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Jornalista americana diz que os ambientalistas trocaram seus ideais pelo patrocínio das empresas

As ONGs ambientalistas nunca tiveram tanto poder. Uma demonstração disso aconteceu na semana passada, em Barcelona, durante o congresso da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN). A entidade representa 850 instituições ambientais de 130 países. O encontro juntou 8 mil pessoas, incluindo militantes e pesquisadores de centenas de nações. Mas, ao contrário do que se imagina, a pauta entre os participantes não era a conservação das espécies ou como resolver o aquecimento global, e sim a votação do futuro presidente e dos conselheiros da IUCN. O vencedor foi o físico indiano Ashok Kosla, presidente de uma associação indiana de crédito e assistência técnica para comunidades rurais. Por Juliana Arini, Revista Época, Edição 544 – 19/10/2008.

A disputa se explica: ser presidente da IUCN é um dos postos mais almejados no mundo das ONGs. O cargo confere mais poder para negociar alianças com empresas. Em 2007, a própria IUCN assinou um acordo de US$ 1,2 milhão com a Royal Dutch Shell. O objetivo era melhorar o desempenho ambiental da empresa petroleira. O contrato foi criticado no congresso de Barcelona. As entidades Amigos da Terra, Centro de Direitos Humanos e Meio Ambiente, da Argentina, e Sociedade Holandesa para a Natureza e o Meio Ambiente exigiram que a atual diretora-geral da IUCN, Julia Marton-Lefèvre, rompa o acordo com a Shell, pelas práticas poluidoras da empresa na Nigéria e no Canadá.

A contestação ao acordo da IUCN com a Shell seria um sinal do que uma escritora e jornalista americana, Christine MacDonald, denuncia em seu livro Green, Inc. (Verde S.A., em uma tradução literal), lançado há um mês nos Estados Unidos. Christine, que trabalhou quatro meses na sede de uma grande organização, a Conservação Internacional, em Washington, acusa as ONGs de fechar os olhos para práticas lesivas ao meio ambiente para não perder doações financeiras e poder de influência em governos.

As parcerias entre as ONGs e as empresas não são exatamente novas. Uma das maiores fundações ecológicas do mundo, o instituto americano Smithsonian, trabalha com verbas de fundos privados desde 1846, para administrar zoológicos, museus de história natural e centros de pesquisa. Mas, até a década de 90, organizações ambientalistas que ganharam espaço por suas ruidosas manifestações mantinham certa distância das empresas. A gravidade da crise ambiental e um amadurecimento das empresas levaram a uma aproximação. Entidades como o WWF e a Conservação Internacional, que estudam animais e ecossistemas ameaçados, passaram a receber mais verbas de empresas e até a assessorar algumas companhias em projetos ambientais. Até que ponto isso teria atenuado seus princípios?

A principal acusação de Christine é um velho fantasma dos ambientalistas. Trata-se do greenwashing (ou lavagem verde). O termo é empregado desde a década de 80. Significa que uma empresa poluidora se associa a uma organização ambientalista apenas para parecer mais verde. Segundo Christine, o greenwashing teria virado a prática corrente das relações entre grandes empresas e organizações ambientalistas. Em seu livro, ela empilha várias acusações contra dezenas de ONGs e empresas.

Um dos supostos casos de lavagem verde apontados por Christine seria a relação entre o WWF e a rede sueca de produtos para casa Ikea. A ONG recebe milhões de dólares da Ikea para ajudar a rede a evitar a compra de madeira ilegal. Mas o problema continuaria sem solução, mesmo com o apoio da ONG. O WWF diz que o importante é que há avanços. O número de produtos com madeira certificada (que garantidamente vem de fonte legal) cresce a cada ano. “A Ikea ainda não atingiu sua meta de adquirir 100% da madeira proveniente de florestas exploradas com práticas que não degradam o meio ambiente, mas esse é um objetivo de longo prazo”, diz a assessora de comunicação do WWF.

Outra suposta maquiagem verde envolveria, segundo Christine, a ONG Conservação Internacional (CI) com a empresa de alimentos Bunge. A companhia estaria financiando o plantio de soja em áreas desmatadas de Cerrado no Piauí. E também queimando floresta nativa para secar os grãos. Desde 2006, a Bunge firmou uma parceria de US$ 1 milhão com a CI para adotar práticas agrícolas mais sustentáveis. Por isso, segundo Christine, a ONG teria passado a defender a Bunge. “A CI usa os mesmos argumentos da empresa, afirmando que queimar madeira é a melhor alternativa, porque transportar combustível em caminhões ou fazer um gasoduto liberaria mais gás carbônico. Isso é greenwashing”.

O ex-presidente de uma ONG ambientalista americana ganhava US$ 833 mil por ano

A CI rebate as críticas. Argumenta que o projeto já traz resultados práticos. Segundo a CI, o dinheiro da Bunge ajudou a regularizar 180 hectares de áreas florestais nas propriedades dos sojicultores. E há mais 1 milhão de hectares em estudo. Isso significa que essas fazendas agora possuem suas áreas verdes obrigatórias por lei, o que reduziria o desmatamento na região. “Aceitamos a parceria com a Bunge porque seria uma forma de chegar aos atores locais, que são os fazendeiros”, diz John Buchan, diretor-sênior do Centro para Liderança Ambiental em Empresas da CI.

Além de denunciar possíveis maquiagens verdes, Christine questiona os salários recebidos pelos executivos das maiores ONGs. Segundo ela, os presidentes de algumas entidades receberiam remunerações até cem vezes maiores que as de funcionários e técnicos de baixos escalões. O salário mais alto listado por ela é do ex-presidente da Fundação de Parques Nacionais dos EUA: US$ 833 mil por ano. Pode impressionar. Mas a média de salário anual dos presidentes das 300 maiores corporações americanas é de US$ 9 milhões.

A ligação com ditaduras é outro capítulo polêmico do livro. Um dos casos relatados é a atuação da Sociedade para a Conservação da Vida Selvagem (WCS) no Gabão. A ONG teria feito uma aliança com o governo local, uma ditadura acusada de massacres étnicos, para estudar e preservar primatas, como gorilas e chimpanzés. Entidades do país denunciam que parte do dinheiro investido na conservação ambiental pelas ONGs é desviado pelo governo para comprar armas. Casos assim são complexos. Sem nenhum tipo de acordo com governos, como defender espécies de animais ameaçados que vivem em países autoritários? A atuação de ONGs no Congo obteve avanços na proteção aos gorilas.

Christine ampara suas críticas em uma idéia purista do que seria uma ONG. Ela aponta, corretamente, que a ligação com empresas dá margem a possíveis abusos. Por isso, precisa ser feita com transparência. Mas a aliança dos ambientalistas com o setor privado já teve mais resultados concretos do que a política de denúncias. No Brasil, essa atuação resultou na assinatura do pacto contra o trabalho escravo e a moratória da soja na Amazônia. Outro bom exemplo são os relatórios de sustentabilidade: as empresas tornaram mais transparentes a forma como usam recursos naturais e lidam com as questões sociais. Esses relatórios, públicos, foram inclusive uma das ferramentas de Christine para escrever seu livro.

Essa associação de interesses não é simples. “Esse trabalho é duro e expõe as entidades a muitas críticas”, diz Nicole Levins, porta-voz da The Nature Conservancy (TNC), que há décadas usa doações de empresas para financiar áreas de preservação. “Os 700 cientistas da TNC concordam que é preciso ajudar governos e empresas para encontrar alternativas para a degradação da natureza. Simplesmente cruzar os braços, apenas criticar e não fazer nada não é a melhor opção para salvar o planeta”, diz.

[EcoDebate, 24/10/2008]

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