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Pacientes com vários problemas de saúde (multimorbidade) não são tratados adequadamente

Dra. Cynthia Boyd com a paciente Mazie Piccolo. Foto de Brendan Smialowski, no The New York Times<br />
Dra. Cynthia Boyd com a paciente Mazie Piccolo. Foto de Brendan Smialowski, no The New York Times

Não há políticas claras para quem sofre cronicamente de vários males. Números dizem que há parcela significativa de idosos nessa condição.

Mazie Piccolo tem tantos problemas de saúde que é difícil monitorá-los. Uma deficiência cardíaca lhe tira o fôlego e causa inchaço nas pernas. Um ritmo de batimentos cardíacos anormal aumenta o risco de derrame. Artrite nas pernas dificulta sua locomoção, e ela não consegue mais dirigir.

Piccolo, 84 anos, de Rosedale, Maryland, também tem osteoporose. Ela levou várias quedas nos últimos anos, tendo quebrado a pélvis uma vez. Além de todas essas enfermidades médicas, e outras – como alto colesterol, pressão alta, refluxo gástrico – ela tem um histórico de depressão, e às vezes é difícil para ela cuidar de seu marido, ainda mais frágil que ela.

Seguindo a cartilha, Piccolo deveria tomar 13 medicações diferentes – um coquetel caro e confuso que tem sido demais para ela. Outras medicações recomendadas causam efeitos colaterais intoleráveis. Quanto mais drogas ela toma, maior o risco de interações medicamentosas perigosas. Matéria de Siri Carpenter, do New York Times.

O mais surpreendente de sua situação não é o quanto ela é rara, mas sim o quanto é comum. Dois terços das pessoas com mais de 65 anos, e quase três quartos das pessoas com mais de 80, têm vários tipos de condições de saúde crônicas. Além disso, 68% das despesas com o Medicare vão para pessoas que possuem cinco ou mais doenças crônicas.

Como um grupo, pacientes como Piccolo vão mal de qualquer jeito. Eles demoram mais nos hospitais, passam por complicações de saúde mais sérias, passíveis de prevenção, e morrem mais cedo se comparados a pacientes com perfil médico menos complicado.

Ainda assim, as pessoas com vários problemas de saúde – uma condição conhecida como multimorbidade – são amplamente ignoradas em pesquisas médicas, clínicas e hospitais do país. A reação normal é tratar pacientes complicados como uma coleção de partes do corpo defeituosas, em vez de seres humanos como um todo.

Sem alternativa

“Na maioria das vezes ninguém olha o cenário mais amplo ou reconhece que o melhor para a doença pode não ser o melhor para o paciente”, disse Mary E. Tinetti, geriatra da Faculdade de Medicina de Yale.

Tratar uma doença isoladamente, acrescentou ela, pode piorar outra. Ao controlar a diabetes, por exemplo, médicos geralmente procuram reduzir os níveis de um produtor de açúcar do sangue, chamado hemoglobina A1C. “Porém, sabemos que, para algumas pessoas com doenças complicadas, essa não é a melhor opção”, disse Tinetti.

Piccolo está sendo tratada por Cynthia M. Boyd, geriatra da Johns Hopkins University, cuja pesquisa foca pacientes com múltiplas condições crônicas de saúde.

“Fazer a coisa certa em pacientes como esse é tremendamente desafiador”, disse Boyd. “Ela se beneficiaria mais com a baixa na pressão arterial? Ou no nível de colesterol? Ou ainda ser tratada contra a osteoporose? Ou quem sabe tomar varfarina para prevenir derrames? É mais importante tratar sua depressão, para que ela possa gerenciar sua saúde geral melhor? Ou melhorar sua capacidade física de locomoção?”

Os registros médicos de Fred Powledge, 74 anos, têm 10 centímetros de grossura. Eles incluem mais de uma dúzia de diagnósticos atuais, incluindo diabetes, doença pulmonar obstrutiva crônica, vértebra comprimida, três substituições de ligamentos, duas substituições de lentes oculares, artrite.

Powledge, escritor de Maryland, toma quase uma dúzia de comprimidos por dia, conforme recomendado por seis médicos.

“Muita sorte e pesquisa da minha parte me levaram a médicos em quem confio e que estão mais conscientes em relação à interação entre as drogas prescritas”, disse ele em mensagem de e-mail. “Mas sinto falta de alguém capaz de olhar o cenário geral e ver minha saúde como um todo.”

“Isso cabe a mim, com a ajuda da minha mulher, e visitas frequentes a sites confiáveis”, continuou. “Com o envelhecimento da nossa população, precisamos de algum tipo de supervisor para manejar todos os diagnósticos e prescrições, além de procurar conflitos e duplicações. Isso também ajudaria a contrabalancear a ideia na cabeça de muita gente de que os médicos sempre sabem o que fazem – pois, muitas vezes, eles são sabem”.

Sem defesa

Num sistema médico orientado para órgãos e doenças individuais, não existe nenhum defensor de pacientes com múltiplas doenças – nenhum Instituto Nacional de Multimorbidade, nenhuma Campanha de Caridade para a Cura da Multimorbidade, nenhuma celebridade pressionando o governo para a realização de mais pesquisas.

Pelo fato dos estudos envolvendo populações descomplicadas serem mais baratos e mais fáceis de interpretar, pacientes com várias doenças são rotineiramente distanciados de testes com novos medicamentos. Um estudo de 2007 descobriu que 81% dos experimentos randômicos publicados nos mais prestigiados jornais médicos excluía pacientes com problemas médicos coexistentes.

“Geralmente, não sabemos qual é a segurança e a eficácia real para pacientes com múltiplas doenças”, afirmou Dr. W. Douglas Weaver, presidente do Conselho Americano de Cardiologia.

Empresas farmacêuticas são requisitadas a estudar o quão bem alguns medicamentos em particular funcionam no mundo real, depois destes terem obtido aprovação governamental. Na teoria, esses estudos pós-comercialização deveriam esclarecer como tratar melhor pacientes possuidores de problemas médicos complexos. Porém, os estudos tendem a incluir apenas uma pequena fração de doentes que estão recebendo tratamento, disse Weaver.

Registros abrangentes capazes de monitorarem todos os pacientes, num dado hospital ou clínica, são mais promissores, ele disse. No entanto, ele acrescentou que, a menos que o governo federal apoiasse esses registros e pagasse aos médicos para participarem, eles podem não ser sustentáveis.

Pelo fato de poucas pesquisas incluírem pacientes complicados, os médicos têm poucas evidências científicas nas quais basear o caso. Num estudo de 2005, Boyd e colegas analisaram diretivas clínicas baseadas em evidências usadas para tratar nove das doenças mais comuns, entre as quais estão osteoporose, artrite, diabetes tipo 2 e colesterol alto.

Menos da metade das diretivas se referia especificamente a pacientes com múltiplas doenças, e a maioria era limitada a pacientes com apenas uma doença coexistente ou um pequeno número de doenças intimamente relacionadas. “Estamos muito longe de termos evidências perfeitas sobre como ajudar pacientes com problemas de saúde complexos”, disse Boyd.

Avançando às escuras

Na falta de uma orientação sólida, os médicos fazem suas melhores suposições sobre como uma diretiva particular é aplicável ao paciente, disse Gerard F. Anderson, professor de políticas e administração de saúde da Bloomberg School of Public Health, na Johns Hopkins. E as “melhores suposições variam bastante”, acrescentou.

A pressão do tempo intensifica a situação difícil dos médicos. Se uma consulta típica, 15 minutos, deixa pouco tempo para medir os riscos e benefícios de um plano de tratamento complexo, imagine considerar integralmente as preferências e prioridades do paciente.

“Não sabemos realmente como medir as evidências entre as doenças”, disse Boyd, da Johns Hopkins, “e não sabemos tampouco as melhores formas de comunicar aos pacientes o que sabemos e o que não sabemos”.

Medidas de melhoria da qualidade, que atrelam as compensações dos médicos ao quanto eles seguem as diretivas baseadas em evidências, complica ainda mais o problema. Além disso, alguns temem que elas ofereçam um incentivo financeiro para que os doutores sacrifiquem a tomada de decisão individualizada.

“Os médicos sabem que não é certo alguém tomar 15, 18, 20 medicamentos”, disse Tinetti, geriatra de Yale. “Porém, eles estão recebendo orientação sobre o que é necessário para tratar cada uma das doenças possuídas pelos pacientes diante deles”.

Mudar isso exige grandes investimentos em pesquisa, diretivas e medidas de qualidade que incluem os tipos de casos complicados vistos pelos médicos todos os dias.

“Acredito que todos sabem nossa urgência em descobrir como integrar o cuidado aos pacientes idosos com múltiplas condições crônicas”, disse Ardis D. Hoven, residente de Lexington, Kentucky, responsável pela Associação Médica Americana. “Entretanto, temos um longo caminho pela frente. Estamos só começando a verbalizar isso.”

* Matéria [Treating an Illness Is One Thing. What About a Patient With Many?] do New York Times, no Portal G1.

[EcoDebate, 09/04/2009]

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