EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Notícia

Pedido de vista do ministro Eros Grau adia julgamento sobre importação de pneus usados

lixão de pneus

Pedido de vista do ministro Eros Grau adiou, nesta quarta-feira (11), o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 101, na qual o Presidente da República contesta decisões de quatro Tribunais Regionais Federais (TRFs) e 25 varas federais que autorizam a importação de pneus usados.

O pedido foi formulado por Eros Grau após o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, pela procedência parcial da ação. Ela declarou a constitucionalidade da legislação que proíbe a importação de pneus usados, com exceção das decisões já transitadas em julgado (das quais não cabe recurso), alegando necessidade de preservar a segurança jurídica. Disse, justificando esta decisão, que o governo tinha à sua disposição meios legais para questionar essas decisões, e se foi omisso, essa omissão não poderia ser agora sanada.

Em seu voto, Cármen Lúcia excluiu da proibição de importação também a compra de pneus remoldados originários de países do Mercado Comum do Sul (Mercosul), vez que o país, por decisão do Tribunal Arbitral ad hoc do bloco econômico, foi obrigado a abrir essa exceção. E vem cumprindo a decisão, devendo continuar a fazê-lo, porque a decisão do tribunal é irrecorrível.

Cabimento

No início da apresentação do voto, a ministra Cármen Lúcia sustentou o cabimento da ADPF, contestada por alguns advogados de defesa das indústrias de recuperação de pneus usados. Segundo eles, a questão envolveria apenas legislação infraconstitucional, pois não se trataria de ofensa direta a nenhum princípio constitucional.

O governo alega ofensa aos artigos 196 e 225 da Constituição Federal (CF), que tratam do direito à saúde e a um meio ambiente equilibrado, e do 170, caput e incisos I e VI que, ao tratar da atividade econômica e do direito à livre iniciativa, impõe restrições como a preservação da saúde e do meio ambiente.

A ministra Cármen Lúcia, contrapondo-se ao argumento dos empresários do setor, considerando a multiplicidade das decisões contestadas, decidiu aplicar o princípio da subsidiariedade, alegando que, na ausência de um meio legal mais amplo, não há outra medida com maior eficácia que a ADPF. Foi apoiada, neste argumento, pela maioria dos ministros. Um deles, Carlos Alberto Menezes Direito, sustentou que a ADPF tem “alcance disciplinar amplíssimo”, abrangendo não só preceitos fundamentais contemplados pelo artigo 5º da CF, como outros que estão espalhados pela Constituição.

Colocada em julgamento esta preliminar, a maioria, vencido o ministro Marco Aurélio, votou pelo cabimento da ADPF.

Voto da relatora

Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia fez um histórico da evolução da legislação brasileira sobre meio ambiente, que data de antes da Constituição Federal de 1988, lembrando que também o STF já se manifestou, várias vezes, sobre o assunto, endossando medidas legais adotadas.

Por outro lado, ela lembrou que um dos motivos para a propositura da ADPF foi a pressão dos países da União Européia na Organização Mundial de Comércio (OMC) contra suposta discriminação e imposição de barreiras ao livre comércio, devido o fato de o país continuar importando pneus remodelados do Mercosul . Acresce que o Brasil não tem conseguido impedir algumas importações de países fora do bloco, em virtude de decisões judiciais.

Daí por que o governo pede a unificação da jurisprudência sobre o assunto e a declaração de constitucionalidade de todo o acervo de proteção ambiental e de proibição da importação de pneus. Alega que, se os países europeus vencerem o pleito na OMC, o Brasil corre o risco de virar depósito de 2 a 3 bilhões de pneus velhos inservíveis.

Cármen Lúcia ironizou o argumento de alguns países em prol da importação dos pneus usados, como a geração de empregos, por exemplo. “Me impressiona a generosidade de países que, tendo problemas ambientais, tendo um passivo de três bilhões de pneus, resolvem vender a preço de miséria, para nossos tristes trópicos, exatamente algo que é tão bom, tanto para gerar emprego quanto para melhorar as condições ambientais e para resolver a questão do passivo [de pneus usados]”, observou ela.

Segundo a ministra, os pneus usados desses países são vendidos a países em desenvolvimento ao preço de vinte a sessenta centavos de dólar. Portanto, não parecem um negócio tão bom. Ela afastou, também, o argumento das indústrias do setor de que os pneumáticos brasileiros não se prestariam à reindustrialização. Citou parecer técnico do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), segundo o qual a qualidade dos pneus brasileiros é a mesma.

Além disso, contrariando afirmações das indústrias, tal laudo mostrou, também, segundo ela, que os pneus importados não são submetidos a prévio controle e, assim, 60% deles já chegam inservíveis, contribuindo para aumentar o passivo de pneus velhos, que já alcança 100 milhões no país.

Contrapondo-se ao argumento de que uma eventual decisão a favor dos pedidos do governo na ADPF poderá lançar milhares de trabalhadores ao desemprego, Cármen Lúcia disse que quem mais sofre com a toxicidade dos depósitos de pneus e com os riscos à saúde (dengue, malária) provocados pelo mosquito transmissor dessas doenças que costuma abrigar-se em pneus velhos, é justamente a parte mais desfavorecida da população.

Para ilustrar o problema representado por pneus velhos, ela citou estudos mostrando que a decomposição do produto pode levar até 100 anos. Sua desintegração é de alto custo, além do que sua queima libera uma série de resíduos tóxicos, e esta queima pode durar dias ou até meses.

Princípios internacionais

A ministra lembrou que a Declaração do Rio de Janeiro, firmada pelos participantes da Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente realizada em 1992 na capital fluminense, consagrou o princípio da precaução para todos os Estados, de acordo com a sua capacidade. Nela, os governos se comprometeram a privilegiar ações de prevenção contra riscos ambientais, antes de ser ver na contingência de reparar danos, hipótese bem mais difícil.

Contestando os que defendem a livre iniciativa na economia, ainda mais em momento de crise como o ora enfrentado pelo mundo, ela afirmou: “Não há como alegar desenvolvimento econômico. A crise não se resolve pelo descumprimento de preceitos fundamentais, com outra crise, esta gravosa para o meio ambiente para as atuais e futuras gerações”.

Neste contexto, ela citou uma afirmação do ministro Eros Grau, segundo o qual a Constituição Federal “dá vigorosa resposta aos que defendem o retorno à barbárie” – isto é, a exploração, sem limites, dos recursos naturais.

Ela defendeu a constitucionalidade da legislação editada ao longo dos anos pelo governo e seus órgãos para preservar o meio ambiente, incluindo a proibição de importação de pneus usados. “O direito à saúde é comprometido pelo excesso de resíduos; não é só o direito à ausência de doença, é também o direito ao bem-estar físico e social. Portanto, é vedado ao Estado ser inoperante”, sustentou.

Segundo ela, a ação do Estado abarca todas as atividades que possam colocar em risco a vida e a saúde (responsabilidade sanitária). E o direito a saúde está vinculado a um meio ambiente equilibrado”. Portanto, no entender da ministra, “se a proteção à saúde é dever do Estado, cabe ao Judiciário assegurar o cumprimento das normas para concretizá-la”.

Dispositivos legais

A ministra declarou a constitucionalidade, com efeitos ex-tunc (retroativos, desde a edição da norma), das normas para as quais se pede a procedência da ação:

– artigo 27 da Portaria Decex nº 8/1991, do Decreto 875/93
– artigo 4º da Resolução 23/96
– artigo 1º da Resolução Conama 235/98
– artigo 1º da Portaria Secex nº 8/2000
– artigo 1º da Portaria Secex nº2/2002
– artigo 47-A do Decreto 3.179/99 e seu parágrafo 2º, incluído pelo Decreto 4.592/2003
– artigo 39 da Portaria Secex nº 17/2003
– artigo 40 da Portaria Secex nº 14/2004

Declarou, entretanto, inconstitucionais as decisões judiciais que afastaram a aplicação daquelas normas, permitiram ou permitem a importação de pneus usados de qualquer espécie, aí incluídos os remoldados, ressalva feita quanto a estes, quando provenientes dos países do Mercosul.

FK/RR. Notícias STF

[EcoDebate, 13/03/2009]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta que envie um e-mail para newsletter_ecodebate-subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.