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Artigo

Energia da fome e destruição, artigo de Egon Dionísio Heck

Entre os impactos da produção de etanol no Brasil destacamos a superexploração e as condições degradantes de trabalho e a utilização de mão de obra escrava; a contaminação dos solos, do ar e da água e redução da biodiversidade; o encarecimento das terras e a concentração fundiária, que fragilizam ainda mais os programas de reforma agrária e promovem, concomitantemente, um processo brutal de invasão de territórios de populações tradicionais e povos indígenas e de expropriação das terras de pequenos e médios agricultores; e a ameaça a produção dos alimentos que são consumidos no país. A extrangeirização da terra, seja através da compra ou contratos de arrendamento, para a produção de agroenergia, também é um fator recente e extremamente preocupante, pois hipoteca as áreas de terras agriculturáveis disponíveis e as condições estruturais de produção de alimentos.” (Seminário Internacional de Agrocombustíveis como obstáculo à construção da Soberania Alimentar e Energética, São Paulo,19/11/08)

Forte aparato de segurança no Brooklin. Há meses eram anunciadas personalidades importantes do mundo, atraídas pela cana, pelo forte cheiro do vinhoto e agradável odor etanol. Seriam as celebridades precedidas por Bush e seu império. Ministros da economia viriam cortejando o combustível limpo do futuro. Enfim uma grande festa movida pelo fetiche limpo do etanol. Fala-se em quase três mil pessoas na onda verde dos biocombustíveis em meio à poluição de São Paulo. Erupção súbita da crise fez o capitalismo tirar o pé do acelerador. Grande parte das autoridades esperou em casa a passagem do furacão. O governo Lula se esmera em vender ao mundo a idéia do combustível limpo do futuro, o etanol. No livro verde do BNDS as mil e uma maravilhas propagandeadas. E evento foi anunciado em grande estilo “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer mostrar aos estrangeiros os benefícios dos biocombustíveis do Brasil e fixar a imagem de que a produção nacional do etanol e do biodiesel é sustentável. Essa é uma resposta às críticas internacionais de que o combustível causa desmatamento e reduz a oferta de alimentos. Por essa razão, o Palácio do Planalto organizará em São Paulo, entre os dias 17 e 20 de novembro, um mega evento sobre o setor, que consumirá cerca de R$ 2 milhões.(Gazeta Mercantil,9/10/08)

Enquanto isso, no coração agitado de Sampa, na praça da República, quase uma centena de cidadãos brasileiros e do mundo buscam entender o outro lado da moeda. De olho na crise estrutural do sistema avaliam que os remendos só aumentam o buraco. Por isso alertam “O atual modelo de produção e consumo, promovido pelos países do Norte é insustentável e coloca em risco a vida do planeta. Diante da crise estrutural do sistema capitalista, que engloba a questão energética, ambiental, alimentar, financeira e de valores é preciso repensar o modelo de sociedade e de civilização”.

ESTA O ETANOL “PERDENDO O GÁS”?

Mas a produção de etanol não pode parar, dizem os arautos da cana. O momento é crucial. Apesar do impacto sobre os investimentos no setor sucroalcooleiro, bola pra frente. “. A crise financeira internacional e a falta de liquidez de curto prazo para créditos e investimentos impactam o setor após um ciclo de quatro anos de elevados investimentos e dois anos de preços deprimidos. O Brasil é o maior exportador mundial de açúcar e etanol. São cerca de 400 usinas processadoras, mais de mil indústrias de suporte, 70 mil fornecedores de cana-de-açúcar e geração de quase 1 milhão de empregos diretos. O faturamento do setor sucroenergético em 2007-2008 foi de R$ 42 bilhões e as exportações superaram US$ 6 bilhões (quinto lugar no ranking nacional). O setor situa-se hoje na quarta posição entre os maiores investidores do País: entre 2005 e 2008 foram US$ 20 bilhões” (Estado de São Paulo,19/11/08) O setor nacional de álcool e etanol movimenta R$ 40 bilhões anuais.

Construção de Alternativas com os Povos

Os representantes de mais de uma dezena de paises de três continentes, especialmente latino-americanos, foram enfáticos: “A soberania energética e alimentar é o direito dos povos de planejar, produzir e controlar a energia e os alimentos nos seus territórios para atender as suas necessidades:
– Requer uma nova organização do modo de vida em sociedade e das relações entre campo e cidade.
– Pressupõe um sistema alimentar calcado na reforma agrária em bases ecológicas adaptada as particularidades de cada bioma, como real alternativa aos problemas da escravidão no campo, da superexploração dos trabalhadores rurais e de concentração e acesso a terra; o fortalecimento do campesinato e das economias locais; a valorização dos hábitos alimentares e culturais; a diminuição das distâncias entre produção e consumo e relações solidárias de comercio”. (Carta do Seminário)

Ontem à tarde, representantes do “Seminário Internacional Agrocombustíveis como obstáculo à construção da Soberania Alimentar e Energética” foram levar o documento resultante dos debates e sugestões e propostas consensuadas quanto às perspectivas de luta dos movimentos sociais para enfrentar a construção de matrizes energéticas diversificadas e a diminuição da fome no mundo com aumento da produção e melhor acesso aos alimentos. Foi para dizer em alto e bom tom que “Discordamos radicalmente do modelo e da estratégia de promoção dos agrocombustíveis: entendemos que estes não são vetores de desenvolvimento, nem tampouco de sustentabilidade. Esta estratégia representa um obstáculo à necessária mudança estrutural nos sistema de produção e consumo, de agricultura e de matriz energética, que responda efetivamente aos desafios das mudanças climáticas”. Na carta entregue a representantes do governo brasileiro e à imprensa. No documento se afirma que os agrocombustíveis são “intrinsecamente insustentáveis” e que somente se sustenta através de financiamentos públicos.

Estamos num momento de profunda crise. Nas encruzilhadas é preciso decidir. Ou avança a ofensiva feroz do capital sobre a terra, água, recursos naturais, povos, ou juntamos as forças, reorganizamos nossa utopia e marchamos para novo horizonte. Os povos serão capazes de construir novos caminhos plurais, empunhando a liberdade e justiça de um planeta pedindo socorro e milhões de pessoas morrendo de fome e desesperança!

Com Zumbi, com o continente Africano e com os milhões de negros nos empenhemos pelo fim de todas as formas de escravidão!

São Paulo, 20/11/2008

Egon Dionísio Heck, Assessor do Conselho Indigenis (CIMI) Mato Grosso do Sul

* Artigo originalmente publicado na Agência de Informação Frei Tito para a América Latina – Adital, parceira estratégica do Ecodebate na socialização da informação.

[EcoDebate, 22/11/2008]

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