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O transgênico tropeça: países europeus proíbem sua produção

milho transgênico
Imagem: Greenpeace

Novos estudos científicos nos EUA e na Europa levantam dúvidas sobre a segurança e a eficiência dos cultivos geneticamente modificados. A Alemanha é o sexto país da União Europeia que os proíbe. A Espanha lidera a produção no continente com 75% do total.

A reportagem é de Cristina Castro, publicada no jornal El País, 18-04-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A aparição de novos estudos sobre os possíveis efeitos adversos do cultivo de transgênicos para o meio ambiente estão semeando dúvidas na comunidade internacional. Dois relatórios sobre danos a várias espécies de insetos serviram para que Luxemburgo e Alemanha vetassem formalmente o cultivo desses produtos em seu território. Além disso, um recente estudo nos EUA alerta sobre o fracasso nas pretensões sobre o aumento da produtividade, argumento sobre o qual a defesa dos transgênicos se baseou em parte, especialmente em países em desenvolvimento, como uma solução para contribuir com a erradicação da fome.

A Alemanha agitou a polêmica na terça-feira ao anunciar que passava a ser o sexto país da União Europeia a proibir em seu território o cultivo de organismos modificados geneticamente (OMG). Une-se assim à Áustria, Grécia, França, Hungria e Luxemburgo (mais Itália e Polônia, que também não os permite de fato, porque têm moratórias) em proibir o cultivo do milho MON 810, único OMG cuja semeadura é permitida na União Européia e do qual a Espanha monopoliza 75% da produção, com quase 80 mil hectares.

Desde que a UE autorizou o cultivo, a importação e o consumo do MON 810 em 1998 (mediante a Diretiva 2001/18/CE), os países puderam se amparar na “cláusula de proteção”, um procedimento que a lei reserva para que um país possa alegar novos conhecimentos científicos sobre riscos ao meio ambiente ou à saúde para “restringir ou proibir provisoriamente o uso ou a venda desse OMG em seu território”.

Os países que se amparam nessa cláusula têm que remeter os informes sobre os quais baseiam sua decisão à Comissão Europeia, que encarrega as análises e as avaliações à Agência Europeia de Segurança Alimentar (EFSA), e seria de acordo com estes que a Comissão Europeia poderia obrigar o país a levantar a proibição. Até agora, a EFSA não encontrou base científica suficiente em nenhum dos informes. Na última ocasião, em fevereiro, tanto a EFSA quanto a agência francesa se pronunciaram negativamente sobre os relatórios apresentados pela França, afirmando que não encontravam nenhum risco ambiental ou de saúde na produção do MON 810. Os relatórios apresentados pela Alemanha e Luxemburgo, publicados em 2008, ainda não foram transmitidos à EFSA, afirmou Josep Casacuberta, membro do painel de transgênicos da agência. “Quando se publica um novo artigo, a comunidade científica o debate. Agora, teremos que ver esses novos relatórios, mas, até agora, não houve nenhum que tenha trazido dados conclusivos sobre riscos ao meio ambiente ou à saúde”.

Os estudos, publicados na revista Archives of Environmental Contamination and Toxicology, falam dos danos produzidos pela pulga d’água Daphnia magna e pela joaninha Adalia bipunctata. Ambos os estudos realizados em laboratório para a primeira espécie constatam, em uma alimentação realizada exclusivamente à base de milho MON 810, um aumento do risco de mortalidade e das capacidades de amadurecimento sexual. No caso da joaninha, o estudo foi realizado em estados de imaturidade (larvas) e observa, em determinadas concentrações, um aumento da mortalidade. Não obstante, ambos os estudos se mostram muito cautos em suas conclusões e sugerem a necessidade de novas pesquisas.

O MON 810 é modificado geneticamente mediante a introdução de uma proteína que repele a broca, um inseto da praga que mais afeta o milho e que se encontra sobretudo na Espanha e mais concretamente na zona do Delta del Ebro, onde há mais hectares de cultivo (um terço de tudo o que se produz na UE). Esse OMG está patenteado pela multinacional Monsanto.

Segundo Pere Puigdemont, pesquisador do Grupo de Ética das Ciências e das Novas Tecnologias da UE, o Centro Superior de Investigações Científicas (CSIC) junto com a Universidade de Lérida realizaram pesquisas para vigiar o impacto do cultivo do MON 810 sobre outros insetos. “Não se puderam demonstrar efeitos adversos, muito pelo contrário, já que não é necessário usar muitos inseticidas, e isso favorece a biodiversidade”, afirma o pesquisador.

As organizações ecológicas não têm a mesma opinião, pois estimam que o cultivo dos transgênicos supõe “uma grande experiência com a humanidade, já que não conhecemos a capacidade real da extensão e da multiplicação desse gene”, afirma Tom Kucharz, porta-voz dos Ecologistas en Acción.

Deixando de lado o risco de danos ambientais ou à saúde, é interessante o estudo “Failure to Yield”, de Doug Gurian-Sherman, da Union of Concerned Scientist, uma reconhecida organização norte-americana de cientistas preocupados com os temas ambientais. Nele, Gurian-Sherman tenta desmistificar as pretensões de aumento da produtividade que, desde o começo, giraram em torno aos transgênicos. O relatório assegura que, em 20 anos de investigações e 13 de comercialização no EUA, os OMG que toleram herbicidas não conseguiram um incremento da produtividade e que este foi marginal nos resistentes a insetos (como o MON 810).

Apesar das promessas das indústrias, o autor de “Failure to Yield” assegura que o incremento no rendimento deveu-se aos avanços nas técnicas agrícolas mais do que às propriedades dos transgênicos. O informe diz que o milho BT (como é conhecida a modificação genética do MON 810) conseguiu incrementar a produtividade ao redor de 3% ou 4% nesse país, após 13 anos de cultivos. O relatório concluiu que a produtividade também pode aumentar por meio de técnicas de caráter ecológico e pede que as autoridades fomentem esse tipo de cultivos, sobretudo em países em desenvolvimento.

A empresa que possui a patente do MON 810, a multinacional Monsanto, recebeu a autorização para comercializá-lo na Europa em 1998 e agora está em tramitação para obter uma prorrogação por mais uma década. “É um processo complexo”, assegura Jaime Costa, diretor de Assuntos Regulatórios da empresa. “Entregamos os relatórios no final de 2007 e estamos pendentes da sua resposta”.

A multinacional se defende de seus muitos detratores assegurando que a regulamentação europeia é muito estrita e que é cumprida com todos os estudos e acompanhamentos exigidos. Costa apela à segurança do produto com um dado. “Entre os anos de 2003 e 2007, houve 62 alertas e notificações de segurança alimentar pela presença de microtoxinas no milho: 43 foram de cultivo convencional, 19 ecológicos e nenhuma foi produzida no milho transgênico”.

Na Monsanto, a decisão da Alemanha causou “surpresa”, e eles não descartam a opção de tomar “medidas jurídicas” contra a proibição. Costa esgrime: “Estamos preocupados porque as coisas estão sendo feitas à margem da estrita regulamentação existente”. O diretor da empresa defende que “não pode ser que na Europa, onde se cultiva 0,3% do milho em escala mundial, se notem em primeiro lugar os efeitos adversos e não nos EUA ou em outros países onde se cultiva de forma massiva”.

Pere Puigdemont estima que a decisão alemã, um país que cultiva pouco o produto (cerca de 3.600 hectares), “está motivada por pressões políticas, porque não há base científica que justifique a proibição”. É certo que, mesmo que a EFSA (e, em alguns casos, as agências dos próprios países, como a francesa no último mês de fevereiro) tenha concluído que não existiam danos, a agência é apenas um órgão consultivo, e teriam que ser os países membros, por meio de um acordo, que obriguem a revogação a cláusula, algo que até agora as posições enfrentadas impediram.

O secretário de Estado do Meio Rural e Marinho, Josep Puxeu, foi duro nesta semana com relação ao veto dos países da UE: “Como exportadora, a França adoraria que a Europa tivesse que se abastecer exclusivamente em seu mercado”. Sobre a Alemanha, Puxeu afirmou que “eles não têm a praga” e “estão suficientemente dotados com a sua produção”.

O setor agrícola também está, por sua parte, dividido. Carlos Ferrer, presidente da Associação de Jovens Agricultores (ASAJA) de Huesca e vice-presidente da Associação de Produtores de Milho, é partidário dos OMG: “Se temos que competir com os produtos de fora, queremos jogar com as mesmas oportunidades”. Ferrer disse que a sua associação não entra em temas científicos, “porque as pesquisas devem ser feitas por quem lhes corresponda”. Porém, acrescenta: “Não podemos ficar no último vagão da biotecnologia e deixar de ser competitivos”.

Não são da mesma opinião os grupos de agricultura ecológica. Víctor Gonzálvez, presidente da Sociedade Espanhola de Agricultura Ecológica aplaude a decisão da Alemanha, da qual espera que “faça com que o governo entenda que não é uma questão de progressismo, mas sim uma questão de dúvidas, e deve-se aplicar o princípio da precaução”. Gonzálvez disse que a sua associação não conta com dados sobre cultivos, mas que, nos últimos anos, eles se dividiram “por três ou quatro”.

A principal queixa dos produtores ecológicos vem pela questão da chamada “coexistência” entre os cultivos do OMG e ecológicos. O problema está na possível dispersão do pólen do milho transgênico para cultivos ecológicos, polinizando estes últimos e, portanto, impossibilitando sua catalogação como tais. Puigdemont assegura que ficou demonstrado que 25 metros de separação são suficientes para que não exista risco de mistura, mas os ecologistas denunciam que não há garantias.

Nesse sentido, muitos países já têm a distância regulada que deve existir entre as diferentes plantações, algo que ainda não se fez na Espanha, apesar de ter sido denunciado muitas vezes em 2005. O secretário de Estado do Meio Rural, Josep Puxeu, declarou nesta semana que o governo espanhol “pede que a UE adote uma posição para o cultivo, porque, se há algum problema de coexistência, que defina quais são as regras do jogo”. O El País tentou muitas vezes e em vão perguntar a respeito da regulamentação na Espanha.

A confusão sobre os transgênicos vem, em parte, da contradição existente entre as restrições ao cultivo e o silêncio sobre a importação e o consumo, o que é outra grande preocupação para os agricultores. O presidente da ASAJA critica: “Querem colocar travas ao cultivo, quando a Europa importa por ano 50 milhões de toneladas de soja transgênica, que, se não a tivéssemos, não haveria gado”. Puxeu também se pronunciou nesse sentido: “Não quero entrar no campo cientifico, mas muitos e muitos produtos como o pão, os fermentos, os vinhos, os queijos, a insulina dos diabéticos estão elaborados com produtos transgênicos, que parece que estamos demonizando os avanços da biotecnologia”.

A incerteza que esses produtos geram provoca, por exemplo, que quase a totalidade da produção do MON 810 seja dirigida à elaboração de rações, e que a maioria das empresas se abstenham de utilizá-la para consumo humano, apesar de estar autorizado. A normativa da UE obriga a etiquetação dos produtos elaborados com transgênicos, algo que é insuficiente para as organizações ecológicas: “Pedimos que se controlem também os animais alimentados com transgênicos”, diz Kucharz.

A luta contra os transgênicos, liderada desde sempre pelas organizações ecológicas, mesmo que apoiada por outros grupos, ganhou mais força nesta semana, motivada pela decisão da Alemanha. Embaixadas e consulados da Espanha em vários países da Europa foram cenário de protestos na quinta-feira, e para este sábado estava prevista uma manifestação em Zaragoza, à qual se uniram muitos grupos, como as associações de consumidores. A União dos Consumidores (UCE) lamentou recentemente que, enquanto que a maior parte dos países do entorno comunitário tendem a proibir a produção de OMG, “na Espanha seguem sendo cultivados em grande escala”. A Confederação de Consumidores e Usuários se expressou na mesma linha e exigiu “mais pesquisas, transparentes e públicas”.

(Ecodebate, 22/04/2009) publicado pelo IHU On-line [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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