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Mato Grosso do Sul: Usina reincidente é flagrada com 126 em condição degradante

Da primeira vez, em março do ano passado, 409 trabalhadores (dentre eles, cerca de 150 indígenas) haviam sido resgatados da Dcoil, situada em Iguatemi (MS). Mesmo assim, cortadores de cana foram novamente encontrados em situação desumana. Por Maurício Hashizume, da Agência de Notícias Repórter Brasil.

Mais uma vez, a usina de cana-de-açúcar do médico do trabalho Nelson Donadel, batizada de Distribuidora Centro Oeste Iguatemi Ltda (Dcoil), foi inspecionada por auditores fiscais e procuradores do trabalho. E, mais uma vez, houve flagrante de condições extremamente degradantes.

Da primeira vez, em março do ano passado, 409 trabalhadores (cerca de 150 deles indígenas) foram resgatados da Dcoil, situada no município de Iguatemi (MS). A fiscalização gerou um processo administrativo no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que acabou resultando na inclusão do nome de Nelson Donadel na “lista suja” do trabalho escravo, cadastro de infratores atualizado periodicamente pelo governo federal. Além dos pagamentos, o dono da usina assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em que se comprometeu a adotar critérios para garantir direitos aos trabalhadores indígenas.

Desta vez, entre julho e agosto de 2008, a fiscalização resgatou 126 cortadores de cana submetidos a um quadro desumano: enfrentando problemas com relação ao pagamento por produção, em alojamentos inadequados, sem equipamentos de proteção individual (EPIs), sem transporte regular e sem banheiros e locais para alimentação dentro dos padrões exigidos. Para não ter que cumprir os itens definidos no TAC com relação aos indígenas, foram contratados cortadores não-índios da região e migrantes da Região Nordeste, mais especificamente do Piauí, do Maranhão e de Alagoas.

De acordo com o auditor Luiz Carlos dos Santos Cruz, que coordenou a ação, os empregadores, em vez de buscar resolver os problemas, buscaram “alternativas” para lidar com a questão da mão-de-obra. A figura do “gato” (contratador a mando do padrão) foi substituída por um “fiscal de turma”, que ganhava um “bônus” para acionava as suas redes sociais de origem (nos estados do Nordeste) com o intuito de “trazer” mais gente para a labuta nos canaviais. Dessa forma, também se “desobrigavam” de garantir alojamentos nas frentes de trabalho, deixando os trabalhadores sem amparo. Sem condições de pagar por uma moradia, os cortadores acabavam em alojamentos na cidade mais próxima em péssimas condições.

Mesmo o alojamento da usina ficava distante da estrada de asfalto (cerca de 30 km). Os banheiros nas frentes de trabalho (que foram interditadas), testemunha Luiz Carlos, era apenas um cercado de lona com o buraco no meio. “Era tão ruim que ninguém usava”, conta. Além disso, os cortadores eram levados para a frente de trabalho e, em alguns dias, eram obrigados a parar a produção. “Tinha dia que eles ficavam inteiramente à disposição do empregador, mas eram impedidos de cortar cana. Ao final do dia, tinha gente que faturava R$ 2,50, menos que os donos cobravam pela refeição de R$ 3,50. Ou seja, em alguns dias eles pagavam para trabalhar”, revela o coordenador da ação, que também não aprovou a qualidade da comida servida às pessoas. Quando o trabalho é interrompido por vontade do empregador, explica Luiz Carlos, os trabalhadores precisam receber mesmo assim. “A meu ver, as condições se enquadravam em caso de assédio moral.”

Quase 50 autos de infração foram expedidos. Nelson Donadel também pagou cerca de R$ 250 mil em rescisões trabalhistas.

Quando chegaram para a fiscalização, os auditores e procuradores encontraram ainda um grupo de 50 cortadores que havia sido despedido da Dcoil. Eles voltavam para a região de Barras (PI), depois da dispensa em função de uma greve. Foram demitidos de forma irregular sem receber o aviso prévio. Por causa da intervenção do Ministério Público do Trabaho nesse episódio da demissão (que acabou sendo confirma em juízo por representante do sindicato local) e por conta da própria fiscalização, o dono da usina entrou com diversas ações na Justiça do Trabalho, pedindo inclusive inspeção judicial para verificar as condições na propriedade. O juiz responsável foi até o local e constatou a veracidade da situação irregular apontada pelos auditores e procuradores.

“No final de tudo, todas as ações só serviram para produzir mais provas contra eles mesmos”, comenta o procurador Heiler Ivens de Souza Natal. Só pelo descumprimento do TAC, o dono da Dcoil será obrigado a pagar cerca de R4 2 milhões.

[EcoDebate, 28/08/2008]