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Tese aborda experiências de jovens cariocas que romperam com a criminalidade


Por causa da baixa escolaridade, os jovens enfrentam dificuldades para encontrar emprego

A entrada precoce de jovens para o crime organizado, no qual a venda de drogas deixou de ser prioritária diante dos constantes episódios de conflitos armados e tráfico de armas, leva-os a um desgaste físico e emocional que pode criar condições possíveis para uma ruptura e busca de novas redes sociais motivadoras de novas condutas de vida e trabalho. Esta foi a principal conclusão da tese defendida pela assistente social Zilah Meirelles no Programa de Pós-Graduação em Saúde do Trabalhador na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz. Em seu trabalho, a pesquisadora analisou as circunstâncias e condições específicas que impulsionaram 30 jovens entre 17 a 25 anos a abandonarem a vida no tráfico de drogas em sete favelas da Zona Norte e do Centro da cidade do Rio de Janeiro.

De acordo com Zilah, o quadro é desolador em qualquer dessas comunidades: os jovens, ao entrarem para o tráfico, apresentam uma perspectiva de fascínio pelas facilidades de adquirirem visibilidade social, prestígio, poder e dinheiro e assim ascender na vida de modo mais rápido. No entanto, essa noção vai se desfazendo com o tempo devido às numerosas situações de traição, punição e medo as quais eles têm que passar. “O processo de saída ocorre justamente quando o jovem começa a questionar seus ganhos e perdas nesta trajetória, e procura visualizar outras possibilidades de vida mais condizentes com suas aspirações juvenis”, afirma.

O estudo de Zilah aponta que há dois momentos importantes e distintos para o processo de abandono do tráfico: primeiro ocorre o afastamento das atividades, devido a um desencanto progressivo, e, por fim, a ruptura efetiva, quando o jovem consegue ser fortalecido por grupos de apoio. A maior parte dos entrevistados, já afastados do crime organizado em torno de um a três anos, relata que o sentimento de frustração por não conseguir destaque é um ponto crucial para o afastamento. “Quando ingressam, eles têm expectativas de levar uma vida farta de aventura, dinheiro e mulheres, mas logo percebem que estar no tráfico é ‘dureza’”, comenta.

Nas entrevistas, feitas entre os anos de 1990 e 2006, os jovens atuantes há mais tempo nessas atividades revelaram que, dentre os motivos que os levaram a sair, estavam a incapacidade física provocada por tiro e as perturbações mentais por terem sido torturados ou traídos por um amigo. No grupo que se desligou mais recentemente, os motivos mais freqüentemente mencionados foram medo de morrer por traição dos amigos do tráfico, as tensões físicas e emocionais causadas pelos constantes conflitos armados, ameaças de castigos e torturas e a frustração da expectativa de obterem grandes ganhos econômicos. “Os momentos de confronto geram nos jovens grande desgaste físico e emocional, especialmente para os que entram com pouca idade e manifestam pouca capacidade de resistência”, destaca a pesquisadora.

A tentativa de romper, então, ocorre quando o desencanto toma dimensões maiores. “Contudo, todos ressaltam que, uma vez dentro, não é fácil sair”, explica Zilah. Ela acrescenta que, em geral, eles se sentem sozinhos e frágeis para enfrentar essa decisão, com medo do desconhecido, ou seja, do que vão encontrar fora da comunidade. E, ao obter o salvo-conduto, há um período transitório de insegurança, pois sua saída nunca é imediata. “O tempo para sair será maior ou menor dependendo do seu histórico no movimento”, diz a pesquisadora. “Ele não pode ser visto como traidor, nem dever dinheiro por consumo de droga, perda de mercadoria ou qualquer outra razão similar. Em suma, não pode ter nenhum tipo de dívida, nem monetária, nem moral”.

Além disso, muitos desses jovens abandonam muito cedo a escola (na pesquisa, somente dois deles concluíram o ensino fundamental) para se envolverem com o tráfico onde permaneceram, em média, de seis a sete anos. “Por causa da baixa escolaridade, esses jovens enfrentam grandes dificuldades para encontrar emprego”, esclarece a assistente social. “No mais, a incorporação de linguagem e hábitos próprios da criminalidade, ao longo desses anos, representa mais um agravante para o seu processo de socialização quanto para a sua inserção no mundo do trabalho”.

No entanto, Zilah aponta que os resultados da pesquisa demonstram que a decisão não é uma façanha impossível de ser efetuada. “É imperativo dizer que quase todos os jovens, se não todos os que se afastam e rompem com o tráfico, necessitam de um suporte psicológico”, pontua. “A família é o grupo social central para o sucesso destes dois processos (afastamento e ruptura). Ela é responsável por disparar os circuitos de proteção e apoio necessários para o jovem fazer ‘o caminho de volta’”.

Matéria de Renata Moehlecke, da Agência Fiocruz de Notícias, publicada pelo EcoDebate, 04/12/2008.

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