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Grilagem oficial: Mais da metade das cidades da Amazônia foi erguida sobre áreas pertencentes à União

O quadro de ilegalidade na chamada Amazônia Legal é tão caótico que o mutirão de regularização a ser iniciado em 2009 na região terá de varrer ao mesmo tempo as áreas urbanas e rurais da região. Mas já há um dado que ilustra a confusão fundiária: 436 dos 769 municípios da região organizaram suas cidades em cima de áreas da União e, portanto, aos olhos da lei, numa ocorrência inédita no mundo, fazem parte de um processo de grilagem oficial e de ocupações irregulares que agridem o princípio federativo. Entre os municípios ilegais estão duas capitais, Boa Vista e Porto Velho, e uma boa parte das cidades de porte médio da Amazônia. Por Vasconcelo Quadros, do Jornal do Brasil, 27/11/2008.

A situação é tão grave que o novo plano do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) prevê a doação aos municípios de frações até 2.500 hectares em forma de Léguas Patrimoniais, como são chamadas as áreas urbanas da União e estão em nome do órgão.

– Parte ou o total da área urbana dos municípios foram construídos em cima de terras da União. Faremos a transferência em forma de doação – diz o presidente do Incra, Rolf Hackbart.

Sem a legalização, as prefeituras não conseguem fazer plano diretor, deixam de fazer loteamentos, perdem uma fortuna em impostos e os títulos nunca chegam aos moradores. O governo federal perderá, no entanto, uma incalculável fortuna com a transferência.

Não há diagnóstico preciso sobre a realidade amazônica, mas a situação fundiária das áreas urbanas é tão insegura quando no meio rural. Pelo plano do Incra, chamado Terra Legal, o presidente Lula deve editar, dentro dos próximos dias, uma Medida Provisória definindo os critérios do processo de regularização para os nove Estados da Amazônia Legal. Já há consenso de que a região será prioridade oficial e que o Plano Amazônia Sustentável (PAS) não decola se os governos federal, estaduais e municipais não partirem para uma varredura que englobe os nove estados da região (AC, AP, AM, MA, MT, PA, RO, RR e TO) dentro de uma ação integrada e sem trégua durante os próximos três anos.

– Não avançaremos com o caos fundiário. A região vive uma insegurança radical. Precisamos fazer uma varredura e resolver de uma só vez porque todos os problemas da região estão entrelaçados – diz o ministro Roberto Mangabeira Unger, da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE).

Na teoria, o governo federal tem o controle sobre 502,2 milhões de hectares, mas o volume arrecadado e que pode ser destinado à reforma agrária e projetos de desenvolvimento fica reduzido a algo em torno de 67 milhões de hectares.

Para regularizar as posses de pequenos agricultores, o Incra defende a doação de até 100 hectares e não os 400 propostos por Mangabeira Unger. As estimativas apontam que esse universo abrigaria 283.641 proprietários, que já estão assentados e ocupariam, com áreas tituladas, cerca de 16 milhões de hectares. Se tiver que seguir a lei, que não permite qualquer tipo de doação, o Incra teria de cobrar de cada posseiro por uma gleba de 100 hectares, num financiamento de 10 anos, R$ 337,05. A incongruência é que, para regularizar, gastaria quase quatro vezes mais ou exatos R$ 1.347,90. A doação permitida por uma MP presidencial eliminaria o emaranhado jurídico (são sete leis e dois decretos tratando do mesmo assunto) e desburocratizaria o processo. A única exigência do Incra é que o posseiro só poderia vender depois de 10 anos. A SAE defende que a gleba a ser doada tenha até 400 hectares (ou quatro módulos fiscais), sem restrição. Estimativas extra-oficiais apontam que a doação implicaria em o governo abrir mão de R$ 2,1 bilhões.

As propriedades médias, de até 1.500 hectares, que devem ser regularizadas, formam um universo de 13.218 áreas. Sobre elas Incra e SAE defendem a venda direta. Acima disso e até o limite definido pela Constituição, de 2.500 hectares, o governo teria de abrir licitação para vender. É nesse grupo que se concentra uma das grandes preocupações do Incra: se não agir rápido, editando uma Medida Provisória, o governo pode acabar estimulando uma nova corrida pela terra na região, agravando o processo de grilagem, aliado a uma busca frenética pela legalização de posses irregulares.

O plano Terra Legal é uma tentativa do Incra de retomar o comando da regularização fundiária cobiçado pela SAE. As entidades ambientalistas que acompanham o debate temem o governo acabe criando uma grande imobiliária para comercializar as áreas até 2.500 hectares e se desvie da questão central: o confisco das grandes frações griladas, cujos detentores têm forte lobby no Congresso.

Marco legal para a região será feito por uma MP

Assim que definir se acata ou não a proposta de criação de um órgão para coordenar a regularização fundiária na Amazônia Legal, o governo deve baixar uma Medida Provisória cujo texto representará o consenso entre União, governadores e a maioria dos 769 prefeitos dos nove estados da região. A MP simplificará nove leis e dois decretos, criando um marco legal que mudará radicalmente a situação fundiária da região. Como já dispõe de levantamentos e tem os alvos definidos, a varredura prevista para o ano que vem deve abolir exigências como vistoria no imóvel, certificado da gleba da qual a área deve ser separada e demais normas administrativas de verificação de requisitos de legitimação da posse.

Pelo emaranhado de leis e normais que regem atualmente a questão agrária na região, o governo demoraria, no mínimo, 40 anos para legalizar o território de 5,2 milhões de quilômetros quadrados ou o equivalente a 61% do território nacional onde, segundo o próprio governo, menos de 4% da área são titulados. A simplificação, segundo plano do Incra, encurtaria o tempo em 38 anos, permitindo que até 2010 estejam legalizadas 283.641 posses (até 400 hectares) e, em 2011, o total de quase 297 mil áreas, distribuídas entre pequenos e médios produtores.

O Incra estima que o plano Terra Legal terá um custo total de de R$ 299,8 milhões de 2009 a 2010. Para o orçamento do governo federal do ano que vem, estão previstos R$ 130 milhões , mas o Incra vai precisar de mais R$ 48,9 milhões para completar os R$ 178,9 milhões necessários à primeira ofensiva de regularização, que englobará o grosso do trabalho. Em 2011, serão gastos R$ 120,3 milhões. Embora não se saiba ainda se haverá um novo órgão para coordenar o processo, o governo deve convocar um mutirão de órgãos públicos para agir em parceria com os governos estaduais _ que já colocaram no debate seus institutos de terra _, Prefeituras, o judiciário e entidades da sociedade civil envolvidas com a questão fundiária. A meta é ousada, mas a idéia é entregar ao posseiro um título definitivo 60 dias depois do preenchimento do cadastro. (V.Q.)

[EcoDebate, 28/11/2008]

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3 thoughts on “Grilagem oficial: Mais da metade das cidades da Amazônia foi erguida sobre áreas pertencentes à União

  • Não concordo com o título grilagem oficial relacionado às cidades erguidas na Amazônia Legal. Não procede, porque as cidades surgem em decorrência de aglomerados humanos que se formam expontaneamente, na maioria das vezes, sem o conhecimento dos prefeitos e, daí evoluem a Distritos, depois se transformam em cidades. E, especificamente no caso de Rondônia, a capital está erguida em terras públicas de domínio municipal, pois o INCRA já regularizou (por doação) mais de 7.000 ha para aquele município. Agora, lá está acontecendo a expansão urbana sobre terra públicas federais, porque o INCRA não titulou os detentores das áreas rurais lindeiras, sobre as quais a cidade se expande. E mais. Cerca de 76% dos 52 municípios rondonienses foram criados sobre áreas de Projetos de Colonização e de Assentamentos (emancipados, Pe: Ouro Preto, Jaru, Nova Mamore, Colorado do Oeste, Machadinho do Oeste, Ariquemes, Buritis, Cacoal, Rolim de Moura, Seringueiras etc), onde o INCRA reservou área específica para fins urbanos, com a perspectiva de transferí-las (por doação) ao executivo municípal, muitas das quais já regularizadas, outras em processos de regularização que se arrastam por mais de 15 anos, devido ao grande vulume de exigências burocráticas, principalmente da Consultoria Jurídica do MDA. POr isto, a prevista MP da desburocratização fundiária será muito bem vinda, tanto para a cidade, quanto para o campo.

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