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Belém e Davos sob o signo da crise financeira e ecológica

O Fórum Social Mundial em Belém (Pará) e o Fórum Econômico Mundial em Davos (Suíça) que ocorreram simultaneamente, iniciaram as suas atividades tendo como pano de fundo a crise mundial e a crise ambiental: “Esta é a edição mais importante depois da primeira, em 2001”, afirma Oded Grajew, e um dos idealizadores do Fórum Social Mundial. Grajew diz que o colapso financeiro confirmou as previsões que o fórum fazia: “É só recuperar toda a nossa história. Sempre falamos isso. Mas a gente não fica feliz e contente com a crise. Queremos é um mundo com qualidade de vida”.

Do outro lado do mundo: “Este pode ser o primeiro fórum em Davos em que o capitalismo é amplamente considerado um fracasso, em vez de algo a ser admirado”, diz Ethan Kapstein, professor de economia e ciência política da escola de administração Insead, que tem participado de Davos desde 1994.

Para Oded Grajew, “hoje, outro mundo é urgente”. Segundo ele,“quando começamos, o lema era ‘Outro mundo é possível’. Hoje, outro mundo é também urgente. Há cientistas dizendo que, se não houver uma mudança radical em cinco anos, o processo poderá se tornar irreversível. Quando falamos de outro mundo possível, falamos de outras estruturas políticas, ambientais, econômicas, de governança global. O desastre financeiro que vemos é só um prenúncio do ambiental”.

Davos, também fala em um outro mundo, ao seu modo. Na pauta do encontro realizado nos Alpes suíços, o desafio é o de “redesenhar o mundo pós-crise”. Davos quer se transformar em base de apoio para os trabalhos do G-20 (grupo dos 8 países mais ricos do mundo e 12 emergentes) de recriar o sistema financeiro internacional. O Fórum adverte que até agora não está claro se as medidas adotadas terão o impacto desejado. Segundo a entidade, o mundo já gastou cerca de US$ 1 trilhão para salvar os bancos. Mas as bolsas de valores já tiveram perdas 30 vezes maiores.

A crise também obrigou Davos a se olhar no espelho. Os principais dogmas defendidos nos eventos são questionados e até acusados de terem levado à crise. “Os alertas foram dados. Mas todos nós, coletivamente, não demos atenção suficiente. Era conveniente, politicamente, achar que o mundo poderia continuar crescendo de forma insustentável e que tudo continuaria igual”, admite o fundador e presidente do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab. “Todos somos responsáveis”.

A novidade desse ano em Davos, diferentemente de outras edições, ficou por conta do resgate do papel do Estado. “O que me chocou foi a demanda neste ano por membros do governo, para que tomem iniciativas”, disse Christine Lagarde, ministra francesa da Economia. O próprio fundador do Fórum Econômico, Klaus Schwab, disse na abertura do encontro que “o pêndulo se moveu e o poder voltou aos governos”.

Como já é de praxe, a polícia suíça reprimiu com violência centenas de manifestantes em Genebra que protestavam contra o Fórum Econômico de Davos e a crise. Os manifestantes acusavam os participantes do prestigioso encontro nos Alpes de serem os responsáveis pela recessão mundial. “Vocês são a crise”, afirmava um comunicado distribuído pelos ativistas em Genebra.

Em Belém, no FSM, há uma unanimidade: a crise é grave, mas existe desacordo em como enfrentá-la. Retorna-se à permanente polêmica, já presente em outras edições do Fórum: se o FSM deve se transformar num movimento e estabelecer uma agenda unitária de lutas mundial, ou deixar isso ao encargo das dezenas de articulações que acontecem em seu interior.

O cientista social e filósofo Emir Sader avalia que o fórum ficou atrasado ao se posicionar apenas como um “espaço de resistência”. Segundo ele, o Fórum “ficou girando em falso na medida em que se colocou apenas como fórum de crítica ao neoliberalismo. Desde que ele se fundou, a luta contra o neoliberalismo passou de resistência à construção de alternativas, do que a América Latina é a melhor expressão”. Para Sader. “este é o momento de o fórum romper a barreira do discurso e passar para a apresentação de modelos alternativos de organização social e econômica”.

Sader critica ainda, a excessiva ingerência das Ong’s no Fórum. Segundo ele, as “ONGs não podem ser o paradigma de outro mundo possível”. O sociólogo fez duras críticas: “Onde estão as massas nas ruas mobilizadas pelas ONGs? Quem faz o Fórum são os movimentos populares. Elas [ONGs] têm lugar, mas o protagonismo tem que ser dos movimentos sociais”.

Francisco Whitaker, membro do Secretariado internacional do Fórum Social Mundial, em entrevista especial ao IHU, discorda da tese de que o Fórum precisa se transformar num movimento: “A principal função do Fórum é criar um espaço de encontro para o reconhecimento mútuo das muitas organizações da sociedade civil que trabalham para mudar o mundo e que, nesse espaço, elas possam se reconhecer e se descobrir, além de aprender umas com as outras, intercambiar experiências, encontrar convergências e montar novas articulações para novas ações que possam fazer em conjunto”. Segundo ele, “o FSM não é um movimento, uma entidade que tem um programa próprio”.

Na linha de raciocínio de Emir Sader, que pede uma agenda mais agressiva, encontra-se o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos: “Se não dermos a solução, ela virá de Davos, com mais capitalismo e menos direitos. São eles que estão a pensar uma solução. Nos reunimos [no Fórum Social Mundial] desde 2001 e não fomos nós que derrotamos o neoliberalismo, ele cometeu suicídio. Eles estão lá [em Davos] pensando o que vai ser o capitalismo depois da crise. E nós, o que estamos fazendo?”, disse ele. Boaventura defendeu que o FSM proponha o fim do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), que segundo ele, erraram como instituições, quebraram alguns países e não tiveram que pagar indenizações.

Outro que defende a necessidade de uma agenda clara de lutas é Bernard Cassen, também um dos indealizadores do Fórum. Cassen propõe que o FSM siga como um espaço de discussão, “mas é preciso que, ao lado dele, movimentos sociais, governos e partidos políticos definam ações concretas”.

Há ainda aqueles que defendem, como o sociólogo Francisco Oliveira, que “para o Fórum Social ganhar repercussão parecida com a que teve anteriormente ele deveria ser realizado nos EUA”.

O Fórum terminou com uma agenda mínima de mobilização, em parte como resposta à principal crítica que sofre desde sua criação, em 2001, a de ser pouco resolutivo. Dentre as ações que devem ocorrer ainda neste ano estão um ato pelo direito das mulheres, no dia 8 de março; uma semana de protestos contra a guerra e o capitalismo, entre 28 março e 6 de abril; e uma ação em defesa do ambiente e dos índios, em 12 de outubro. Fora do Brasil também devem ocorrer manifestações durante o Fórum Mundial das Águas, a ser realizado em Istambul, na Turquia, e para pressionar países a agir contra as mudanças climáticas, durante a próxima Conferência do Clima da ONU.

Sobre o futuro do Fórum, se decidiu que em 2010 de será descentralizado, com vários encontros ao redor do mundo. Em 2011, volta a concentrar todas as entidades e regiões num só local – que será definido, durante o encontro do conselho internacional, em Belém. A África do Sul está interessada em ser a sede do evento. Mas alguns conselheiros defendem a transferência para a Ásia. Existe a possibilidade de realizá-lo no México, em alguma área da fronteira com os Estados Unidos.

(Ecodebate, 05/02/2009) publicado pelo IHU On-line, 04/02/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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