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A medida dos desejos: da era do consumo à política sóbria

Depois de uma longa euforia, estamos mudando de mentalidade: chegou o momento de nos tornarmos sóbrios.

Uma pesquisa feita no Natal passado apresentou resultados surpreendentes: os entrevistados declararam que, mesmo que o seu orçamento para os presentes era diminuto, não estavam, por causa disso, mais tristes, mas sim mais felizes.

A reportagem é de John Lloyd, publicada no jornal La Repubblica, 28-04-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

No seu último e incisivo livro intitulado “É la stampa, bellezza!”, Giorgio Bocca escreve algo particularmente pungente e severo sobre a natureza da publicidade moderna. “Ela é uma criadora irrefreável de desejos e de consumo, a potente locomotiva que arrasta o gênero humano a novas guerras e, talvez, à destruição”.

Talvez, a sua previsão é excessiva, mas reflete um medo crescente que a crise em curso colocou em particular evidência. O temor é o de se ter superado um limite, além do qual não estamos mais nos limitando a consumir, mas estamos prejudicando o nosso futuro e o de nossos filhos. Somos prisioneiros de um sistema global cuja legitimidade política depende da capacidade de assegurar padrões de vida sempre mais altos e de consumir sempre mais. Isso vale em qualquer lugar e para todos, da nova política democrática de Barack Obama ao regime capitalista-comunista chinês; do político bilionário Silvio Berlusconi que está sempre rindo ao escocês presbiteriano sempre sombrio Gordon Brown; da caótica democracia indiana ao sinuoso autoritarismo russo. Em todo lugar, as elites políticas sempre fazem mais promessas.

A grande panacéia da nossa época foi o constante incremento dos padrões materiais, que atenuou as desigualdades entre os nossos países – que se intensificaram enormemente – oferecendo a esperança de um futuro melhor às gerações vindouras. Nós, que continuamos enriquecendo sempre mais, observamos com comiseração os menos afortunados que, sobretudo na África, combatem em guerras genocidas, desencadeadas em primeiro lugar pela misérie e pela pobreza.

A improvisada diminuição dos nossos padrões de vida nos transmite alguma outra coisa: nós, habitantes dos países ricos, talvez não voltaremos à riqueza em constante crescimento que davamos facilmente por óbvia. Os nossos privilégios nasciam do pressuposto de existir mão-de-obra de baixo custo à nossa disposição, provenientes do Leste Europeu, da China, da Índia e das Filipinas. Essa mão-de-obra tão barata é composta também por consumidores, e os seus governos devem assegurar-lhes mais. O seu “mais” é o nosso “menos”.

A atitude que mais se adaptava à era do consumo era o hedonismo, cujos símbolos exteriores são os automóveis de grandes cilindradas, as TVs de plasma de dimensões exorbitantes, as roupas de marca, as férias nos resorts de luxo. Agora, ao invés, uma nova mentalidade começa a abrir caminho, que deve ser levada a sério: me refiro à sobriedade, à moderação, à simplicidade. Desde sempre prerrogativa daqueles que abraçaram estilos de vida “alternativos” – movimentos “verdes”, figuras religiosas, até alguns socialistas –, ela sempre pareceu, para grande parte de nós, excêntrica e ingênua. Mas… e se eles tinham razão?

A nós todos que habitamos nos países ricos, lançou-se a seguinte mensagem: é verdade, devemos enfrentar um ou dois anos difíceis, mas depois o crescimento voltará. Mas também é verdade que o crescimento pode não voltar como antes, e que a política que se seguir a isso pode não ser mais dominada pela oposição da esquerda e da direita, mas sim pela necessidade de diminuir as expectativas.

Uma nova política é importante, cujo sucesso dependerá de uma nova atitude coletiva, que melhor se expressa no conceito de “sobriedade”. Justamente como quem está bêbado é indiferente a si mesmo e àquilo que o circunda, quem é sóbrio, ao invés, é capaz de dar atenção a si e à sociedade. Depois de uma longa euforia, chegou o momento, para todos nós, de nos tornarmos sóbrios. Será difícil, mas provavelmente não teremos alternativas.

(Ecodebate, 02/05/2009) publicado pelo IHU On-line, 01/05/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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