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Famílias gastam mais com saúde do que o poder público

Ao contrário do que acontece na maioria dos países desenvolvidos, onde a administração pública financia grande parte das despesas em saúde, no Brasil, de cada R$ 10 gastos no setor, as famílias pagaram R$ 6,02 e o governo R$ 3,88, de acordo com dados de 2005. O restante vem de instituições sem fins lucrativos. O padrão nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico é de, no mínimo, 70% de financiamento público, com exceção dos Estados Unidos e México, onde é de 45%. Por Fabiana Cimieri e Felipe Werneck, no O Estado de S. Paulo, 04/09/2008.

A pesquisa Economia da Saúde, Perspectiva Macroeconômica do Setor entre 2000-2005, divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou que o gasto médio das famílias brasileiras com saúde correspondeu a 8,2% de tudo o que elas consumiram em 2005. Essas despesas foram principalmente com remédios (35%) e outros serviços relacionados, como consultas e exames feitos fora do ambiente hospitalar (34%). O crescimento dos serviços ambulatoriais, em detrimento das internações hospitalares (só 1,9% do consumo das famílias) é uma tendência mundial.

O total das despesas com saúde em 2005, incluindo famílias, governos e instituições, foi de R$ 171,6 bilhões – 8% do Produto Interno Bruto (PIB). Os dados sobre despesa média mensal familiar com saúde revela que os 10% mais ricos da população gastam R$ 376, quase 13 vezes mais do que os 40% mais pobres, que consomem R$ 28. A pesquisa indica também uma diferença na forma de gastar esse recurso. A maior despesa no grupo dos mais ricos foi com planos e seguros de saúde (R$ 144,41), remédios (R$ 97,78) e consultas e tratamentos dentários (R$ 43,98). Já os mais pobres gastaram com remédios (R$ 19,19). Planos de saúde e consulta vêm em seguida, com valor mínimo.

As despesas com saúde somaram 15,6% (R$ 66,6 bilhões) de tudo o que o governo gastou em 2005. Mas esses dados ainda serão detalhados. A maior parte (R$ 56,6 bilhões) foi consumida pela saúde pública, que inclui desde atendimentos individuais pelo Sistema Único de Saúde (SUS) até distribuição e produção de medicamentos. O estudo também não calculou os indicadores gerados pelos hospitais universitários, militares e penitenciários.

MERCADO DE SAÚDE

Uma análise do mercado nos cinco anos do estudo mostra que em 2002 e 2003 o setor cresceu menos do que a média da economia. Entre 2004 e 2005, há uma tendência de recuperação, com uma taxa de crescimento real de 3% e 5,9%, respectivamente. Neste período foram criados 660 mil novos postos de trabalho, cuja média salarial foi de R$ 15,9 mil, superior à média nacional. No total, são 3,9 milhões de postos de trabalho ocupados por profissionais de saúde, que correspondem à 4,3 % do total de vagas do País.

A pesquisa também mediu o valor econômico do setor, que gerou R$ 97,3 bilhões em 2005. A atividades de maior valor foi a saúde pública, que participou com 33,4%. “A saúde não é só uma gastadora de recursos, mas uma mola propulsora do desenvolvimento”, disse Elias Jorge, diretor de Economia da Saúde e Desenvolvimento do Ministério da Saúde.

Para a pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz Angélica Borges dos Santos, que trabalhou na publicação, as famílias estão gastando mais porque houve aumento de renda e vêem o setor como um bem de consumo. “Acredito que haja um componente razoável de medicina estética (no gasto da família).” Para ela, o SUS tem insuficiências em algumas áreas, mas em outras, como na distribuição de remédios para aids e hepatite, consegue atender a todos.

A pesquisadora Ligia Bahia, do Laboratório de Economia Política da Saúde da Universidade Federal do Rio discorda que o consumo das famílias com saúde tenha a ver com o crescimento de clínicas de estética. “A maior causa de morte são as doenças crônicas e os maiores gastos, com remédios”, disse. Inédito, o estudo compilou pesquisas de indústria e comércio, assistência médico-sanitária, sistema de conta nacional e dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar.

Cresce número de usuários de planos privados de saúde

A aposentada Olga Martins Teixeira, de 66 anos, recebe mensalmente cerca de R$ 660. Para pagar as despesas da casa, conta também com a pensão da mãe de 87 anos: R$ 440. As duas gastam juntas com plano de saúde cerca de R$ 480, quase metade do que recebem. Sem contar despesas com remédios (R$ 200). “Sou hipertensa e minha mãe precisa de remédios para fraturas que sofreu”, conta. Sobra pouco para despesas como aluguel e alimentação. Por isso, Olga precisou voltar ao mercado e hoje trabalha como secretária. “Sem uma complementação, é impossível pagar as despesas.”

Olga está entre os 18,5% da população que, em 2005, tinha plano de saúde, segundo o IBGE. Em 2007, a cobertura chegou a 20%, pelos dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Em junho de 2005, os 34 milhões de associados estavam vinculados a 1.260 operadoras. A maior taxa de cobertura foi registrada em São Paulo (35,7% da população), e a menor, em Roraima (2,3%). Entre 2000 e 2005, o número de operadoras de planos médico-hospitalares caiu 16,3%, mas o total de beneficiários cresceu 11%. A receita das operadoras passou de R$ 21,8 bilhões para R$ 36,4 bilhões entre 2000 e 2005, alta de 67,3%, em termos nominais.

A pesquisadora da Fiocruz Angélica Borges dos Santos, que colaborou com o IBGE, disse que ter plano de saúde “virou uma questão de status” no País. “Saúde não é bem de consumo, ela deve ser pautada pela necessidade.” Para a pesquisadora Ligia Bahia, da Universidade Federal do Rio, o SUS não atingiu a meta de ser universal: “Quem pode pagar tem acesso a medicamentos de ponta. É um padrão que impede a melhoria de indicadores.”

[EcoDebate, 05/09/2008]