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Vítimas do trabalho escravo são assentadas no Piauí

Reunidas na Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Prevenção do Trabalho Escravo, vítimas de exploração criminosa em fazendas de pecuária no Pará se unem e conquistam pedaço de terra em Monsenhor Gil (PI)

Uma história triste de exploração de trabalho escravo está prestes a ter um raro final feliz no município de Monsenhor Gil (PI), a 56 km da capital Teresina. Cerca de 30 famílias de pessoas que foram vítimas da escravidão contemporânea serão contempladas no Assentamento Nova Conquista.

De acordo com a Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Piauí, as próprias famílias participaram do processo de escolha da área desapropriada de 2,26 mil hectares, que abrigará um total de 52 famílias e fica a 25 km do núcleo urbano de Monsenhor Gil (PI). A posse da área foi garantida aos assentados em março e a construção da infra-estrutura deve ter início em breve. Por Bianca Pyl e Maurício Hashizume, da Agência de Notícias Repórter Brasil.

A novela dos trabalhadores do Piauí começou no início de 2004. Um “gato” – como são chamados os contratadores de mão-de-obra no Brasil rural – aliciou dois grupos no estado nordestino para trabalhar em fazendas distantes. “Um grupo de 15 pessoas foi primeiro. Alguns dias depois fomos eu e mais 14 colegas, todos aliciados pelo mesmo ´gato´”, conta Francisco Rodrigues dos Santos, que estava desempregado e decidiu deixar mulher e filhos para buscar o sustento na pecuária do Sudeste paraense.

Os grupos foram iludidos com promessas de bons salários (cerca de R$ 600) e receberam um adiantamento para abastecimento imediato da família. Depois de um dia inteiro de viagem, quando chegaram à uma propriedade isolada em Vila Mandir, em Santana do Araguaia (PA), encontraram um quadro desolador: teriam que pagar em dobro a quantia deixada às suas famílias e o valor da passagem. Passaram a dormir em barracas de lona e eram vigiados por capangas armados. Não tinham acesso à água potável e não se alimentavam adequadamente; trabalhavam de domingo a domingo, sem descanso semanal.

“Lá a gente tinha que pagar por tudo: ferramentas, equipamentos de proteção individual (EPIs), comida etc. Era tudo muito caro”, revela Francisco. Ele e outros empregados permaneceram seis meses seguidos na labuta, submetidos à servidão por dívida e sem receber nada.

Em meados de julho de 2004, no entanto, o grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) esteve na Fazenda Rio Tigre, também localizada em Santana do Araguaia (PA), onde a outra leva dos piauienses estava submetida aos desmandos do mesmo “gato”. A ação na área pertencente a Rosenval Alves dos Santos libertou 78 trabalhadores.

“Os capangas ficaram sabendo da ação na outra fazenda e levaram a gente para uma casa abandonada em Vila Mandir. E depois recebemos só R$ 240 e tivemos que voltar para o Piauí”, conta Francisco Rodrigues.

Quando chegaram ao Piauí, o grupo ficou sabendo que os libertados da Fazenda Rio Tigre acabaram recebendo todos os direitos trabalhistas. Por causa do flagrante, Rosenval foi incluído na “lista suja” do trabalho escravo, cadastro de empregadores que exploraram mão-de-obra escrava. O mesmo fazendeiro, aliás, foi incluído na lista dos 100 maiores desmatadores divulgados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) no início de 2008.

Os trabalhadores escravizados na Vila Mandir resolveram então procurar a Comissão Pastoral da Terra (CPT) para entrar na Justiça e tentar reaver seus direitos. “Foi um período muito difícil, a gente não tinha dinheiro pra ir até o Piauí participar das negociações e audiências. Contamos com a ajuda do município de Monsenhor Gil e a CPT conseguiu o advogado”, lembra Francisco. Em 2006, os trabalhadores conseguiram um acordo e receberam uma indenização do empregador. “Foi uma quantia muito pequena, mas já estávamos cansados de esperar”.

Mesmo depois do acordo, eles continuaram lutando. Juntamente com os libertados da Fazenda Rio Tigre, fundaram a Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Prevenção do Trabalho Escravo no ano passado e passaram a reivindicar uma área para fim de reforma agrária junto ao Incra. “A gente não quer mais sair da nossa terra para trabalhar”, salienta Francisco.

A associação incorpou outras famílias de trabalhadores rurais migrantes, que também serão assentados no Nova Conquista. “Essas pessoas estão sujeitas ao trabalho escravo do mesmo jeito. São trabalhadores migrantes que vivem de canavial à canavial, indo para o Pará, para o Centro-Sul…”.

Assentamento
Um desses migrantes ocupa a presidência da associação. Trata-se de Francisco José dos Santos Oliveira, mais conhecido como “Chiquinho”. Todos os anos, ele deixava o Nordeste para cortar cana-de-açúcar no interior paulista.

Chiquinho conta que um grupo de beneficiados já esteve por conta própria na área, em meados de março, para limpar a estrada que dá acesso ao terreno e levantar um primeiro barracão para facilitar os trabalhos. “É muito trabalhoso, mas temos um colega da associação que mora na região e está nos dando suporte”, relata o presidente da associação.

Segundo as instruções normativas do Incra, o primeiro passo para a instalação de um novo assentamento é a homologação das famílias cadastradas na Relação de Beneficiários (RB). Exige-se que as famílias estejam dentro de um perfil pré-estabelecido. A lista dos assentados já foi homologada pelo Incra, mas ainda não foi divulgada porque falta o aval da Controladoria-Geral da União (CGU). Depois desta fase, os cadastrados fazem a assinatura de Contrato de Concessão de Uso (CCU), o que possibilita acesso a créditos e outros benefícios. A partir do CCU, são feitos contratos de crédito.

Os assentados de Nova Conquista terão acesso ao crédito instalação, que são verbas destinadas para a construção das moradias, alimentação, aquisição de insumos agrícolas, instrumentos de trabalho, pequenos animais etc. Estão incluídas também verbas de apoio à mulher e de fomento para incrementar produção. Serão destinados mais de R$ 19 mil para cada família. Há, ainda, a possibilidade de financiamento via Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), com valor variável.

O Incra deve elaborar projetos para a construção das casas e de redes de energia e de abastecimento de água no Assentamento Nova Conquista, com base no Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA), elaborado com a participação das famílias que serão atendidas pela reforma agrária.

[EcoDebate, 07/04/2009]

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