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Notícia

CTNBio avalia liberar novos transgênicos sem análises prévias

Sinal verde em estudo seria válido para variedades com duas ou mais tolerâncias já permitidas

A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou na quinta-feira parecer favorável à liberação comercial da quinta variedade de algodão geneticamente modificado no país. E avançou na criação da norma que permitirá a aprovação automática de transgênicos resultantes do cruzamento de duas ou mais modificações genéticas.

Por 16 votos contra quatro, o colegiado aceitou os argumentos da multinacional americana Monsanto para dar sinal verde ao algodão transgênico resistente a insetos “Bollgard II”, cujo pedido havia sido feito em junho de 2007. É o 12º produto geneticamente modificado aprovado pela comissão desde 1996.

Em uma discussão recheada de polêmica, os membros da CTNBio avançaram na construção de uma regra que poderá isentar de análise prévia produtos transgênicos originados do cruzamento de espécies já avaliadas pelo colegiado.

A regra valeria para transgênicos combinados por meio de processos de melhoramento genético clássicos. Para boa parte da comissão, esses novos produtos, submetidos aos métodos tradicionais de manipulação em laboratório, mantêm características equivalentes aos transgênicos originais.

Assim, estariam dispensados de análise e da emissão de um novo parecer técnico. Outra parcela dos membros do colegiado pregam cautela porque não haveria base científica para comprovar a equivalência entre o produto original e seu cruzamento com outro transgênico.

Na fila de pedidos apresentados pelas empresas de biotecnologia, há três “eventos” cuja avaliação já teve a tramitação iniciada: algodão resistente a insetos e glifosato da Monsanto que combina as características modificadas dos produtos “MON531” e “MON1445”; o milho da Monsanto “MON810 + NK603”; e o milho da Syngenta “Bt11 + GA21”. Existe, ainda, um pedido conjunto da Dow AgroSciences e da DuPont para o milho combinado “TC1507 + NK603”.

A permissão da CTNBio para esses produtos, considerados de “segunda geração” pelas empresas, reabriu a divisão interna no colegiado. A nova regra seria um sinal de “liberou geral” da comissão, segundo cientistas com restrições ao uso da biotecnologia no campo. Para os membros favoráveis à tecnologia de modificação genética, a medida ajudaria a “acelerar” a avaliação de processos na comissão.

Iniciado com celeridade, o processo de criação da nova norma esbarrou em alegações de eventual ilegalidade na isenção da análise prévia pela CTNBio. O Ministério Público Federal aguarda o desdobramento para questionar a norma na Justiça.

“Há um interesse muito grande do MP sobre isso. Mas já estamos acostumados. Se for ilegal, é ilegal e pronto. Somos eventualmente ameaçados pelo MP”, diz o presidente da CTNBio, o médico bioquímico Walter Colli.

A contrariedade de parte dos membros da comissão suscitou uma reação antecipada de Colli: “É preocupante porque parece um ‘prato feito’ para que a coisa desande como em 2006. Nossa posição técnica não tem nada a ver com CNBS [conselho de ministros], Anvisa ou Ibama”, disse.

Em parecer, o especialista Leonardo Melgarejo afirmou que os membros da CTNBio poderiam responder de forma solidária por eventuais danos causados pelos novos transgênicos cruzados. Em outro texto, o biólogo molecular Giancarlo Pasquali contestou as diferenças entre os produtos originais e o transgênico resultante de cruzamento.

A consultora jurídica do Ministério da Ciência e Tecnologia, Lídia de Lima Amaral, afirmou que, em sua opinião, não haveria motivos para preocupação: “De antemão, tranquilizo os membros sobre a legalidade do pedido. Não há motivo para temer a responsabilização civil ou penal”.

Mesmo assim, diante do racha e dos questionamentos, o presidente da CTNBio decidiu retirar os pedidos das empresas da pauta da reunião de ontem e aguardar o prazo de consulta pública para retomar a avaliação de uma nova norma. Mas a discussão só deve ocorrer em julho, já que o relator do assunto, o biofísico Paulo Paes de Andrade, reivindicou mais tempo para completar seu parecer.

UE recomenda mais controle ao Brasil

Uma missão científica da União Europeia (UE) recomendou uma ampliação nos controles do Ministério da Agricultura sobre os organismos geneticamente modificados no Brasil.

Em visita de duas semanas ao país, os especialistas europeus sugeriram ao governo brasileiro, em relatório preliminar, o aumento dos investimentos públicos na rede oficial de laboratórios dedicados à análise de transgênicos no país. Também recomendaram a troca progressiva do sistema de credenciamento de instalações privadas pela estruturação de laboratórios dentro do organograma estatal.

O sistema federal de controle sobre a produção, transporte e armazenagem de transgênicos tem sido questionado ao longo dos últimos meses.

O Ministério da Agricultura tem compromissos internacionais a cumprir com parceiros comerciais, em acordos bilaterais, e depende do aval de organismos internacionais, como a OCDE, clube dos países mais ricos do mundo, para reconhecer e validar métodos.

A missão da UE percorreu várias regiões do Brasil para acompanhar a inspeção de áreas de produção de soja, milho e algodão, além de empresas comercializadoras, laboratórios e a estrutura de controle de transgênicos no país.

Foram visitadas lavouras em Itumbiara (GO), Luis Eduardo Magalhães (BA) e instalações industriais e laboratoriais em Minas Gerais e São Paulo. Os europeus acompanharam os testes de campo contra a pirataria de sementes, que inclui ações de controle sobre a difusão de transgênicos.

A avaliação preliminar da missão apontou a precariedade da estrutura de transporte e armazenagem para eventual segregação da produção. No Rio Grande do Sul, por exemplo, 99% das lavouras são semeadas com transgênicos. Apenas alguns nichos estão isentos de transgênicos. Os especialistas da UE notaram, entre as principais carências do sistema brasileiro, a falta de legislação adequada para a segregação.

Além disso, a missão científica apontou que o Brasil não conta com limites máximos percentuais de presença de transgênicos em cada lote. O Ministério da Agricultura faz apenas a coleta de amostras laboratoriais com sementes convencionais para fixar padrões de presença de transgênicos nessas sementes. O objetivo é restrito a determinar se pode haver perdas de rendimento agronômico nessas cultivares, e não avança em questões de modificação genética.

“Promiscuidade” do milho preocupa ambientalistas

Soja e milho geneticamente modificados têm uma diferença biológica crucial quando o assunto é cruzamento: a primeira tem o que se chama de fecundação fechada; o segundo, aberta.

Na fecundação fechada – também chamada de autogamia – as plantas se autofecundam. Na aberta – a alogamia ou cruzamento fechado – a fecundação de uma flor é feita pelo pólen de outra, carregado pelo vento ou insetos. É por esse motivo que o milho levanta debates ainda mais acalorados entre os dois extremos do espectro ideológico.

Para os ambientalistas é essa “promiscuidade” do milho – uma mesma espiga pode conter grãos de pólen de vários “pais” – o maior fator de preocupação. Uma ampla corrente se apoia na leveza do pólen do milho e nos ventos para ancorar o argumento de que a coexistência entre lavouras convencionais e transgênicas é impossível.

Para o Greenpeace, por exemplo, a força dos ventos espanhóis é capaz de carregar por até três mil metros o pólen do milho, provocando “contaminações” – a fecundação indesejada de uma planta convencional por um grão de pólen de uma planta transgênica. O grupo compila diversos casos onde esse incidente teria ocorrido.

Para muitos cientistas, não é bem assim. Alexandre Nepomuceno, pesquisador há 20 anos da Embrapa Soja, no Paraná, diz que mesmo que os ventos tivessem esse poder, o pólen do milho não resistiria à viagem. “Ele é muito frágil. Acabaria ressecando no meio do caminho e não germinaria”, diz. “Para fecundar outra planta, o pólen precisa chegar viável. A probabilidade de o pólen do milho chegar inteiro é baixíssima”.

Segundo o pesquisador, estudos comprovam que uma distância de 20 metros entre as lavouras já seria suficiente para reduzir a 0,9% as chances de fluxo gênico indesejável. Por precaução ou para aquietar críticos, a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) sugeriu que a distância fosse de cem metros, diz Nepomuceno. “A CTNBio definiu esse critério em cima de estudos e não ‘achismos'”, alfineta.

Antonio Alvaro Corsetti Purcino, chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Milho e Sorgo, acrescenta que mais da metade do milho brasileiro é híbrido, o que significa que pode ser plantado só uma vez. Isso, por si só, limita automaticamente a “contaminação” das lavouras.

Com o avanço nas aprovações de novas variedades de algodão modificado, a atenção logo se voltará aos cruzamentos nessa cultura. E, neste caso, ocorrem das duas formas – a autofecundação, como na soja, e a cruzada, como no milho.

Para resguardar as características originais das plantas, a recomendação é ao menos um quilômetro de distância. “O pólen do algodão é pesado e carregado sobretudo por abelhas, que não voam muito longe”, afirma o geneticista Napoleão Beltrão, chefe-geral da Embrapa Algodão.

Nepomuceno, da Embrapa Soja, diz que as contaminações são mais possíveis devido a problemas de infraestrutura, como a utilização dos mesmos silos ou caminhos para grãos transgênicos e convencionais, e não ao fluxo gênico. “E ainda assim não é uma questão de risco biológico. É uma questão comercial”, diz.

Matérias de Mauro Zanattae Bettina Barros, do Valor Econômico, no JC e-mail 3767, de 22 de Maio de 2009

[EcoDebate, 23/05/2009]

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