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Artigo

A linguagem da Igreja Católica, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)

“Menino, você entende a linguagem diplomática da Igreja? O que o Núncio acabou de dizer é que o papa está para morrer”.

[EcoDebate] Com esse alerta, em tom amigável, D. Hélder Câmara introduziu o recém nomeado bispo de Juazeiro da Bahia, D. José Rodrigues, no mundo da linguagem diplomática do Vaticano. O Núncio acabara de anunciar numa assembléia geral da CNBB, ainda na década de 70, que “o papa Paulo VI estava muito bem de saúde e mandara um grande abraço a todos os bispos brasileiros”. De fato, poucos dias depois, Paulo VI veio a falecer.

Esses dias a CNBB lançou uma nota pública diante da excomunhão que o arcebispo de Recife prometera aos familiares que permitiram e aos médicos que realizaram um aborto em uma menina de 9 anos em Recife. Nas entrelinhas, a CNBB defendeu o princípio da vida – sempre vai defender -, mas em nenhum momento referendou a excomunhão. Já era a primeira reação da CNBB diante da avalanche de críticas nacionais e internacionais que vieram a partir da atitude patoral do referido arcebispo, considerada por muitos um desastre.

Toda presidência da CNBB estava em Roma para um simpósio sobre “O Bem Comum e a Escassez de Recursos”, convocada pelo Conselho Episcopal Latino Americano (CELAM) em parceria com a MISEREOR, entidade católica da Alemanha que atua na questão social em todo o mundo. Diante de tantas críticas estampadas até nos jornais da Itália, como o “Corriere Della Sera”, os bispos fizeram uma nota sutil, mas suficiente para a grande mídia captar e contrapor a opinião da CNBB ao arcebispo. Um dos e-mails enviados à CNBB dizia:“me excomunguem, será uma honra ser excomungado por essa Igreja”.

Finalmente, nessa semana, a presidência da CNBB veio a público para dizer que “não houve excomunhão, mas que o bispo teria dito que, em caso de aborto, a excomunhão é possível”.

Valeu a costura política e diplomática da CNBB. Reverteu, ao menos em parte, um desastre mais profundo. Afinal, a CNBB não tem poder de interferir nas dioceses particulares, embora o mundo laico pense que sim. Cada bispo deve obediência somente ao Papa. Porém, dessa vez, prevaleceu o senso do colegiado, até porque a reação veio para cima da CNBB. Foi uma costura da sabedoria adquirida em mais de dois mil anos de história. Muito mais, a prevalência do sentido da misericórdia, afinal, Deus é misericórdia. Como dizia um bispo brasileiro nos corredores do simpósio em Roma, “em casos escabrosos como esse é melhor entregar à misericórdia de Deus”.

Esses dias, diante do caso Williamson, da suspensão de ordem do Pe. Luís Couto na Paraíba, da excomunhão prometida aos envolvidos no caso do aborto, esse recuo alcançado pela CNBB joga um pouco de luz sobre esses casos tão constrangedores. Afinal, a CNBB continua sendo referência para grande parte da sociedade brasileira que luta por um Brasil mais justo e equânime.

“Menino, você entende a linguagem diplomática da Igreja”. Pelo menos essa agora da CNBB a gente entende, afinal, a misericórdia é a linguagem do próprio Deus.

Roberto Malvezzi (Gogó) é Assessor da Comissão Pastoral da Terra – CPT, colaborador e articulista do EcoDebate.

[EcoDebate, 14/03/2009]

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One thought on “A linguagem da Igreja Católica, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)

  • O notável Malvezzi escolheu bem o tema. Mas é preciso dizer que a Igreja Católica tem uma profunda necessidade de excomungar as pessoas por divergência de opinião. Isto contaminou até os movimentos sociais católicos que às vezes são ultra-sectários e intolerantes com idéias diversas dentro de um mesmo campo.Eles costumam promover o isolamento de pessoas portadoras de idéias que os questionam. A excomunham e o ostracismo são práticas comuns aos órgãos e personalidades católicas, independentes de serem ditadas por bispos. É um tema a ser aprofundado. Já sugeri ao Boff que o faça para reflexões que mudem a forma de agir de movimentos e lideranças da Igreja Católica. Parece um resquício de quando o povo acreditava que a Igreja falava em nome de Deus, pronto e acabado. Apolo Heringer

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