

a) Que o estado da Bahia e o município de Caetité forneçam água às suas expensas, através de caminhões-pipas, para suprir a falta d`água em todos os estabelecimentos e residências situadas no entorno da Unidade de Exploração de Urânio da INB, em Caetité/Lagoa Real, especialmente para as famílias que recebiam água do poço 67, situado no povoado de Juazeiro e que fora interditado pela CORDEC;

b) Que o estado da Bahia, através do INGA, seja compelido a promover, no prazo máximo de 30 dias, novas análises de água, destinada ao consumo humano, e oriunda de poços tubulares amanzonas, riachos, barragens, lagoas, etc. situados nos municípios de Caetité e Lagoa Real, e que se situem próximos à mina de urânio.

c) Que os acionados promovam no prazo máximo de 30 dias, o cadastramento de todas as famílias que utilizavam água do poço interditado;

d) Que o Estado da Bahia realize o mapeamento hidrogeológico, nos municípios de Caetité e Lagoa Real, além da identificação e cadastramento de poços d´água, exame de outorga, etc. com a avaliação precisa e monitoramento permanente da qualidade da água consumida pela população de ambos os municípios, especialmente quanto à presença, ou não, de urânio e outros metais pesados,remetendo-se relatório às Secretarias Municipais do Meio Ambiente e Saúde.

e) Que o Estado da Bahia realize o mapeamento dos poços da região, destacando aqueles cujas águas são utilizadas para consumo humano, agricultura e dessedentação de animais

f) Que o Estado da Bahia realize o monitoramento do urânio e dos produtos do seu decaimento (chumbo, radônio, radio e tório) em águas superficiais e, principalmente, subterrâneas (e também monitoramento das concentrações de alumínio, ferro e fósforo);

g) Que o Estado da Bahia realize o monitoramento de poços localizados dentro e fora da área de influência da região;

h) Que o Estado da Bahia proceda a modelagem do fluxo de água subterrânea nas áreas de influência da URA;

i) Mapeamento de zonas de recarga dos aqüíferos e proposição para preservação;

j) Que os acionados promovam, através de suas Secretarias de Agricultura, exame técnico dos produtos agropecuários oriundos das propriedades do entorno da mina de urânio, autorizando, ou não, a sua comercialização;

k) Que os municípios requeridos promovam, no prazo máximo de 30 dias, a constituição de uma junta composta por um médico, um enfermeiro e dois auxiliares de enfermagem, para trabalharem durante 60 dias consecutivos, nos territórios dos dois municípios, ora acionados, no cadastro de todos os expostos à água do poço em que foi encontrado índice de concentração de urânio acima do permitido pela Resolução CONAMA, e que, por ventura, apresentem alguma das doenças ligadas à exposição de urânio, especialmente neoplasia;

l) Que os municípios encaminhem o levantamento realizado à equipe do Estado da Bahia (composta por um ajunta médica e uma junta social) e para a junta médica da empresa requerida, no prazo de 10 dias, logo após a conclusão dos trabalhos de campo da referida equipe, que não deve durar mais que 60 dias;

m) Que o Estado da Bahia, no prazo máximo de 10 dias após os municípios de Caetité e Lagoa Real enviarem os cadastros com os nomes dos possíveis doentes (com doenças inerentes à contaminação por urânio), adote, sob pena de multa diária de R$5.000,00, em caso de descumprimento as seguintes medidas:

– constituição de uma junta médica com número mínimo de três profissionais, integrada por, no mínimo, um profissional com especialização em medicina nuclear e outro com especialização em oncologia, para que forneçam diagnóstico conclusivo a respeito de todas as pessoas encaminhadas pelos municípios de Caetité e Lagoa Real;

– que um dos integrantes da junta médica permaneça em um dos municípios envolvidos, a fim de que proceda a anamnese de todos os expostos e identifique quais devem ser encaminhados para exame, no prazo de sessenta dias, com remessa de cópia das providências a este Juizo, para juntada nos autos;

– que proceda a realização de exames radiológicos, de tomografia computadorizada, ressonância magnética, exame anátomo-patológico em todos que se fizerem necessários, para se concluir pela existência ou não de alguma das doenças inerentes ao contato com urânio, no prazo máximo de 90 dias, a contar do término do prazo descrito no item acima;

– que proceda o cruzamento dos resultados obtidos pelo Estado da Bahia com os obtidos pela CNEN/ONB, no prazo de 30 dias, a contar do recebimento do ofício remetido pela INN:

– que prescreva o tratamento que se afigurar mais adequado, conforme parecer da junta médica, a cada vítima afetada pela exposição do urânio, também no prazo de 30 dias;

– que divulgue o resultado aos interessados e remeta cópia a este juízo, para juntada nos autos, no prazo máximo de 15 dias;

n) Determinar à INB, no prazo máximo de 10 dias, sob pena de pagamento de multa diária em caso de descumprimento, no valor de R$5.000,00, que tão logo seja enviado os relatórios pelos municípios de Caetité e Lagoa Real, adote as seguintes providências:

– constituição de junta médica com número mínimo de três profissionais (integrada por, no mínimo, um profissional com especialização em medicina nuclear), responsável pelo diagnóstico conclusivo a respeito de todas as pessoas identificadas pelos municípios de Caetité e Lagoa Real;

– que um dos integrantes da junta médica permaneça necessariamente, por 60 dias, em um dos municipios requeridos, onde se concentram as possíveis vítimas da contaminação por urânio, pára proceder anamnese de todos os expostos e encaminhar os expostos que apresentarem sintomas da contaminação para exame, também no prazo de 60 dias, e justificar a desnecessidade dos demais serem submetidos a exames, com encaminhamento das cópias dos relatórios médicos à 1ª. Promotoria de Justiça de Caetité, no prazo máximo de 48 horas, após o prazo de 60 dias;

– que proceda a realização de exames radiológicos, de tomografia computadorizada, medição dos níveis de urânio no organismo, exame anátomo-patológico e todos os que se fizerem necessários para conclusão pela existência de alguma das doenças inerentes ao contato com urânio, que deverá ser concluído no prazo máximo de 90 dias, a contar do término fixado no item anterior;

– encaminhamento dos resultados obtidos à Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, no prazo de 15 dias, após o término dos exames;

– exibição de cópia de todos os exames que já foram realizados a este juízo;

– que seja divulgado periodicamente, o resultado das análises da água, dos alimentos e do mapeamento hidrogeológico, a fim de que a população de Caetité e de Lagoa Real se mantenha informada:

O Juiz fixou multa diária no valor de R$5.000,00 para a hipótese de descumprimento de suas determinações.

Matéria de Zoraide Vilasboas, Coordenação de Comunicação da Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania, especial para o EcoDebate

[EcoDebate, 04/06/2009]

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